Após algumas reuniões virtuais estávamos decididos a fazer mais uma expedição espeleológica, seria em alguma data entre 25 e 28 de maio de 2013, e tínhamos que decidir entre a exploração da Toca do Mathias, que desde 2010 tem nos deixados curiosos sobre a continuidade dos condutos descobertos, ou se iríamos terminar o percurso Buracão - Convento, tentamos fazer esse percurso em 2011, mas a quantidade de água que alagava a caverna não permitiu.
Nesse intervalo de tempo continuávamos realizando nossas expedições pedagógicas para a Toca da Barriguda, e foi em uma dessas expedições que encontramos um velho conhecido, seu Dermival, ele veio falar comigo sobre uma Toca no povoado de Atalho, segundo ele, ela foi explorada em 1985 por um grupo da cidade de Ouro Preto - MG, e ainda nas palavras de Dermival o dono da fazenda onde se encontra a toca, havia prometido um carneiro e cerveja a vontade para uma equipe que explorasse as tocas no lajedo, e confirmasse a presença de água subterrânea. Foi o suficiente para adiarmos as opções anteriores e colocar a expedição Atalho como prioridade para os dias 25/26 de maio.
Como já é corriqueiro, às vésperas da expedição ocorreram muitas desistências e apareceram em cima da hora novos interessados, e depois de tudo isso a equipe ficou assim : André Vieira, Isla Ribeiro, Gilberto Reis, Marcelo Vieira, Josan Cláudio, Gilmar D´Oliveira, Virgínio Aguiar, Tiago Azem, Luiz Thiago (Koxó), Altemar Serafim, Paulo Barriga, Anderson Sóstenes, Eliton (Aquaman), Diego Palmeira, Ivomar, Edson e John Graysson.
Da esquerda para direita em pé : Aquaman, Anderson, Paulo, Diego, André, Isla, Altemar, Gilberto, Gilmar, Edson, Ivomar e Josan. Agachados: Azem, Virgínio, Koxó e Marcelo. Foto: John Graysson.
É chegada a hora, nos atrasamos bastante o combinado era a saída 5 da manhã acabamos saindo depois das 8, a tradicional parada na Tiquara para o café da manhã e passar o roteiro, expliquei para todos que essa era uma expedição de prospecção, não tínhamos certeza alguma do que encontraríamos inclusive poderíamos não encontrar nada lá no Atalho. Foi então que Josan nos informou que no caminho para o Atalho poderíamos parar em uma fazenda para confirmar sobre achados de ossos em um poço que secou. O dono da roça passou o trator pra limpar a antiga cacimba o que teria revelado alguns fragmentos de ossos, então fomos ao local para confirmar se eram realmente fósseis.
Chegando ao local fiquei surpreso ao ver centenas de ossos espalhados por montoeiras de terra era impressionante! Começamos a nos espalhar pela área coletando fragmentos e era tanto osso que o pessoal nem ligava para os pedaços pequenos só pegavam os grandes.
A esquerda a equipe espalhada pelo depósito fossilífero, a direita eu coletando alguns fragmentos.
A descoberta de Gilberto.
Todos empolgados na escavação do que parece ser um osso longo, talvez úmero ou fêmur de uma preguiça gigante.
Enquanto comemorávamos o achado eis, que Gilmar descobre algo ainda mais impressionante e o que confirmaria nossa suspeita de ser uma Preguiça Gigante, uma mandíbula com os dentes preservados. Um extraordinário achado que deixou todos muito eufóricos.
Tentando montar o quebra cabeça que se revelaria ser a mandíbula de um Eremotherium.
Detalhe da Mandíbula, visão interna. Foto: André Vieira
Visão externa da Mandíbula mostrando que não há dentes na porção do focinho, a parte mais a esquerda da imagem. Foto: André Vieira
Detalhe dos dentes em forma de ziguezague, diagnóstico inequívoco que se trata de Preguiça Gigante.
Juntamente com o tatu e o tamanduá, as preguiças fazem parte da Supeordem Xenarthra ( nome que significa articulação estranha, devido ao que se observa no tatu). Dentro dessa superordem existe a ordem Folívora que inclui os animais chamados de preguiças. A ordem Folívora possui quatro famílias biológicas: As Bradypodidae, que inclui as preguiças arbóreas de três unhas; As da família Megalonichidae, que incluem as preguiças de duas unhas; Essas duas famílias possuem as preguiças atuais que vivem nas arvores como macacos e por isso são denominadas arborícolas. As outras duas famílias de preguiças são de animais que não existem mais, eles foram extintos a cerca de 12 mil anos atrás em um período geológico conhecido como Pleistoceno.
