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quarta-feira, 21 de junho de 2017

As Preguiças Gigantes da Marota.





Era final de ano de 2016 quando Ney enviou algumas fotos de uma ossada que ele tinha visto na Gruta da Marota, situada em Andaraí – BA. Lembro que eu falei displicentemente que qualquer hora marcaríamos uma expedição pra ir lá averiguar.

Passado menos de um mês (janeiro de 2017), Mário comenta comigo que gostaria de fazer uma expedição ao Poço Azul em Nova Redenção - BA, a fim de sondar se haveria possibilidade dele trabalhar com alguns novos fósseis que, segundo os moradores da região, haviam sido descobertos em locais onde seria possível o resgate sem o mergulho. Eu respondi que gostaria de fazer parte da expedição e mostrei as fotos que Ney me enviara um mês antes, sugerindo a Mário que incluísse a Marota no roteiro, já que Andaraí está relativamente próximo ao Poço Azul.

Lembro que Mário não estava muito empolgado com a Marota, os olhos dele ainda brilhavam pensando no que poderia rolar lá no Poço Azul. Ainda assim, topou acampar com a gente lá na fazenda Marota. A história do acampamento está bem registrada na crônica do Erickson (crônica: Ericksson Batista). Vou aqui me dedicar a contar a história das preguiças.


Concepção artística de Preguiças Terrícolas feitas pelo Artista plástico, Geólogo e Historiador Rubens Antônio.



O primeiro osso que encontramos foi em um conduto lateral estreito, logo próximo a entrada e o detalhe é que esse osso não estava nas fotos que Ney havia enviado, um osso naquele conduto foi totalmente inesperado. De cara, notamos que se tratava de uma mandíbula e não demorou para Mário diagnosticar espécie e até dizer que era um individuo juvenil, e a partir daquele momento sem nem ver os demais ossos a empolgação tomou conta de todos.





Visão geral do Afloramento em que está inserida a Gruta da Marota. Foto: Arquivo SEA.


Nosso Primeiro contato com os fósseis da Marota. Na foto está da esquerda para a direita: Seu Tetê, guardião da gruta, Mario Dantas, André Vieira e Ney. A foto é de Erickson Batista.



No salão que estavam os fósseis que Ney havia enviado as fotos encontramos dezenas de ossos de um único individuo e entre esses ossos haviam: dentes, vértebras, ossos longos e até mesmo um pequeno osso chamado astrágalo que é indicador da espécie.

Demoraria mais um mês até Mário conseguir o trâmite legal para  a gente voltar na Marota e fazer o resgate do material. Nesse ínterim, algumas polêmicas:

A primeira polêmica é sobre que espécie de preguiça seria aquela encontrada na Marota. Ainda no calor da descoberta, Mário chegou a cogitar, se esse seria outro exemplar da espécie recém descrita para o Poço Azul chamada Ahytherium aureum.


Sem nenhum compromisso acadêmico, apenas naquela gostosa discussão de boteco pós-caverna, a gente discutia a polêmica sugestão de que Ahytherium aureum seria uma preguiça aquática.

De acordo com Cartelle, o paleontólogo que descreveu a preguiça Ahytherium, uma cauda achatada, indica que além de caminhar, a preguiça poderia ser uma boa nadadora.


Esqueleto da Ahytherium aureum encontrado na caverna do Poço Azul, na Bahia. Nas duas bandejas brancas é possível visualizar o crânio (acima) e a mandíbula (abaixo). Foto: Marco Aurélio Veloso




Apesar de polêmica, não é primeira vez que se sugere hábitos aquáticos para uma preguiça extinta.





Paleontólogos descobriram e descreveram uma preguiça encontrada na costa do Peru que foi batizada de Thalassocnus natans, traduzindo do grego: “thalassa” = mar, “socnus” = preguiça e “natans” = nadadora, ou seja, preguiça marinha nadadora.

Uma das evidências que apontam Thalassocnus como mamífero marinho é que seus membros anteriores são bem mais longos que os posteriores, fato incomum entre seus parentes terrestres.





Essa primeira polêmica não foi à frente, por que os exemplares encontrados na Marota como ficamos sabendo depois, não eram de Ahytherium e sim de Nothroterium.

A segunda polêmica envolvia a questão sobre os critérios que devem ser utilizados por um paleontólogo, para o resgate de um material fossilífero de uma caverna.

