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terça-feira, 25 de outubro de 2022

Os segredos da Toca da Onça

 A Toca da Onça localizada no povoado de Caatinga do Moura, município de Jacobina, região norte da Bahia entrou para o mapa da ciência com as coletas e publicações realizadas pelo Professor Castor Cartelle no final da década de 70. Além de diversos espécimes da megafauna como: Preguiças e Tatus Gigantes, nesta caverna a essa mesma época foram coletados  restos de dois esqueletos humanos. Estudos desse material humano demonstram traços africano-australomelanésios com datações de 9 mil anos que demonstra a importância dessa caverna para a interessante questão do povoamento das Américas. Apesar de tamanha relevância até 2018 a caverna ainda carecia de informações geoespeleológicas que dão subsídios para a melhor utilização e valorização desse patrimônio natural. 

Vista área do afloramento da Toca das Onças. Uma árvore tombada cobre a dolina de formato circular que caracteriza a entrada da caverna.
Detalhe da entrada. 

No trabalho que realizamos em 2018 e publicado na revista Scientia plena (Artigo Original) nós caracterizamos a Toca das Onças do ponto de vista geomorfológico, realizamos uma topografia e um mapa da caverna foi publicado pela primeira vez e ficou disponível para que outros pesquisadores de diversas áreas como arqueologia e paleontologia possam usufrui desse material para complementar seus trabalhos. 



Aspectos da morfologia interna da caverna registrado sob a lente do Erickson Batista.



Já estávamos quase finalizando os trabalhos de topografia nessa expedição realizada no final de Janeiro de 2018 quando me deparei com um osso que se assemelhava a um osso humano, discutimos um pouco a respeito e decidimos fazer uma busca com maior atenção nesse pequeno trecho da caverna, não demorou e descobrimos diversos ossos relacionados, a dúvida se era ou não era de humanos permaneceu até que retirando um bloco e outro e limpando um pouco do sedimento revelou-se diante de nós uma mandíbula inequivocamente humana. Nossos corações dispararam e uma emoção tomou conta de todos os presentes, talvez estivéssemos diante de uma descoberta tão importante quanto foi a descoberta de Luzia (O fóssil humano mais antigo e que infelizmente foi queimado no incêndio que ocorreu no museu nacional do RJ).

Momento que encontramos a mandíbula humana durante os trabalhos espeleométricos de 2018.

O procedimento correto teria sido deixar cada vestígio desse em seu devido lugar e informar os pesquisadores da área de arqueologia sobre o ocorrido. No entanto, durante essa expedição participava um número muito grande de curiosos e ficamos receosos de deixar esse material para trás e que ele se perdesse antes da chegada dos pesquisadores, por essa razão após uma pequena discussão decidimos coletar e doar para a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) onde o material foi tombado e está sendo apropriadamente estudado.

Em 2021 fui convidado para participar de uma interessante investigação com um outro fóssil encontrado na Toca das Onças, tratava-se de algumas vertebras da preguiça gigante Eremotherium laurilardii, nestas vertebras o professor Fernando Barbosa identificou marcas relacionadas a um processo de cicatrização de uma ferida, o que nos fez sugerir que a preguiça caiu na caverna ainda viva, se machucou e ficou aprisionada na caverna até a sua morte algum tempo depois. Esse trabalho demonstrou pela primeira vez que a caverna funcionava como uma armadilha natural que os animais da megafauna caiam e não conseguiam sair, acumulando assim dezenas de esqueletos ao longo do tempo.  Esse trabalho foi publicado na influente Scientifc reports que é uma publicação do grupo Nature uma das mais relevantes revista científica do mundo. 

O título do trabalho publicado e fotos das vertebras encontradas na Toca das Onças.

Ilustração feita pela Paleoartista Júlia D' Oliveira representando a preguiça gigante tentando escapar sem sucesso da Toca das Onças durante a última era glacial.

Quais outros segredos ainda estão guardados na Toca das Onças à espera de novos olhares atentos.




Última expedição a Toca das Onças realizada em Outubro de 2021. Erickson, Juliano, André, Leo Bamberg, Eugênia (em pé) e Edemir (sentado).




quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Spelaeogammarus! Quem são? Onde encontramos? e por que são importantes?

Quem são os Spelaeogammarus?

Popularmente são conhecidos como "Pitu" das cavernas. Trata-se de um minúsculo crustáceo de água doce (parente distante dos camarões) estão incluídos dentro da ordem dos Amphipoda ou anfípodes. As espécies de Amphipoda tem grande variação de tamanho, ocupam uma diversidade de habitats incluindo ambientes marinhos, de água doce e até ambientes terrestres úmidos. Dentro dos Amphipoda existe um grupo chamado de Gammaridea que são praticamente exclusivos de água doce e que o gênero mais conhecido é o Gammarus

Comparação mostrando as diferenças entre um anfípoda de água doce (que mais parece uma pulga aquática) com o pitu verdadeiro (um camarão de água doce).

O primeiro Gamaridea descrito em uma caverna brasileira ganhou o nome de Spelaeogammarus bahiensis; Spelaeo é o termo em latim para caverna.  Iva Nilce da Silva Brum descreveu esse novo animal em 1973, e no trabalho é informado que o material (2 machos e três fêmeas) foram coletados em uma caverna procedente do Distrito de Matamuté (Sic), Município de Curaçá na Bahia.  Na verdade no nome correto do distrito é Patamuté que é um termo da língua Cariri que significa "antas n'água. Não há registro de novas coletas do animal em Curaçá e fotos do espécime são desconhecidas, os trabalhos que citam o S. bahiensis repetem o erro de informar Matamuté ao invés de Patamuté. 

Desenho do artigo original que descreve o gênero. 

No final dos anos 80 e começo dos anos 90 pesquisadores do Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas identificaram e coletaram vários exemplares de Spelaeogammarus nas cavernas de Campo Formoso, principalmente Toca do Pitu, Lapa do Convento e Toca do Gonçalo; Inicialmente, acreditava-se que eram Spelaeogammarus bahiensis, porém na revisão feita por (KONEMANN & HOLSINGER, 2000) esses exemplares foram descritos como Speleogammarus trajanoae. A espécie é nomeada em homenagem a Professora da USP Eleonora Trajano por suas importantes contribuições para biologia subterrânea brasileira. 

