Era para ser uma simples aventura. A rotina preparada para esse ano com todas as turmas escolares. Toca da Barriguda: Sorvete, Salão Vermelho, Salão do Urso. Sumidouro, banho de lama e retorno. Mas o pessoal da segunda série do ensino médio do colégio Sacramentinas queria mais. Queriam uma “aventura mais punk” segundo eles. De tanto insistirem, o professor André Vieira, integrante e presidente do grupo CAACTUS de espeleologia resolveu dar de presente para eles o que ele chamou de “a maior aventura de suas vidas”. Chegar até a Passagem do Lobo Deitado, na TB, local de difícil acesso e onde nenhuma turma escolar jamais havia chegado.
As expectativas durante as duas semanas que antecederam a expedição eram muitas. Mesmo para mim, que conheci a TB em 2001 e que ultimamente acompanho sempre as expedições estudantis com o grupo CAACTUS, era uma grande novidade. Nunca havia chegado até o Lobo Deitado.
Os vitoriosos que ultrapassaram seus limites pra chegar até o salão do preá
Era um domingo frio e úmido, resquícios das chuvas dos últimos dias. As 5:30h da manhã, já recebia SMS de Amanda Maia, ansiosa para saber se a gente ia ou não. Confirmei e me dirigi para a escola onde o grupo já me aguardava. Um total de 38 pessoas. Saímos exatamente às 5:50h da cidade de Senhor do Bonfim com destino à aventura das nossas vidas. A primeira parada no distrito Tiquara para o café da manhã já é rotineira nas nossas expedições. Foi lá que o motorista aproveitou para abastecer o ônibus. Nos abastecemos de água, demos mais uma revisada nos mapas, no nosso roteiro e seguimos sertão a dentro ao som de Engenheiros do Havaí, Los Hermanos e, volta e meia, alguém pedia um Jorge e Matheus. Sem contar que Wilbert nos fez trocar Engenheiros por Calcinha Preta. O clima antes frio e úmido começa a mudar conforme vamos penetrando no sertão. Da vegetação típica, pouco resta.
O tradicional café na Tiquara
Já no caminho algo parecia dizer que essa tinha que ser uma aventura diferente em todos os sentidos. Logo após sair da Tiquara, o ônibus começou a parar toda hora. A qualquer tombo mais forte ele simplesmente desligava. Ao indagar sobre o ocorrido fiquei sabendo através de Gabriel (boi), que após essa aventura ficou conhecido por PREÁ, que a válvula de aceleração do ônibus estava com problemas. Já fiquei imaginando o que poderia acontecer se acontecesse de ficarmos sem transporte no meio daquele sertão sem nenhum meio de comunicação disponível.
Paramos na povoação de Pacuí, acertamos a nossa janta com a dona Ederlí, inclusive pedimos que preparasse um bolo já que uma das integrantes do grupo, Beatriz Queiroz (bia), estava aniversariando, e seguimos adiante.
Ouvi um barulho esquisito, e logo em seguida o ônibus parou. Torci para não ser verdade mas logo obtive confirmação: dois pneus do ônibus haviam sido cortados pelas pedras. Isso a mais ou menos meia légua da entrada da gruta. Motoristas param para nos ajudar e afirmam que nenhuma borracharia da região trabalha com aquele tipo de pneu. Só nos resta seguir a pé enquanto o motorista dá providência no conserto dos pneus. Combinamos de nos encontrar às 16:00h e seguimos.
Ônibus da biba com os dois pneus cortados
Exatamente ás 11:15h entramos na TB.
Logo de cara, os marinheiros de primeira viajem ficam assustado com o calor e a umidade do interior da gruta, o cheiro de guano aliado ao dos gás acetileno liberado pelas carbureteiras dão um toque diferente ao local.
Começamos a nossa aventura pelo Salão da Árvore, passamos pelo Salão Vermelho, Salão do Fóssil e no Salão do Urso paramos, já às 12:30h para um rápido lanche, reposição de líquido e instruções de como seria o próximo trecho que só André conhecia.
salão vermelho
Pausa para o lanche e para foto no Salão do Urso.
