Após vários meses sem expedições
em virtude da pandemia do coronavirus, finalmente organizamos nossa expedição
de retorno. Com o decréscimo no número de casos Covid19 e a abertura dos
espaços públicos, pudemos traçar a rota que nos guiaria à próxima aventura. O
destino era o povoado do Mulungú, situado no interior de Campo Formoso - BA, onde
haviam duas cavidades inexploradas. Após algumas reuniões virtuais, montamos o
roteiro a ser trilhado.
- Saindo de Petrolina: André,
Bamberg, Eugênia, Brenda e Jéssica
- Saindo de Salvador: O casal Fabio
Galo e Cristina
- Saindo de Caem: Emerson Cajado,
embarcando Juliano (Juliboy) em Pindobaçu
- Saindo de CF: Josan (J) e sua
esposa Adriana, acompanhados de Jorgean (Demolidor)
O ponto de encontro de todos os
grupos seria no povoado de Lage dos Negros, localidade já referência à
desbravadores dos segredos subterrâneos escondidos nessa região emblemática,
perdida no grandioso e amado sertão baiano.
Partimos de Petrolina por volta
das 08h da manhã em busca de nossa aventura, tendo André na direção do SEA
móvel e o rockroll fazendo a trilha sonora. Como estávamos adiantados em
relação aos demais, André optou por garantir pelo menos uma cavernada e nos
levou para conhecer a Gruta do Cesário, bastante acessível no nosso trajeto. A
caverna, apresenta um longo
conduto sinuoso e de diâmetro variável, sem salões ou claraboias até onde
conhecemos e presença de água em seu interior. Fizemos algumas fotografias e
retornamos já combinando que esta caverna seria destino de uma futura
expedição, objetivando realizar sua topografia e conhecer a sua total extensão.
Seguimos para o povoado de Lage dos Negros, onde chegamos perto do meio dia. Depois de almoçar, encontramos o restante do grupo. Um alívio poder rever os irmãos de espeleo. Tendo garantido a janta e embriaguez da noite num mercadinho local, voltamos a estrada. Pausando em cada lugarejo para Josan cumprimentar velhos conhecidos e possíveis eleitores. Nossa última parada foi no povoado do Mulungú, onde encontramos com Manelão e seu genro Ítalo (quem falou com Jorgean sobre a existência da gruta). Já orientados sobre a “proximidade” da fazenda do Popó e “boa estrada” que encontraríamos, embarcamos ítalo e partimos para nosso destino final. Realizamos o percurso de quase uma hora num tapete encrustado de pedregulhos. O SEA móvel sofre👀
Encontro no Mulungu- Da esquerda para direita: Fábio, Cristina, Jéssica, Fael, Juliano, Brenda, André, Manelão, Jorgean, Bamberg, Eugênia, Ítalo, Cajado, Josan e Adriana.
Chegamos ao nosso
destino quase no por-do-sol, cansados da viagem, mas encantados pela beleza
local. Encontramos uma paisagem de paraíso perdido no meio do sertão, havendo
um rio margeando a propriedade, com duas cachoeiras a poucos metros, nas quais
tivemos nosso banho reparador. Banho este em aguas de temperatura quase morna. Uma
boa massagem era realizada pela caída d’agua sobre as costas. A sensação de paz
e harmonia pairava sobre o lugar. Tendo a bateria corporal 100% carregada, montamos
nossas barracas, acendemos a fogueira e preparamos a comida. Passamos a noite
bebendo (destacando a boa cerveja produzida por Fabio galo, além da já conhecida
cachaça Jamaica), conversando, rindo e nos conectando. Fizemos valer o real
sentido de toda e qualquer expedição. A felicidade simples e verdadeira, sentida
nesses raros momentos. Sobre nossas cabeças, um imenso céu estrelado. Mesmo
cansados, tardamos. O tempo foi caminhando sem se ver. Jorgean esbanjando seu
novo porte fitness, pesando cada grama de comida que colocava no prato. Juliano
ia contando suas boas e velhas resenhas. Presenciamos Cajado constrangido após
o relato de sua cena bizarra adubando o mato (pego em flagrante por Juliboy).
Enquanto isso, o pobre cachorro que rodeava o local foi injustamente acusado de
soltar gases praticados por terceiros. A SEA é repleta de ogros. Conhecemos
melhor nosso italiano-brasileiro cervejeiro (Fábio Galo) e sua ilustríssima
companheira (Cristina). Ouvimos os velhos causos de Josan. E assim, já no
ultimo gole, da última dose, vendo a última chama da fogueira se apagar, fomos
dormir, pois todo carnaval tem seu fim.
Registro do Acampamento.
Clareou! Um sol radiante e
motivador apontou no céu. Fez Jéssica ir tomar banho de cachoeira 05 horas da
manhã. Estiramos as pernas e alongamos o corpo. A hora de cavernar chegou. Bem
verdade que eram poucas as esperanças de encontrar boas cavernas naquela propriedade.