No meu trabalho de graduação identificamos esse espécime (S. trajanoae) para uma nova caverna em Campo Formoso: a Toca da Tiquara (ARAÚJO & PEIXOTO, 2014); Posteriormente, nos trabalhos do Mestrado o identificamos em uma nova caverna em Várzea Nova: A Toca do Carlito (ARAÚJO et al., 2017).

Em C) coletando Amphipoda para o trabalho da graduação; D) tentativa de fotografar o minúsculo crustáceo em campo. E) Detalhe do S. trajanoae da Tiquara para a Dissertação do Mestrado. 


Registro extraordinário  de S. trajanoae feito pelo Erickson Batista na Toca do Carlito em Várzea Nova.

Do município de Iraquara foram coletados alguns exemplares nas cavernas Baixa do Salitre e Jaburu que foram identificados por (KONEMANN & HOLSINGER, 2000) como sendo da espécie Speleaogammarus spinilacertus. Mais tarde em 2004 Alexandre Camargo encontrou um exemplar de S. spinilacertus na Gruta da Torrinha (também em Iraquara). O exemplar de Iraquara é distinto das outras espécies do gênero por possuir alguns espinhos em um dos apêndices. Inclusive esse é o significado do nome spini= significa espinho e lacertus= braço superior.

Spelaeogammarus spinilacertus da Gruta da Torrinha. Foto: Alexandre Camargo (2004).


Da gruta do Padre, no município de Santana no oeste da Bahia foram coletados exemplares que (KONEMANN & HOLSINGER, 2000) identificaram como os de maior tamanho corporal comparado com as demais espécies (macho 13mm e fêmea 10 mm) , aparenta também maior transparência e é tecnicamente distinto das outras espécies por apresentar flagelos acessórios segmentados. Essa espécime foi batizada de Spelaeogammarus santanensis em referência a cidade de Santana.
Assim, como o S. bahiensis, não encontrei nenhuma imagem do S. santanensis.

No entanto, em 2014 André Senna (UFBA) junto com outros colaboradores descreveram uma nova espécie que está relacionada ao S. santanensis, essa espécie foi encontrada na caverna PEA- 445 na cidade de Santa Maria da Vitória e apresenta algumas características distintivas sendo uma das características que chamam a atenção o comprimento. Enquanto que até então S. santanensis ocupava o posto de maior Spelaeogammarus com 13mm esse novo espécime encontrado em Santa Maria da Vitória tem mais que 18mm de comprimento sendo considerado agora o maior Spelaeogammarus e por isso mesmo foi batizado com o nome de Spelaeogammarus titan!


S. titan. Foto de Rodrigo L. Ferreira uma dos autores do trabalho de descrição.



Rafaela Basto-Pereira & Rodrigo Lopes Ferreira (UFLA), descreveram recentemente mais 02 novas espécies: Spelaeogammarus sanctum para a conhecida e muito visitada caverna do Bom Jesus da Lapa e Spelaeogammarus uai coletado na Lapa d' água do Zezé em Itacarambi- MG. Sendo esse último o primeiro Spelaeogammarus registrado fora do Estado da Bahia; Embora a caverna faça parte da mesma unidade geológica (Grupo Bambuí) em que foram descritas as espécies S.santanensis, S. titan e S. sanctum.





Onde estão os Spelaeogammarus?

Aqui está uma excelente oportunidade para falar sobre nossos aquíferos cársticos. A interação entre as águas superficiais e subterrâneas em locais que tem rochas carbonáticas, resulta em um complexo e imprevisível aquífero denominado aquífero cárstico. Esses aquíferos são pouco estudados do ponto de vista biológico e costumam apresentar um grande número de espécies únicas e exclusivas. 
No Estado da Bahia temos aquíferos cársticos relacionados a bacia do Rio São Francisco. No oeste temos um aquífero nos carbonatos do Grupo Bambuí na bacia do Urucuia; Na região central, temos o aquífero nos carbonatos do Grupo Una subdividido nas bacia Una- Utinga e bacia de Irecê na região da Chapada Diamantina e também nos carbonatos do Grupo Una temos a bacia do Salitre na região norte do Estado; Os carbonatos ocorrem ainda em um pequena faixa na Sub-bacia de Curaçá-Canudos. Ver mapa a seguir.


No aquífero cárstico da bacia do Urucuia foram encontrados 4 espécies: Spelaeogammarus uai; S. sanctum, S. titan e S. santanensis. Da bacia de Irecê foi descrito o S. spinilacertus; Na bacia do Salitre o S. trajanoae; e na bacia de Curacá-Canudos o Spelaeogammarus bahiensis. Uma olhada rápida no mapa e já dá para fazer uma previsão científica. Uma espécie de Spelaeogammarus está aguardando ser descoberta e descrita na bacia de Una-Utinga!

Além disso, a própria bacia de Irecê é subestimada com relação a ocorrência do anfípode. Na bacia do Salitre ocorre um número maior de expedições  espeleo-científicas e o crustáceo já foi registrado de um extremo a outro da bacia. Enquanto que na parte norte da bacia de Irecê, na sub-bacia do  rio Verde-Jacaré há uma lacuna de conhecimento espeleológico.

Nessa imagem pode-se observar a ocorrência de Spelaeogammarus por bacia no Estado da Bahia. 

Podemos pensar em duas hipóteses para explicar a distribuição do Spelaeogammarus. Uma primeira possibilidade seria que o ancestral do Spelaeogammarus (talvez, um parente que vivesse nas águas superficiais) invadiu um ponto específico do aquífero e a partir daí se espalhou por migração para todos os pontos onde hoje eles são encontrados. Transpondo barreiras entre uma unidade geológica e outra e pouco a pouco separando as populações e promovendo especiação. 
" Um exemplo hipotético: O ancestral invadiu o ambiente subterrâneo onde hoje é a bacia do Urucuia na região oeste. E formou a espécie 01 uma parte da população da espécie 01 conseguiu transpor a barreira e migrou para o aquífero na parte central do Estado e essa população isolada formou a espécie 02. O processo se repete formando a espécie 03 a partir de uma parte da população da espécie 02 e assim sucessivamente." 