O que acontece é que muitos grupos de espeleologia são contra a retirada de fósseis, sugerindo que fósseis são elementos inerentes a caverna e chegam ao ponto de esconder as informações para que paleontólogos não saibam que em determinadas cavernas existem fósseis, fazem isso alegando fins preservacionistas. 






Por outro lado, a paleontologia como ciência requer que o seu objeto de estudo seja analisado em situações controladas, e que o material fóssil seja acondicionado em uma coleção em um museu ou Universidade. Isto por que, faz parte do método científico que todo o estudo seja publicado em revistas e que sejam revisados por outros paleontólogos, é assim que a ciência funciona. E não dá pra produzir uma informação científica afirmando algo sobre um osso e dizendo que esse osso se encontra escondido em uma caverna que é de acesso restrito.





Existem casos em que o material fossilífero encontrado em uma caverna tem maior valor didático que cientifico, por exemplo nos casos em que é uma espécie já conhecida e estudada com bastante exemplares em museus e laboratórios de Universidades e que tenha um acesso fácil durante a visitação de uma caverna, nesses casos eu sou a favor da não retirada.


Uso de fóssil para aula prática. Foto: arquivo SEA.

Porém, nos casos em que é importante fazer o resgate de um material fóssil em uma caverna é fundamental que o pesquisador realize um trabalho junto à comunidade que vive no entorno da caverna.

O material coletado na Gruta da Marota, atualmente faz parte da coleção paleontológica do Laboratório de Ecologia e Geociências (LEG) da Universidade Federal da Bahia, campus Anísio Teixeira, Vitória da Conquista, Bahia. Estamos produzindo os primeiros artigos científicos com os fósseis e além da divulgação acadêmica estamos também nos esforçando pra divulgar em outros meios não acadêmicos.

Recentemente publicamos os primeiros resultados dos fósseis da Marota, esses dados foram apresentados no 34 º Congresso Brasileiro de Espeleologia e os dados completos podem ser acessados no PDF a seguir: Fósseis Marota.

Os fósseis encontrados na Gruta da Marota são de duas espécies de preguiças gigantes terrícolas diferentes:

A primeira foi classificada como sendo pertencente à espécie: Catonix cuvieri, baseado no dentário e úmero. No dentário, observamos a presença do primeiro molar inferior com uma forte concavidade entre os lóbulos medial e distal lingualmente, característica considerada diagnóstica para a espécie.


Dentário da Preguiça Catonix encontrada na Gruta da Marota e abaixo um esquema explicando como o formato dos dentes molares são utilizados para diferenciar essa espécie de outras preguiças extintas.


Sugerimos que estes fósseis pertenceram a apenas um indivíduo, devido à presença de apenas um úmero, um fêmur, uma tíbia para cada lado do corpo, e que esse indivíduo era juvenil, por estes ossos estarem sem as epífises, devido à ausência de fusão com a diáfise.

Estimamos o peso deste organismo em aproximadamente 210 Kg. A estimativa do peso é feita usando uma fórmula que calcula a soma dos diâmetros dos ossos do úmero e do fêmur.

Figura ilustrativa mostrando o osso que é utilizado para inferir sobre a idade e o peso do animal.


C, D e E são respectivamente: O úmero, o fêmur e a tíbia de Catonix encontrados na Gruta da Marota. Observa-se que no fêmur (D) está ausente as epífises indicando ser um filhote.


A outra Preguiça foi classificada como Nothrotherium maquinense o que permitiu a atribuição a essa espécie foram os fêmures, por serem amplos e achatados antero-posteriormente, mais alongados e gráceis e as facetas articulares distais (para tíbia e patela) independentes entre si.




G e H são respectivamente o fêmur direito e esquerdo do Nothrotherium encontrado na Gruta da Marota. Observar as epífises fusionadas e bem destacadas característica de um individuo adulto.





Atribuímos todos os ossos encontrados a um único organismo adulto, devido à ausência de ossos duplicados (por exemplo, dois ossos do braço do lado direito), e com peso estimado em aproximadamente 250 Kg.


Percebam que o Notrotherium adulto tem quase o mesmo peso de um filhote de Catonix.

Destacamos também que foi realizado um trabalho de extensão com o pessoal da fazenda onde está situada a Gruta da Marota, onde foi disponibilizado um banner com algumas dessas informações além de réplicas dos ossos coletados.