Após o lanche, André pediu silencio, conversou um pouco com a galera e explicou que a partir de agora começava o trecho sinalizado. Instruiu a todos sobre como se localizar através das placas e a tomar cuidado para não derrubar a sinalização. Avisou a todos que a aventura estava apenas começando. De fato, o próximo trecho era muito acidentado. Com bastante pó que mais se assemelhava a areia movediça. Atrás de cada rocha um buraco que escondia um pequeno abismo. Cada passo dado precisava ser meticulosamente calculado. Foi aproximadamente uma hora de caminhada até chegarmos à passagem do lobo deitado. Era uma abertura muito estreita, com aproximadamente 70 cm de largura e 50 cm de altura. Foi preciso rastejar. André passou primeiro, depois Gilmar D’Oliveira, fotógrafo da equipe e, na ordem, as mochilas e equipamentos, as mulheres e por ultimo os homens.
Já na entrada Gabriel (preá) não queria passar. Achava que não cabia. Mas, com o apoio da galera, começou a atravessar. No final a passagem fica um pouco mais estreita e ele começou a se apavorar. Após passado o susto respirou aliviado.
Preá
literalmente entalado na passagem do lobo deitado
Gilberto Reis fazendo a travessia
Após uma hora de espera, cansaço e suor, finalmente todos passaram. O alívio foi grande ao perceber que havíamos atingido o nosso objetivo. Não esperávamos porém, que mais surpresas nos aguardavam. André novamente pede a palavra. “Jovens, parabéns por terem chegado até onde poucos chegam e nenhuma turma estudantil jamais chegou. No entanto gostaria de anunciar que a nossa aventura não termina aqui. Agora iremos descer um pequeno abismo vertical, o “liquidificador”. Após ele..., bem, depois que descermos a gente vê o resto”.
Após passar o lobo deitado descansando para enfrentar o temido liquidificador
Enquanto alguns deitaram, outros lancharam, foram sendo organizados grupos de cinco integrantes para descerem o tal abismo. Felipe Maia, Matheus Wacheux, Ruan e Virgínio se encarregaram de ajudar o pessoal a descer. Duas das meninas, Rebecca e Andressa ao verem a altura que deveriam descer desistiram. Disseram que não conseguiriam. Foi quando PREÁ resolveu ver de perto. Voltou vermelho, com a voz trêmula: “velho, eu não desço aí de jeito nenhum. André tá louco. Eu se fosse você também não descia”. Gilmar grita do outro lado: “então somos dois a ficar aqui com as meninas”. Aí as minhas pernas já começaram a tremer. Sempre tive fobia a altura e desencorajado desse jeito confesso que pensei duas vezes antes de ver por onde desceria.
O tal liquidificador é um pequeno abismo vertical de aproximadamente dez (10) metros de profundidade em espiral de acesso muito difícil. Resolvi que iria até o final. Não tinha feito todo aquele esforço para ir só até metade da aventura. Não sei viver de metades. Não gosto de meias verdades. Não iria amarelar logo agora. Respirei fundo e comecei a descer. Ajudado por Maia adentrei a boca do liquidificador disposto a ir até o final. Após a descida em espiral, Ruan me aguardava no final. Me ajudou a sair e quando pensei que o pior havia passado ele me indicou uma pequena fenda por onde deveria passar. Só aí entendi qual era o “resto” que André não quis falar lá em cima.
A fenda, chamada de janelinha é uma pequena abertura na rocha onde para passar é preciso mais que esforço físico. Se faz necessário ser um pouco contorcionista. Passei com um pouco de dificuldade, imaginando se Preá tivesse descido como passaria por lá. Encontrei André no fim da passagem, expliquei que o pessoal ficara lá em cima e ele decidiu voltar e buscar todo mundo. Me arrastei mais um pouco e esperei o restante do grupo no Salão da Vitória Sobre a Morte. Nome aliás, propício. Quem chega até lá é mesmo vitorioso.