A hipótese alternativa a da migração é a chamada hipótese do efeito vicariante. Nessa proposta as bacias que hoje estão separadas já foi no passado uma única unidade geológica e nessa unidade a espécime ancestral do Spelaeogammarus era abundante e ocupava o aquífero como todo. Com o tempo (intemperismo e erosão), essa unidade se fragmentou em várias "ilhas" que hoje são as bacias, separando a população que antes era contínua em várias subpopulações isoladas, cada uma dessas subpopulações acumulou as diferenças que as tornam espécies diferentes. 

Qual das duas hipóteses é mais provável?
 Usar esse espécime para ajudar a explicar esse importante tipo de questão evolutiva já responde a pergunta do título da postagem

Por que Spelaeogammarus importa?

As espécimes encontradas em aquíferos cársticos são representantes de espécies muito antigas que foram abundantes no passado e hoje são restritas a esses ambientes e por isso são chamadas espécies relictuais. 
No trabalho que desenvolvemos durante o Mestrado tentamos dar uma olhada nessa questão da distribuição, utilizando uma das bacias como modelo. Escolhemos a bacia do rio Salitre e observamos a ocorrência das populações de Spelaeogammarus trajanoae para pensar se migração ou efeito vicariante explicaria melhor essas populações estarem separadas dentro da bacia. 
No mapa a seguir observa-se as cavernas que permite acesso ao aquífero e tentamos registar os Amphipodas. 


O que percebemos preliminarmente é que Spelaeogammarus parece ter baixo poder de dispersão. Mesmo em cavernas que o lençol freático aflora em pontos diferentes os espécimes foram observados sempre nos mesmos pontos. Outro ponto que percebemos é que locais em que eles já foram registrados em trabalhos anteriores com por exemplo na Toca do Gonçalo em Campo Formoso, não foram mais observados devido ao rebaixamento do lençol freático. 

Sugerimos nesse trabalho que Speleogammarus já foi abundante em todo o aquífero da bacia do Rio Salitre, mas que mudanças paleoclimáticas restringiu esses anfipodes em refúgios de hábitat subterrâneos em longos períodos de seca o que poderia ser uma razão para não encontrar populações em pontos com conexões hidráulicas. É claro que outras explicações são plausíveis e apenas começamos a fazer as perguntas. 
No entanto a grande preocupação é: Vamos ter tempo para responder? Isso por que a má utilização da água subterrânea para agricultura extensiva junto com a contaminação do lençol freático pelos mais diversos tipos de poluentes aliados a crise climática trazendo anos com cada vez menos chuvas pode levar a extinção dessas maravilhosas criaturas antes mesmo que eles possam nos ajudar a responder simultaneamente como evoluiu a espécie e o relevo.

Referencias 

ARAÚJO, A.V. & PEIXOTO, R.S. The Impact of Geomorphology and Human Disturbances on the Faunal Distribution in Tiquara and Angico Caves of Campo Formoso, Bahia, Brazil. Ambient Science, 2014: Vol. 01(1).

ARAÚJO, A.V.; Leal, L.R.B.; Gomes, D.F. Anfípode subterrâneo do gênero Spelaeogammarus como um indicador de conectividade em um aquífero cárstico da bacia do rio Salitre, centro norte do Estado da Bahia. In Proceedings of the Anais do XIX Congresso Brasileiro de Aguas Subterrâneas, Campinas, Brazil, 20–23 September 2016; Associação Brasileira de Águas Subterrâneas: São Paulo, Brazil, 2016

ARAÚJO, A.V; BASTOS-LEAL, L.R.; Gomes, D.F. Novos dados preliminares sobre o padrão biogeográfico de Spelaeogammarus trajanoae Koenemann & Holsinger, 2000(Amphipoda: Bogidiellidae) no aquífero cárstico da bacia do rio Salitre, centro norte do Estado da Bahia. Revista Brasileira de Espeleologia- RBesp. V. 2, nº8 .2017.

BASTOS-PEREIRA, R. & FERREIRA R.L. A new species of Spelaeogammarus (Amphipoda: Bogidielloidea: Artesiidae) with an identification key for the genus. Zootaxa 4021 (3): 418–432. 2015. http://dx.doi.org/10.11646/zootaxa.4021.3.2.

CAMARGO, A. Gruta da Torrinha: Uma nova localidade do anfípode troglomórfico, Spelaeogammarus spinilacertus (Bogidiellidae), de cavernas de Iraquara, Bahia. Revista O Carste, Volume 16 nº1. 2004.

KOENEMANN, S. & HOLSINGERr, J.R. Revision of the subterranean amphipod genus Spelaeogammarus (Bogidiellidae) from Brazil, including descriptions of three new species and considerations of their phylogeny and biogeography. Proceedings of the Biological Society of Washington, 113 (1), 104–123. 2000.

SENNA, A.R., ANDRADE, L.F., CASTELO-BRANCO, L.P. & FERREIRA, R.L. Spelaeogammarus titan, a new troglobitic amphipod from Brazil (Amphipoda: Bogidielloidea: Artesiidae). Zootaxa, 3887 (1), 55–67.2014. http://dx.doi.org/10.11646/zootaxa.3887.1.3.


 

sábado, 30 de outubro de 2021

TOCA DO NONATO: Uma cavernada aleatória.

 

Enquanto desempoeirava capacetes e lanternas me dei conta que precisava limpar a pior espécie de poeira que vem se acumulando em tempos de pandemia, aquela que pano úmido nenhum pode afastar:  A das histórias não contadas! Afinal de nada vale os dias especiais se não forem compartilhados.

Esse é o relato de uma expedição que aconteceu em abril de 2019, e que rendeu belas fotografias ( o que por si só, já justifica a postagem).


Registro de Erickson Batista na Toca do Nonato. 04/19




 Escrevendo agora em 2021 posso ser traído pela memória em alguns detalhes.  O que lembro com razoável certeza é que essa expedição não estava no nosso calendário oficial de expedições. O que aconteceu foi que próximo a semana da expedição mensal, Ney enviou no grupo de whats app uma foto e um áudio de algumas pessoas entrando em uma caverna que diziam ser inexplorada. As fotos mostravam um bom potencial e a caverna era na cidade de Cafarnaum na Bahia, essa cidade é próxima a Iraquara que é amplamente conhecida pela quantidade de cavernas e dolinas! Valeria a pena mudar o planejamento e ir conferir. 