O terreno local era composto por rochas de arenito, pouco propícias ao
desenvolvimento de grutas com amplas dimensões e ornamentações, sobretudo
quando comparadas as cavernas em calcário. Mas, seguimos em frente sobre o
mantra “a melhor caverna é a próxima”.
Ainda na propriedade,
caminhamos alguns metros e encontramos a primeira cavidade. Sua abertura
permitia a passagem folgada de uma pessoa, porém, a profundidade, cerca de 4
metros, exigia técnica vertical. Como não tínhamos cordas para rapel no
momento, fomos verificar a segunda cavidade logo ao lado. Esta explorada por
mim e Jorgean, tinha uma abertura estreita e não apresentava desenvolvimento
após a passagem quase completa de um corpo (nada mais que um grande buraco no
solo). Voltamos a apostar na primeira cavidade, sendo obrigados a pensar em uma
estratégia de descida. Tendo descartado a possibilidade de descer usando as
paredes da caverna por falta de apoio nas pegadas, a única alternativa era
improvisar o rapel usando uma corda calibrosa encontrada na propriedade (usada
para laçar boi). Avaliamos a corda, os pontos de ancoragem e o melhor jeito de
descida. Coloquei a cadeirinha de espeleo e fiz a descida, com o olhar tenso
dos que me assistiam. Rapidamente toquei o solo, tendo a sensação de alívio e
segurança. Agora visualizava melhor o pequeno salão inicial da caverna. A
impressão dos 4 metros vistos de cima é diferente sendo visto por baixo. A altura
entre o piso e a abertura acima parecia mais curta. Soltei da corda e parti
para a exploração, identificando o desenvolvimento da caverna em uma direção.
Caminhei alguns metros e percebi que a caverna era maior que o esperado, tendo
água em seu interior e mais desenvolvimento (a grande surpresa). Voltei e
avisei o pessoal, descendo logo em seguida André, Jéssica, Fael, Brenda e
ítalo.
O medo e a recompensa de ser o primeiro a chegar onde ninguém ainda chegou!
A caverna, presente a
pouquíssimos metros do rio que corta a propriedade, era constituída de arenito,
iniciando com um salão pequeno. O desenvolvimento seguia em uma única direção,
com o aparecimento de um segundo salão, com o teto um pouco maior que o
primeiro (cerca de 4 metros), com desenvolvimento na esquerda inferior, direita
superior e direita inferior (estas ultimas se comunicavam). A esquerda inferior
prosseguia poucos metros até chegar em um rastejo com possibilidade de desenvolvimento
(não explorado). A direita superior seguia frontalmente até chegar em um
rastejo não explorado. Seguimos a direita inferior, chegando uma pequena poça de
agua escura e um rastejo cujo seguimento alcançava um espaço de teto baixo. As
paredes apresentavam sinais de alagamento recorrente e estalactites formadas de
arenito, em gotejamento insidioso. Além disso, havia nesse local agua brotando
entre as rochas, formando uma pequena corredeira que adentrava outro rastejo a
frente, com possível desenvolvimento vislumbrado. Haviam ainda na caverna
morcegos, grilos e aranhas caranguejeiras. Em resumo, a impressão que tive era
uma caverna com vetor de desenvolvimento orientado para baixo, com poucas
ramificações, e grande dinâmica em relação a matéria orgânica e circulação de
água. Retornamos a superfície auxiliado pela corda e alguns apoios nas paredes,
sem acidentes durante a cavernada.
Registro de rarissímo espeleotema em rocha siliciclástica, encontrado na Toca do Popó!
Antes da saída presenciamos um raio de luz que chegava a partir da fenda e que emoldurava o primeiro salão da caverna.
Detalhe do estreito salão onde observamos a água sumir na rocha!
Finalizamos a cavernada, mas a
expedição continuava. Fomos convidados a percorrer uma trilha no meio da
caatinga até chegar em duas belas cachoeiras. Nas proximidades, haviam
ressurgências d’água e pegadas de um pequeno felino. De volta ao camping,
fizemos um almoço simples e eficiente e o descanso final para o retorno.
Depois de todo esse enredo:
camping, cerveja, conversa, risadas, caverna, trilhas e cachoeiras, podemos
enfim chegar em nossas casas com paz e saúde. Ficou a sensação de uma expedição
completa em todos os sentidos. Tivemos a oportunidade de sanar nossa abstinência
por aventura, pelo meno s nos próximos dias. E não
somente isso. A expedição mostrou como é importante estar em comunidade,
conectados por algo além do wi-fi; que devemos trocar informações e conhecer
novas pessoas; que aprender algo novo deve ser algo constante; o valor
inestimável de uma cerveja gelada, uma boa conversa e rir em conjunto; a beleza
de um céu estrelado; como é preciso lutar pela conservação do meio ambiente; como
é bom não perceber o tempo passar. Por fim, desejo que a chama espeleológica da
SEA continue a brilhar nos nossos corações aventureiros e que a próxima
expedição não demore a chegar.
Obs: importante destacar a
marcante presença feminina nesta expedição, representada por Jéssica, Eugênia,
Brenda, Cris e Adriana (que sejam constantes e que tenham paciência com os
ogros).
Foto oficial da expedição 09/2020.