Andressa Barbosa ou as pernas dela atravessando a Janelinha;
Salão vitória sobre a morte
Vitória sobre a morte outro angulo
Algum tempo após a minha chegada Gabriel (boi) também chega ao salão contando que entalou na janelinha, deu xilique e quase não passa. Enquanto conversávamos esperando que o restante do grupo chegasse percebi que ele saiu correndo e gritando “Gilberto, Gilberto, olha só isso”; apontei a lanterna para a sua direção e não enxerguei nada além de estalactites e estalagmites. Resolvi acompanhá-lo junto com Geovanna. Quando o alcançamos e indagamos o que ele viu respondeu prontamente “um preá. Uma fêmea”. Começamos a rir. Como poderia um roedor sobreviver dentro de uma gruta à distancia que estávamos da entrada? Mas ele jura até hoje que viu. André lhe explicou que foi apenas uma alucinação mas ele não se conforma. Por isso falei no início do relato que o boi virou Preá.
Ainda queríamos ir um pouco mais longe, mas o tempo não mais nos permitia. Eram já 15:30h quando decidimos que o melhor seria retornar.
Preá, Gilberto e André preparativos para o retorno.
Refizemos todo o percurso e, exatamente sete horas após entrar no mundo subterrâneo, saímos, imundos, fedidos, cansados mas com o sentimento de objetivo alcançado. Dever cumprido. Fomos recebidos por uma leve e gostosa brisa e um lindo céu de abril nos brindar com sua beleza.
Terminamos a nossa aventura com um belo banho noturno na nascente do rio Pacuí para tirar o lodo, o cansaço e devolver um pouco da energia gasta, observados por uma linda e graciosa lua cheia que deu o seu toque mágico à “aventura das nossas vidas”.
Depois do banho, bode assado, galinha caipira e o bolo de bia. “... oh bia eu vou comer seu bolo...”
De volta para casa, um pouco de história sobre o mundo das cavernas e depois, sono.
Só quem chega até onde a gente chegou entende de fato o significado que tudo isso tem para nós. Só quem sabe do suor derramado, entende o valor de uma foto dessas. Sabe como é se sentir vivo. Sentir que ainda possui sangue correndo nas veias e energia vital para desafiar os próprios limites. Desfiar seus medos.
Se você conseguir entender tudo isso, parabéns! Se não consegue, como diria Jorge Aragão “...faça o favor, respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”.
Terminamos a nossa aventura com um belo banho noturno na nascente do rio Pacuí para tirar o lodo, o cansaço e devolver um pouco da energia gasta, observados por uma linda e graciosa lua cheia que deu o seu toque mágico à “aventura das nossas vidas”.
Depois do banho, bode assado, galinha caipira e o bolo de bia. “... oh bia eu vou comer seu bolo...”
De volta para casa, um pouco de história sobre o mundo das cavernas e depois, sono.
Só quem chega até onde a gente chegou entende de fato o significado que tudo isso tem para nós. Só quem sabe do suor derramado, entende o valor de uma foto dessas. Sabe como é se sentir vivo. Sentir que ainda possui sangue correndo nas veias e energia vital para desafiar os próprios limites. Desfiar seus medos.
Se você conseguir entender tudo isso, parabéns! Se não consegue, como diria Jorge Aragão “...faça o favor, respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”.
Comemorando aniversário da Bia.
Agradecimentos ao nosso fotografo profissional Gilmar d´oliveira por todas as fotos registradas na aventura.
A toca da Barriguda é uma beleza única entre as cavernas brasileiras, um calcário claro e muito ornamentada ! certamente uma das mais belas do Brasil.
Gilberto Reis.
Vencer os obstáculos da vida é muito show, principalmente quando se tem alguém pra lhe ajuda... André Vieira, Gilberto Reis, Preá, 2°A, Virginio Aguiar, Jamile Souza e Gilmar...
ResponderExcluirEssa aventura nunca esquecerei, pois esse dia foi muito importante para que se perceba que alem de Deus nós temos verdadeiros amigos com quem podemos contar sempre, ao ler essa historia que daria um grande livro, eu me arrepiei e me emocionei pois nunca pensei que viveria uma aventura como essa, com pessoas (2°A) que no começo me dispersaram e não quiseram a minha amizade, mas ver que as mesmas em um dia tão aventureiro poderão ver que os momentos passam...
deixo apenas uma mensagem:
"Os momentos passam, a vida continua, amizades se tornam irmandades, enquanto uns amigos viram inimigos. Se o tempo é curto deve-se aproveita-lo bastante, pois o mesmo é uma coisa inesplicavel, que o ser pensa que não sabe aproveita-lo."
Wilbert S. Maciel