O Ney que foi o cara que deu a ideia, nos avisou que não poderia viajar conosco naquele final de semana mas, deu a dica de um contato que encontraríamos na cidade Morro do Chapéu, o tal contato conhecia a caverna e poderia nos levar lá. E assim, pegamos a estrada saindo de Sr.do Bonfim:  Alexandre, Thiago Mattos e eu. Paramos em Várzea Nova para encontrarmos nosso principal fotografo o Erickson Batista.

Equipe completa, chegamos no Morro do Chapéu um pouco depois de meio dia, encontramos o contato que o Ney tinha informado e ficamos sabendo que ele não poderia ir conosco. O que ele poderia fazer era dar umas dicas de como chegar no povoado em que fica a caverna, e o contato do seu Nonato que poderia nos ajudar. 
Antes de nos desejar boa viagem nosso anfitrião do Morro ainda nos mostrou uns vídeos que fez na caverna o que nos deu um ânimo maior para a chegar logo e cavernar antes de anoitecer.
Chegamos ao povoado, e encontramos Seu Nonato!  Um senhor muito simpático, que nos contou vários causos e se prontificou a mostrar a entrada da caverna e autorizou que acampássemos no seu quintal, pós cavernada.

Tudo arrumado chegou a hora de cavernar. De acordo com seu Nonato a caverna fica pouco mais de 300m a frente de sua propriedade, mas, precisaríamos passar pela propriedade de terceiros e, portanto, seria necessário uma ou outra conversa antes de chegar no afloramento. Feito isso, já era quase 16h quando chegamos ao ponto onde estaria a caverna. Seu Nonato teve um pouco de dificuldade de encontrar o local exato da entrada e assim que encontrou nos informou que não poderia entrar conosco devido o adiantar da hora.  Perguntei qual que era o nome da caverna e ele respondeu que não tinha nome, era só "Toca". Normalmente, quando isso ocorre, costuma-se batizar a caverna com o nome da fazenda onde está entrada. Mas, pela simpatia, pelos causos e hospitalidade de seu Nonato, resolvemos que seria justo cadastrar a cavidade com o seu nome.

A caverna tem uma entrada pequena seguida por um conduto estreito com forte cheiro de guano e de animais em decomposição. Passando esse conduto abre um pequeno salão terminando em um teto baixo logo a frente. Será que já acaba aqui? Mas tá diferente do que nos mostraram nos vídeos. "Deve ter alguma outra passagem que passou desapercebido". 

Não demorou para encontrarmos uma passagem lateral mas, que para nossa infelicidade  terminava em um salão obstruído por blocos; Não é possível que viemos de tão longe pra ver tão pouco!



O salão obstruído e a cara de decepção da equipe. Foto: Erickson Batista.


Já estávamos de saída da caverna, mas naquele ritmo sem pressa e sem preocupações! Uma parada para beber uma água e fazer um lanche. Aquele bom bate papo, despreocupado e antes que a maioria terminasse seu lanche eu indaguei: “ Desde quando deixamos um teto baixo para trás? 

- " Vamos rastejar aqui. Obtive a seguinte resposta de Thiago:

- “Vai na frente. Se prosseguir, a gente te segue”. 

- Ok!

Rastejei e percebi que continuava. Avisei a turma! Aquela altura ainda não conseguia saber se prosseguia um pouco mais ou se iríamos nos deparar novamente com um salão obstruído, mas, pelo menos era teto alto; Usando aquela estratégia psicológica de dividir as preocupações por etapas, insisti para que todos fizessem o rastejo e em seguida, pedi para que Erickson fizesse um registro para nossos arquivos, então depois iriamos conferir o final do conduto.  

O conduto pós rastejo.

A medida que progredíamos a caverna nos surpreendeu com condutos e salões completamente diferentes do que tínhamos antes do rastejo, dentre as mudanças destaca-se a drástica mudança progressiva da umidade, culminando em condutos com água e lama. 


Um dos sinais da mudança de umidade foi esse raro registro de uma Gminophiona em caverna. Esse é um anfíbio conhecido como "cobra-cega" e encontrado apenas em ambientes úmidos.



 Nesse ponto a caverna alterna curiosos condutos de meia altura com morfologia retangular e  grandes salões de teto alto.  SIMPLESMENTE NÃO TEM LIMITE A IMAGINAÇÃO DA ÁGUA QUE ESCULPE CAVERNA!



Um dos belos salões encontrados. O desafio aqui é encontrar onde estão todos os 4 integrantes da expedição. Alguns estão bem camuflados. 

 

Encontramos duas ramificações laterais antes de chegar ao final da caverna. Exploramos uma das ramificações para perceber que ela dá uma volta e se conecta ao conduto principal de onde partimos.   A exploração dessa ramificação rendeu um causo. 

Enquanto estávamos no salão principal, pousando para fotos, foi o Alexandre quem primeiro entrou na ramificação avisando que iria ver até onde ela prosseguia. Depois de uns 10min, resolvemos seguir os passos de Alexandre pela ramificação lateral. E aqui era literalmente seguir os passos. Uma vez que, nesse local o piso estava forrado com uma lama viscosa e a nossa bota inevitavelmente afundava. Avançamos seguindo os rastros deixado por Alexandre até que os rastros desapareceram do nada!!!!

O conduto fechava a nossa frente, não tinha lugar algum para Alexandre está escondido tentando nos pregar alguma peça ou algo do tipo e ficamos sem ter explicação para o seu desaparecimento.

Após alguns minutos gritando o  nome de Alexandre sem nenhum retorno, finalmente ouvimos um barulho vindo de longe.


A explicação: Próximo ao local onde o conduto fecha tem um nível superior que não tínhamos enxergado, aqui o sedimento é mais fino e seco, Alexandre subiu sem deixar marcas, esse novo local desemboca em grandes salões e depois volta para os condutos com lama de onde partimos. 

Saímos da caverna por volta de 20h e ficamos com uma boa sensação de dever cumprido. No dia seguinte voltando para casa, ainda tivemos a oportunidade de contemplar o sítio da Cachoeira do Ferro Doido, um conhecido ponto turístico da cidade de Morro do Chapéu.

 

Da Esquerda para direita:Erickson Batista; André Vieira; Thiago Mattos e Alexandre Santos.


Chegando em casa, mostrando as fotos e contando os relatos para Ney, e a seu contato no Morro do Chapéu descobrimos que exploramos a caverna “errada” ou os condutos errados da caverna certa? Segundo eles (e os registros fotográficos confirmam) não fomos nos locais onde eles foram.  Questão que só poderá ser respondida no nosso retorno a Cafarnaum e revisitar a  misteriosa Toca do Nonato.