Dessa forma, entendemos que o resgate do material fossilífero feito  de forma correta, isto é, com a licença dada aos pesquisadores pelos órgãos competentes somado a ética e a responsabilidade que se espera de um paleontólogo, traz mais informações e benefícios para a caverna que a sua exposição bruta in situ, com pouca ou nenhuma informação a respeito do material e ainda correndo o risco de sofrer danos propositais ou não.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

127 segundos no Talhado do Jacó





Abril passou em branco, sem nenhuma expedição oficial, e algumas pessoas já estavam me cobrando uma cavernada. 



Para evitar a síndrome de abstinência cavernícola, planejei para o mês de maio uma expedição simples para prospectar na área do povoado de Tiquara. Acessei o CANIE (cadastro nacional de informações espeleológicas) no site do ICMBIO e notei que tinha duas cavernas chamadas de Toca Baixa do Umbuzeiro I e Baixo do Umbuzeiro II que a gente não conhecia. Rapidamente nos reunimos e partimos em um único carro, sentido Tiquara em Campo Formoso- BA. 



Estávamos sem GPS, e confiando em um print de uma imagem do Google Earth para achar os pontos acessados no CANIE. Era óbvio que precisaríamos da ajuda dos moradores, e depois de várias estradas sem saída, resolvemos enfim, parar no povoado Baixa do Umbuzeiro e perguntar aos moradores se eles conheciam alguma Toca. 


“Toca a gente não conhece, mas logo ali tem o Talhado do Jacó” - Diziam os moradores que encontrávamos no caminho. 

Sendo assim, partimos para conferir o tal Talhado.

Expedição 05/17: Sivonaldo, Marcelo, André, Alexandre e Altemar.





Talhado é o termo utilizado para denominar uma escarpa no relevo cárstico, normalmente um morro testemunho remanescente de um carste, outrora bastante desenvolvido. Podemos ver pela imagem do mapa que o Talhado na Baixa do Umbuzeiro está alinhado com outros talhados já visitados em expedições anteriores.





Print do Google Earth, mostrando quatro pontos que apresentam uma geomorfologia semelhante, com escarpas calcáreas; Cada um desses pontos está distante em linha reta apenas 2 km do outro.


Ao chegar ao Talhado do Jacó nos espalhamos tentando achar alguma entrada ao redor da escarpa. Foi Alexandre quem a encontrou, e em pouco tempo já estávamos todos reunidos na estreita entrada. 



Antes de entrar notamos discretas pinturas rupestres na parede próxima a entrada.


Além das apagadas pinturas, também registramos estruturas nas rochas que podem ser indicativo de transporte por geleiras.



Ao entrar descobrimos que não se trata de uma caverna propriamente dita, e sim uma enorme fenda no talhado que foi preenchida por blocos que ficaram presos na fenda. Foi uma experiência diferente a que vivenciamos nesse dia, apesar de ficarmos pouco tempo explorando, já que da entrada até o final, medimos apenas 15 metros. A sensação de claustrofobia e principalmente o medo que um bloco despencasse e nos prendesse nos remetia a história de Aron Ralston. Essa história ficou retratada no filme 127 horas. O alpinista que ficou preso por um pedregulho que caiu e esmagou seu braço, num cânion do Parque Nacional de Utah nos Estados Unidos.



Abaixo, confira algumas imagens reais tiradas da câmera fotográfica do próprio Aron e compare com as que tiramos no Talhado do Jacó, guardadas as devidas proporções, a semelhança nos fez lembrar da história de Aron. 






Algumas fotos do Cânion onde Aron ficou preso por 127 horas até criar coragem de cortar o próprio braço pra se desvencilhar de um pedregulho.



 Fotos do Talhado do Jacó na Baixa do Umbuzeiro. 

Detalhe dos blocos soltos no alto da fenda.



Como foi rápida nossa prospecção no Talhado do Jacó, ainda havia tempo para mais uma atividade e portanto, resolvemos visitar a Toca do Clóvis Saback II. Apesar de já ter visitado a Clóvis I por diversas vezes, a Clóvis II que fica no piso da pedreira nunca tínhamos entrado. Dessa vez, com uma escada de espeleo, foi relativamente fácil fazer a decida e pudemos explorar dois charmosos salões. É digno de nota a quantidade de entulho que encontramos no piso da caverna.



Entrada da Clóvis Saback I
Visão interna da entrada.



Crânio de Equino encontrado entre garrafas e pneus. 

  E assim, nos curamos temporariamente da nossa síndrome por cavernar. Até a próxima!