Páginas

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

TOCA DO CLÓVIS E O MISTERIOSO MACACO DA TIQUARA.



A principal revista brasileira dedicada ao estudo de cavernas, estampa na capa desse ano a foto de um crânio e um fêmur encontrado pelos espeleólogos da S.E.A na Toca do Clóvis em Campo Formoso-BA. Essa grande descoberta nos ajuda a contar a curiosa história dos maiores macacos das Américas.



     Era um fim de tarde em Novembro de 2014 e após ter passado o dia inteiro explorando duas boas cavernas no povoado de Tiquara estávamos pegando o caminho de volta para sede. Alguém, não lembro quem, me perguntou por que nunca tínhamos entrado em uma pequena gruta que ficava a beira da estrada já chegando no povoado de Tiquara. 

    Assim que pulamos a cerca para chegar à gruta me lembrei do porque de sempre deixar aquela visita pra depois! As dimensões pequenas da entrada (80 cm de altura por 1,50m de largura) não era bem um convite para um fim de expedição, mas apesar disso, não deixamos passar a oportunidade e fizemos uma tremenda descoberta. 


Os primeiros metros da estreita Toca do Clóvis - Tiquara.


Nas palavras de Agrícia Nielle que relatou a crônica dessa expedição: 



“Seguimos um a um, o caminho que só poderia ser feito em fila indiana e com alguns desvios corporais, chegando a um ponto que só poderia ser concluído com um rastejo e assim seguimos. A poeira já tomava conta do espaço um pouco apertado, chegando ao final, retornamos fazendo os conduto laterais, não demorou muito para que se ouvisse alguns sussurros ao longe. Uma descoberta!”

A primeira foto do Primata encontrado na Toca do Clóvis.

A descoberta tinha sido feita por Claudiney (NEY) e deixou todos vibrantes. Era um crânio com feições tão familiares que levantou duvidas se não seria humano. Assim que vi percebi que era realmente uma descoberta importante.  Estava bem no cantinho da parede e praticamente da cor do calcário passou despercebido pela maioria de nós. Fotografamos e deixamos lá do mesmo jeito onde encontramos
Junto com o crânio tinha outros ossos como o osso do fêmur. 


   Quase um ano após a descoberta encontrei com o Professor Mário André Dantas e relatei a ele o achado. Não demorou pra gente marcar uma expedição paleontológica. Na expedição que ocorreu em outubro de 2015 além de resgatar os ossos do primata também aproveitamos para fazer a topografia da caverna. Que apresentamos no mapa abaixo. Outros ossos além do macaco foram encontrados naquele dia o que tornou a expedição um grande sucesso. 

Expedição Paleontológica Toca do Clóvis - Outubro de 2015.
Planta baixa resultado da topografia dos poucos mais de 100m da  Toca do Clóvis. 


Do seu laboratório na UFBA o Professor Mário me enviou algumas fotos do material com uma série de medidas feitas tanto do crânio quanto do osso longo da perna (o fêmur). Junto com o Professor Celso Ximenes, Mário e eu começamos a comparar as medidas com o que já foi publicado sobre outros grandes primatas e a discutir sobre de que tipo de macaco se tratava aquele esqueleto. Para entender a importância disso temos que retornar a 1992. 

No ano de 1992 o famoso Paleontólogo Cástor Cartelle estava visitando a Toca da Boa Vista em Campo Formoso quando fez a mais sensacional descoberta da primatologia brasileira. Na parte da TBV conhecida como Além Mundo, Cartelle e sua equipe resgataram os fósseis do que sabemos hoje se tratar das duas maiores espécies de macaco que já viveram em todo continente Americano.  O achado foi fenomenal, eram duas espécies novas para ciência. Hoje elas recebem o nome científico de Caipora bambuiorum e Cartelles coimbrafilhoi
Fotos dos dois crânios encontrados na TBV. A empolgação da equipe de Cartelle foi tão grande que infelizmente nenhum registro fotográfico dos crânios nos locais onde foram encontrados foi feita.




  O maior desses dois fósseis encontrados em 1992 o Cartelles coimbrafilhoi era duas vezes maior que o maior macaco vivo hoje nas Américas. Esse grande primata foi classificado como pertecente a família de macacos Atelidae. Nessa família estão incluídos os maiores macacos atuais. São eles: O Muriqui maior macaco vivo atualmente, o macaco aranha, o macaco barrigudo e o bugio. 



Estima-se que o macaco encontrado na TBV alcançava 1,67 da cabeça a ponta da cauda e o formato do seu crânio é parecido com o de um bugio, inclusive com o notável desenvolvimento do osso hióide que tornam esses macacos capazes de emitir assustadores urros audíveis até impressionantes 5 quilômetros de distancia!





  Voltando ao crânio encontrado na Tiquara, descobrimos através das medidas que se trata de um exemplar de Bugio que cientificamente é chamado de Alouatta. O exemplar encontrado na Tiquara tem alguns mistérios que ainda aguardam solução.


  O primeiro que chama atenção é fratura no topo do crânio. Será que foi algum predador? Será que o macaco não morreu na caverna e foi arrastado até lá e isso teria causado as fraturas?


 E o mistério mais interessante! Não sabemos qual a datação do material encontrado na Tiquara. Será que ele conviveu com os grandes macacos encontrados na TBV na época em que Campo Formoso era uma Floresta? Será que ele é uma espécie nova de Alouatta descendente direto desses supermacacos que viveram outrora nessas terras?



   Um dado que não está no artigo publicado na Espeleo-Tema lança esse questionamento. O dado é sobre uma medida do fêmur que no exemplar da Tiquara é muito maior que o esperado pra qualquer um dos grandes macacos do presente. Embora menor que os dos supermacacos da TBV.


Um dado inédito sobre o macaco da Tiquara. Em uma das medidas do fêmur, o exemplar da tiquara identificado como (LEG315). Apresenta a medida 11.9 mm . Essa é uma anomalia que pode trazer resultados interessantes no futuro.

Um comentário:

  1. Parabéns pela divulgação de importantes informações sobre o patrimônio ambiental brasileiro.

    ResponderExcluir