PARA QUE SERVE UMA CAVERNADA? SIMPLESMENTE PARA VOLTAR AO PONTO DE PARTIDA!

 


domingo, 29 de agosto de 2021

"A casa do capeta" - Crônica de Peter Tofte



"Passarinho que anda com morcego acaba dormindo de cabeça para baixo".

Dito popular.

A gruta da Boa Vista em Campo Formoso/BA é a maior gruta horizontal do hemisfério Sul com cerca de 120 km mapeados. A Bahia já tem o maior litoral, algumas das mais belas praias, a Chapada Diamantina e as mais altas montanhas do Nordeste. As vezes acho que devíamos cobrar taxa de visitação e visto para quem vem para o estado.

Cris e Fabio, que são espeleólogos amadores, se inscreveram numa lista de interessados, lançada pelo SEA – Sociedade Espeleológica Azimute, de Senhor do Bonfim/BA, para fazer parte de uma expedição na gruta. Por sua vez eles me inscreveram também após autorização do grupo.

Chegamos ao pequeno vilarejo de Pacuí as 21 horas de sexta feira onde encontramos a maioria do grupo hospedado na Pousada de Dona Derli. É área de caatinga, mas fazia 19°C.

Jorgean, um dos guias da região, disse que o nome Pacuí vem da matança de um porco. O cara faz PÁ e o porco CUÍÍÍÍÍ. Mas o que tinha mais era cabrito andando pelas ruas do povoado. Mais cabrito que gente.

Dia seguinte partimos depois de um café da manhã reforçado. A gruta fica apenas a 9 km de Pacuí. Após estacionarmos os carros André (fundador do SEA) fez um rápido briefing e nos equipamos.

Logo na entrada um desafio. Um ninho de abelhas no teto da caverna. Teríamos que passar em silêncio até chegar a parte escura. Pessoas já foram picadas anteriormente. Thiago Mattos foi na frente e o restante o seguiu espaçadamente. Esta é a entrada clássica da gruta, a entrada horizontal.

A entrada vista de dentro.




Ingressamos por um portão gradeado as 9:20 da manhã. O início da caverna é amplo e alto. Uma das galerias iniciais se chama conduto Afonso Pena, homenagem de um grupo mineiro a uma avenida de BH, grupo que iniciou a exploração sistemática da caverna.


Mas quanto pó neste trecho! Pó fino que nem talco na altura dos tornozelos. Cada pisada levantava uma nuvem de poeira.

A caverna é totalmente seca por isso cada um levava 6 litros de água na mochila. A estimativa era passar de 15 a 20 horas dentro dela.

Descendo. Embora a caverna fosse basicamente horizontal haviam altos e baixos.


O pior era a temperatura: 31 a 32° C com umidade superior a 90%, ambos medidos enquanto progredíamos.

Uma guanamite, estalagmite feito pelo guano de morcegos. André mostrou que eram morcegos frugívoros pois tinham restos de frutas e sementes nas fezes.



Com cerca de meia hora chegamos num ponto onde derivamos em relação a rota tradicional. Para evitar fazer um rapel de 12 metros pegamos um desvio com teto baixíssimo o que nos obrigava a rastejar rebocando a mochila (não dava para usar nas costas). Perfeito para quem é claustrofóbico.

Chegamos pouco depois no salão dos Discos Voadores onde bonitas colunas (união de estalagmites com estalactites) tinham um disco preso a meia altura, marca do nível da água há milhares de anos atrás. Um dos salões mais belos e especiais da gruta.

Salão dos Discos Voadores.



Após mais uma camnhada chegamos ao Shopping Center, área cheia de condutos laterais. Já estávamos cansados, o calor cobrando seu preço.

Numa galeria encontramos a múmia da coruja suindara. A primeira vez que André a viu foi em 2009 e ele disse que alguém já havia reportado a presença dela anteriormente. Penugem intacta. O calor e a ausência de micróbios e bactérias mumificaram o corpo da ave.

Coruja suindara mumificada.



Mais adiante, com hora e meia desde a entrada da caverna as claraboias (abismos do Sapo e do Bode) por onde a coruja entrou. As árvores na superfície estavam explorando o local através de raízes verticais que pendiam do teto até o chão da caverna. Luz, folhagens e alguns galhos entravam pelas estreitas claraboias e forravam o chão.

Junto a uma das raízes que entrava pela claraboia até o chão da caverna.



Paramos para relaxar e comer pois estava um pouco mais fresco.

Alguns fósseis e ossadas de animais encontrados na caverna são explicados por estas aberturas. Os animais caíram através daqueles buracos. Os nomes abismo do Sapo e do Bode tem origem na carcaça destes animais ali encontrados.

Seguimos com muito sobe e desce. No salão Quadrado descansamos e fizemos um lanche. Deixamos uma água mineral de 1,5 litros neste ponto e tiramos fotos do grupo com ajuda de iluminadores ao fundo. Este salão é o resultado de um desabamento de teto da galeria.

Foto do grupo no salão quadrado.


Ao sair dele, tivemos de descer uma fenda estreita.

Após cerca de meia hora chegamos na Fechadura, local onde os grupos espeleológicos também costumam deixar água em garrafas PET. O calor e a logística da água é o principal problema desta gruta.

As paradas de descanso estavam cada vez mais frequentes e longas.

Esta sala tem o nome Fechadura porque para continuar devemos passar escorregando através de uma estreita abertura num declive de 45º. As mochilas passam depois.

Passando pela fechadura.



Para alegrar a galera em seguida vinha o Caminho Baiano. Terrível, muito teto baixo forçando a andar de cócoras ou de quatro ou rastejando, quem não tinha joelheiras sofria.

Rastejo. Teto muito baixo. Como adorávamos!



Chegar ao Salão da Laje foi um alívio. Ninguém mais se sentava. Todo mundo logo se estirava no chão, barriga para cima. Ali alguns disseram que estavam exaustos, não dava mais para prosseguir. André, o líder, sugeriu parar mais adiante no salão Drago, onde tinha uma areia fofa para se deitar. Lá teríamos um descanso maior de 50 minutos.


Parando para amarrar o cadarço. Cris aproveitou para tirar uma foto e colocou a legenda "refletindo no banco mais antigo da Bahia". Reflexão abissal esta.



Prosseguimos e após cerca de meia hora chegamos no Drago. A areia fina estava convidativa e todos se deitaram. Alguns pegaram no sono instantaneamente. Todos com roupa molhada de suor. Ao deitar na areia virávamos um bife à milanesa.

Eu e mais dois sofredores avisamos que esperaríamos ali. Estávamos exaustos e pensávamos já no esforço que seria feito para voltar. Meu sentimento era que se continuasse não teria energia suficiente para regressar a boca da caverna.

Já fazia algum tempo que sentia alguns sintomas do que os americanos chamam de heat illness (mal do calor) quando o corpo não consegue dissipar o calor produzido pelo esforço físico e a temperatura corporal aumenta. No meu caso o principal sintoma é o aumento do batimento cardíaco que não diminui com o descanso (já senti isto uma vez subindo uma serra íngreme da Chapada Diamantina debaixo do sol do meio dia).

Com o aumento da temperatura corporal o organismo dilata os vasos superficiais, aumenta a frequência cardíaca e o fluxo de sangue é desviado para estes vasos perto da pele para acelerar a perda de calor. Mas quando estamos exercitando e o ambiente está muito quente o processo não funciona bem. Pode levar a vertigem, visão de túnel e fraqueza (e como me sentia fraco). E, por fim, o desmaio.

Algumas pessoas já tiveram alucinações nesta caverna, provavelmente pelo calor excessivo. Parecia que visitávamos a casa do capeta!

Assim fiquei com mais duas pessoas no salão Drago. Combinamos que entre 20:30 e 21:30 os demais estariam de volta. Iriam para o salão dos Mortos Vivos, nome dado porque os espeleólogos chegam lá mais mortos do que vivos.

Tirei o macacão laranja encharcado de suor e vesti uma calça leve de trekking. Enfiei o macacão na mochila. Comi alguma coisa e me deitei sem camisa para melhorar a dissipação de calor. Desligamos as headlamps mergulhando na escuridão e tentamos dormir. Mas por 3 horas não consegui adormecer. Os meus dois companheiros penso que dormiram um pouco.






O pessoal regressou exatamente as 20:30. Estavam exaustos.


Retorno


Retomamos o caminho. Me sentia bem melhor.


Longa volta. A caverna é tão labiríntica que por vezes os espeleólogos experientes que estavam na frente perdiam o caminho e tínhamos que dar meia volta até redescobrir o correto. Imprescindível um mapa da caverna com os pontos de marcação plotados. Quando encontrávamos um ponto (uma fita com um código escrito) se verificava no mapa onde estávamos. Foram necessárias ao menos 21 expedições de grande porte desde 1987 para mapear estes 120 km de labirintos.


Fábio estava ajudando muito neste processo de localização para achar a rota de saída sempre que havia dúvida.


Na foto abaixo quem está na dianteira está consultando uma prancheta com o mapa. Se perder numa caverna é muito pior do que na superfície.



Cada salão reconhecido era uma alegria, um pouco mais perto da saída. Paramos para uma dormida de uma hora na Fechadura. O duro era despertar, levantar e depois recomeçar.

Num trecho de exposição inspirei poeira e comecei a tossir. Senti um engulho e vomitei água (estava procurando beber bastante para não desidratar). Parte do vomito bloqueou a via aérea e veio a sensação de sufocamento. Após três inspirações desesperadas recuperei o fôlego. Cris, que estava logo atrás, me afastou da beira do precipício. Meu anjo da guarda. Segui e me sentei. Ainda vomitei duas vezes água. A náusea é também um sintoma de heat illness.

Já estávamos no salão do Livro, onde há um livro para assinatura dos visitantes. Estava tão cabisbaixo, abatido e envergonhado que pedi para Fábio preencher meu nome no livro.

No abismo do Sapo sentimos um pouco do frescor. O ar a 31ºC devia subir para a superfície e entrava o ar a 19º C. Senti até um friozinho na camisa molhada de suor. Comi algo e bebi água.

As bonitas formações fotografadas por Cris ao longo da gruta.







Estávamos a uma hora da saída. Cada passo adiante era uma conquista.

Pouco antes da saída, no último rastejo o grupo se dividiu em dois. Eu e Paulo bombeiro acabamos pegando uma derivação a esquerda e descemos uma ladeira bem íngrime e escorregadia. Os companheiros notaram o erro e fomos forçados a subir aquela encosta quase sem agarras. Mas uma mão providencial nos ajudou a chegar no topo e retomamos para o caminho correto.

Mais 40 minutos percorrendo o empoeirado conduto Afonso Pena e chegamos no portão. Ar fresco! Que alegria! Que diferença aquele friozinho em relação ao interior da caverna! Deixamos a caverna as 03:40 da madrugada de domingo, quase 18 horas e meia contínuas debaixo da terra.

Nunca saí tão exausto, imundo e esfomeado de uma aventura. Percorremos pelo menos 18 km por um trajeto acidentado e difícil.

Chegamos cansadíssimos na Pousada de D. Derli.

Tomei um banho frio caprichado, com duas ensaboadas e enxaguadas. Mas ao me enxugar fiquei espantado com a sujeira que ainda ficou na toalha. O pó e a terra entranharam nos poros dilatados!

Vestindo roupa limpa fui comer. Dona Derli tinha preparado um cabrito assado, ovo frito, feijão, arroz, abóbora e feijão de corda. Devoramos! A claridade começou a despontar no horizonte. Estava amanhecendo. Na ocasião D. Derli, que é crente, disse que jamais entraria na gruta porque ali era a casa do demo. No meu pensamento eu concordei. Com aquele calor realmente é a casa do capeta! Mas casa bonita que valeu muito a pena visitar apesar do desgaste. Diferente de tudo que conhecemos apenas pisando acima da terra.

As excelentes fotos deste relato são todos da talentosa Cris Macedo, tiradas a partir de um smartphone.

Membros da expedição: Andre Vieira de Araújo, Cristina Alves de Macedo, Fabio Dal Gallo, Danilo Araújo, Eugênia (até hoje não conta aos pais aonde vai kkkk), Jessica Carolyne, Jorgean Silva, Juliano Racha Pindobaçu, Laio Araújo, Leonardo Bamberg, Matthaus Dartagnan e Thiago Mattos.

Recomendações


A gruta é bela mas NÃO é turística. Só vá com um grupo de espeleologia experiente ou com guia que conhece muito bem a caverna. E se prepare para uma das experiências mais especiais (e exaustivas) de sua vida. É Aventura com A maiúsculo.

Acesso livre. Não se cobra para entrar na gruta.

Foi a minha primeira gruta não turística. E comecei pela maior e uma das mais difíceis sem o devido preparo devido a pandemia. Ela exige um bom condicionamento físico.

Procure se aclimatar com 10 dias de antecedência a uma temperatura de 32º C. Ajuda no processo (recomendação do Manual da NOLS, Wilderness First Aid).

Não leve máquina fotográfica. A poeira é tão fina que vai entrar na câmera exigindo depois uma limpeza interna trabalhosa e cara. Leve um smartphone bem protegido.

Se pretende passar de 15 a 20 horas na gruta, carregue no mínimo 6 litros de água.

Use uma mochila específica de espeleologia. As de trekking e montanhismo não aguentam o tranco. A que usei, excelente, eu tomei emprestada de Fábio e Cris (fabricação própria deles).

Calce uma bota velha, na qual ainda confia. Se usar uma nova ela vai envelhecer 5 anos numa só expedição.

Embora macacão seja necessário numa caverna deste tipo (devido ao rastejo) tente vestir um mais leve por causa da temperatura. Na volta acabei retirando-o devido ao calor. Joelheiras também são necessárias se quiser poupar seus joelhos.

Capacete, imprescindível. Muito teto baixo e irregular esperando você para dar uma boa cacetada na sua cabeça. De preferência aqueles capacetes de montanhismo.

Guia da gruta: o Thiago Mattos (muito bom e grande conhecedor da caverna) e Jorgean (também conhece muito a gruta e é o guia mais ativo da região).

Página do SEA:

http://seazimute,blogspot,com/?m=1 (com bons relatos de explorações de cavernas)

Pousada Pacui, da Derli. Não se esqueça de encomendar um cabrito assado.

Agradecimentos.

Ao André Vieira Araújo, fundador do SEA pelo trabalho maravilhoso de muitos anos explorando as grutas do interior da Bahia.

Aqui ele no briefing antes de entrar na caverna, dando as ultimas orientações.

A todos os companheiros da empreitada, veteranos de espeleologia, atenciosos e solidários com os inexperientes. Pessoal muito gente boa do sertão da Bahia e de Pernambuco.

Aos amigos Cris e Fábio por terem me chamado para esta expedição e por todo o apoio. Sempre gentis e cuidadosos. Os melhores companheiros que alguém poderia desejar para uma aventura.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O BRILHANTE RETORNO DAS AVENTURAS SUBTERRÂNEAS- Uma crônica de Leonardo Bamberg

 Após vários meses sem expedições em virtude da pandemia do coronavirus, finalmente organizamos nossa expedição de retorno. Com o decréscimo no número de casos Covid19 e a abertura dos espaços públicos, pudemos traçar a rota que nos guiaria à próxima aventura. O destino era o povoado do Mulungú, situado no interior de Campo Formoso - BA, onde haviam duas cavidades inexploradas. Após algumas reuniões virtuais, montamos o roteiro a ser trilhado.

- Saindo de Petrolina: André, Bamberg, Eugênia, Brenda e Jéssica

- Saindo de Salvador: O casal Fabio Galo e Cristina

- Saindo de Caem: Emerson Cajado, embarcando Juliano (Juliboy) em Pindobaçu

- Saindo de CF: Josan (J) e sua esposa Adriana, acompanhados de Jorgean (Demolidor)  

O ponto de encontro de todos os grupos seria no povoado de Lage dos Negros, localidade já referência à desbravadores dos segredos subterrâneos escondidos nessa região emblemática, perdida no grandioso e amado sertão baiano.

Partimos de Petrolina por volta das 08h da manhã em busca de nossa aventura, tendo André na direção do SEA móvel e o rockroll fazendo a trilha sonora. Como estávamos adiantados em relação aos demais, André optou por garantir pelo menos uma cavernada e nos levou para conhecer a Gruta do Cesário, bastante acessível no nosso trajeto. A caverna, apresenta um longo conduto sinuoso e de diâmetro variável, sem salões ou claraboias até onde conhecemos e presença de água em seu interior. Fizemos algumas fotografias e retornamos já combinando que esta caverna seria destino de uma futura expedição, objetivando realizar sua topografia e conhecer a sua total extensão.

Seguimos para o povoado de Lage dos Negros, onde chegamos perto do meio dia. Depois de almoçar, encontramos o restante do grupo. Um alívio poder rever os irmãos de espeleo. Tendo garantido a janta e embriaguez da noite num mercadinho local, voltamos a estrada. Pausando em cada lugarejo para Josan cumprimentar velhos conhecidos e possíveis eleitores. Nossa última parada foi no povoado do Mulungú, onde encontramos com Manelão e seu genro Ítalo (quem falou com Jorgean sobre a existência da gruta). Já orientados sobre a “proximidade” da fazenda do Popó e “boa estrada” que encontraríamos, embarcamos ítalo e partimos para nosso destino final. Realizamos o percurso de quase uma hora num tapete encrustado de pedregulhos. O SEA móvel sofre👀

Encontro no Mulungu- Da esquerda para direita: Fábio, Cristina, Jéssica, Fael, Juliano, Brenda, André, Manelão, Jorgean, Bamberg, Eugênia, Ítalo, Cajado, Josan e Adriana.


Chegamos ao nosso destino quase no por-do-sol, cansados da viagem, mas encantados pela beleza local. Encontramos uma paisagem de paraíso perdido no meio do sertão, havendo um rio margeando a propriedade, com duas cachoeiras a poucos metros, nas quais tivemos nosso banho reparador. Banho este em aguas de temperatura quase morna. Uma boa massagem era realizada pela caída d’agua sobre as costas. A sensação de paz e harmonia pairava sobre o lugar. Tendo a bateria corporal 100% carregada, montamos nossas barracas, acendemos a fogueira e preparamos a comida. Passamos a noite bebendo (destacando a boa cerveja produzida por Fabio galo, além da já conhecida cachaça Jamaica), conversando, rindo e nos conectando. Fizemos valer o real sentido de toda e qualquer expedição. A felicidade simples e verdadeira, sentida nesses raros momentos. Sobre nossas cabeças, um imenso céu estrelado. Mesmo cansados, tardamos. O tempo foi caminhando sem se ver. Jorgean esbanjando seu novo porte fitness, pesando cada grama de comida que colocava no prato. Juliano ia contando suas boas e velhas resenhas. Presenciamos Cajado constrangido após o relato de sua cena bizarra adubando o mato (pego em flagrante por Juliboy). Enquanto isso, o pobre cachorro que rodeava o local foi injustamente acusado de soltar gases praticados por terceiros. A SEA é repleta de ogros. Conhecemos melhor nosso italiano-brasileiro cervejeiro (Fábio Galo) e sua ilustríssima companheira (Cristina). Ouvimos os velhos causos de Josan. E assim, já no ultimo gole, da última dose, vendo a última chama da fogueira se apagar, fomos dormir, pois todo carnaval tem seu fim.




Registro do Acampamento.


Clareou! Um sol radiante e motivador apontou no céu. Fez Jéssica ir tomar banho de cachoeira 05 horas da manhã. Estiramos as pernas e alongamos o corpo. A hora de cavernar chegou. Bem verdade que eram poucas as esperanças de encontrar boas cavernas naquela propriedade. O terreno local era composto por rochas de arenito, pouco propícias ao desenvolvimento de grutas com amplas dimensões e ornamentações, sobretudo quando comparadas as cavernas em calcário. Mas, seguimos em frente sobre o mantra “a melhor caverna é a próxima”.

 

Ainda na propriedade, caminhamos alguns metros e encontramos a primeira cavidade. Sua abertura permitia a passagem folgada de uma pessoa, porém, a profundidade, cerca de 4 metros, exigia técnica vertical. Como não tínhamos cordas para rapel no momento, fomos verificar a segunda cavidade logo ao lado. Esta explorada por mim e Jorgean, tinha uma abertura estreita e não apresentava desenvolvimento após a passagem quase completa de um corpo (nada mais que um grande buraco no solo). Voltamos a apostar na primeira cavidade, sendo obrigados a pensar em uma estratégia de descida. Tendo descartado a possibilidade de descer usando as paredes da caverna por falta de apoio nas pegadas, a única alternativa era improvisar o rapel usando uma corda calibrosa encontrada na propriedade (usada para laçar boi). Avaliamos a corda, os pontos de ancoragem e o melhor jeito de descida. Coloquei a cadeirinha de espeleo e fiz a descida, com o olhar tenso dos que me assistiam. Rapidamente toquei o solo, tendo a sensação de alívio e segurança. Agora visualizava melhor o pequeno salão inicial da caverna. A impressão dos 4 metros vistos de cima é diferente sendo visto por baixo. A altura entre o piso e a abertura acima parecia mais curta. Soltei da corda e parti para a exploração, identificando o desenvolvimento da caverna em uma direção. Caminhei alguns metros e percebi que a caverna era maior que o esperado, tendo água em seu interior e mais desenvolvimento (a grande surpresa). Voltei e avisei o pessoal, descendo logo em seguida André, Jéssica, Fael, Brenda e ítalo.  


O  medo e a recompensa de ser o primeiro a chegar onde ninguém ainda chegou!

A caverna, presente a pouquíssimos metros do rio que corta a propriedade, era constituída de arenito, iniciando com um salão pequeno. O desenvolvimento seguia em uma única direção, com o aparecimento de um segundo salão, com o teto um pouco maior que o primeiro (cerca de 4 metros), com desenvolvimento na esquerda inferior, direita superior e direita inferior (estas ultimas se comunicavam). A esquerda inferior prosseguia poucos metros até chegar em um rastejo com possibilidade de desenvolvimento (não explorado). A direita superior seguia frontalmente até chegar em um rastejo não explorado. Seguimos a direita inferior, chegando uma pequena poça de agua escura e um rastejo cujo seguimento alcançava um espaço de teto baixo. As paredes apresentavam sinais de alagamento recorrente e estalactites formadas de arenito, em gotejamento insidioso. Além disso, havia nesse local agua brotando entre as rochas, formando uma pequena corredeira que adentrava outro rastejo a frente, com possível desenvolvimento vislumbrado. Haviam ainda na caverna morcegos, grilos e aranhas caranguejeiras. Em resumo, a impressão que tive era uma caverna com vetor de desenvolvimento orientado para baixo, com poucas ramificações, e grande dinâmica em relação a matéria orgânica e circulação de água. Retornamos a superfície auxiliado pela corda e alguns apoios nas paredes, sem acidentes durante a cavernada. 



Registro de rarissímo espeleotema em rocha siliciclástica, encontrado na Toca do Popó!

Antes da saída presenciamos um raio de luz que chegava a partir da fenda e que emoldurava o primeiro salão da caverna.

Detalhe do estreito salão onde observamos a água sumir na rocha!

Finalizamos a cavernada, mas a expedição continuava. Fomos convidados a percorrer uma trilha no meio da caatinga até chegar em duas belas cachoeiras. Nas proximidades, haviam ressurgências d’água e pegadas de um pequeno felino. De volta ao camping, fizemos um almoço simples e eficiente e o descanso final para o retorno. 

Depois de todo esse enredo: camping, cerveja, conversa, risadas, caverna, trilhas e cachoeiras, podemos enfim chegar em nossas casas com paz e saúde. Ficou a sensação de uma expedição completa em todos os sentidos. Tivemos a oportunidade de sanar nossa abstinência por aventura, pelo meno s nos próximos dias. E não somente isso. A expedição mostrou como é importante estar em comunidade, conectados por algo além do wi-fi; que devemos trocar informações e conhecer novas pessoas; que aprender algo novo deve ser algo constante; o valor inestimável de uma cerveja gelada, uma boa conversa e rir em conjunto; a beleza de um céu estrelado; como é preciso lutar pela conservação do meio ambiente; como é bom não perceber o tempo passar. Por fim, desejo que a chama espeleológica da SEA continue a brilhar nos nossos corações aventureiros e que a próxima expedição não demore a chegar.  

Obs: importante destacar a marcante presença feminina nesta expedição, representada por Jéssica, Eugênia, Brenda, Cris e Adriana (que sejam constantes e que tenham paciência com os ogros).





Foto oficial da expedição 09/2020.