As duas famílias de preguiças extintas são: A Milodontidae e a Megatheriidae que são preguiças terrícolas (que viviam na terra). Dentro da família Megatheriidaes estão os dois gêneros mais famosos das preguiças gigantes. O Megatherium, encontrado na região sul, desde Santa Catarina até o sul da Argentina; E o gênero Eremotherium, encontrado em todo continente sul americano indo até a América do Norte. Com o volume de um elefante atual, essas preguiças chegavam a 4 m de altura quando em pé e 6 m de comprimento do focinho a cauda. Fonte: http://museugeologicodabahia.blogspot.com.br/2009/11/eremotherium-nossa-preguica-gigante.html
Esqueleto completo de Eremotherium e uma representação artística de como seria esse magnífico mamífero. Foto: http://museugeologicodabahia.blogspot.com.br/2009/11/eremotherium-nossa-preguica-gigante.html.
Essas preguiças tinham 18 dentes entre 3 a 4 cm de lado que podiam chegar a 15 cm de comprimento, contando da raiz. Na mastigação, cada dente entrava em contato com dois opostos, e a fricção entre eles fazia com que as lâminas mais duras de um desgastassem as antagônicas mais moles, criando um encaixe em ziguezague capaz de cortar com eficiência os vegetais que compunham a dieta desses imensos seres. ( CARTELLE, 2008). Ainda segundo Cartelle, os filhotes nasciam com dentes cônicos e já com desgaste no ápice, pois desenvolviam o hábito de mastigação no útero materno. Com o aumento da idade, os dentes cresciam em tamanho e formavam-se as cristas transversais (correspondentes às duas lâminas de dentina dura) nas superfícies de mastigação. O que resultaria no formato em Ziguezague.
Essa figura mostra o crescimento dos dentes molares da preguiça gigante Eremotherium, dentes de animais muito jovens (A) e de animais adultos (B). Nos dois casos os dentes estão organizados por ordem de idade da esquerda para direita. Fonte: O dente adequado para cada um. Cartelle, Revista Ciencia Hoje, Março de 2008.
Comparando o nosso achado com a informação de Cartelle, podemos suspeitar que o exemplar encontrado pertence a um animal de idade avançada devido ao tamanho e formato dos dentes.
Depois de toda essa emoção da descoberta e de passarmos a viagem comentando sobre o achado, continuamos o nosso objetivo principal que era a Toca do Atalho. Depois de Encontrarmos Dermival, ele nos falou que devido a uma falha de comunicação, não podia servir de guia para a gente no dia 25, indicou alguém que poderia nos levar lá no domingo dia 26, nos ofereceu abrigo para o pernoite em seu famoso clube das grutas. Ficamos um pouco insatisfeito pois ainda era cedo da tarde e embora tivesse sido empolgante a descoberta dos fósseis queríamos mesmo era " cavernar" fizemos uma pequena reunião, e como estávamos perto da Toca do Convento e a maioria não conhecia, eu sugeri visitarmos ela, Josan, teve uma outra ideia, a sugestão dele era procurar um local conhecido como poço do cão. É um braço do rio Salitre em plena caatinga castigada pela seca. Resolvemos adotar a sugestão e procurar por esse local.
Altemar Serafim, contemplando o Poço do Cão.
Visão panorâmica do rio Salitre cortando o sertão Campo formosense.
Descobrimos um local praticamente desconhecido da população e com enorme potencial turístico, inclusive para prática de esportes radicais como a tiroleza. Descemos o declive para uma tentativa de banho, porém as margens do rio está tomado por uma planta comum em regiões alagadas, a Taboa ( Thyfha domingensis) antigamente essa planta era retirada para a fabricação de esteiras e outros artesanatos, com o abandono dessa prática, na geração bolsa família, a planta está tomando conta do rio.
Apenas 3 corajosos desafiaram a Taboa para tomar um banho nas águas calmas, cristalinas e de profundidade desconhecida do poço do cão. Tiago Azem foi o primeiro a entrar seguido de Virginio (foto) e Isla.
No retorno fomos jantar no pacuí, com a nossa amiga Dona Ederli, e procuramos pelo clube da gruta como havíamos combinado, lá era pra gente montar acampamento e descansar pra levantar cedo no domingo. Só na teoria, na prática, Gilberto pegou o violão e liderou um luau que só terminou as 4 da madrugada.
A parte de socialização não pode faltar em expedições como essa.
Dia 26 de maio no domingo levantamos acampamento sete horas da manhã e fomos procurar um guia local que nos levaria ao tal lajedo do Atalho; Chegando lá deveríamos encontrar uma entrada onde em 1985 um grupo explorou e encontrou um lago subterrâneo. Iniciamos nossa jornada e logo nos deparamos com um afloramento de calcário, repleto de lapiás,( projeções pontiagudas do calcários) e cabeça de frade ( Melocactus zehntneri ) uma planta da família cactácea que deixava seus longos e pontiagudos espinhos por toda parte que insistiam em atravessar as botas tornando um verdadeiro obstáculo para nossa expedição.
O relevo do lajedo do Atalho, repleto de lapiás formação encontrada em terrenos cársticos.
John Graysson, sendo vítima dos espinhos do cabeça de frade, em primeiro plano.
Ao chegarmos no lajedo descobrimos que o local possui inúmeras entradas muitas delas são abismos que só podem ser descidas através de cordas, ou através das raízes das árvores. Decidimos tentar as entradas mais fáceis e mais largas, rapidamente percebemos que elas se interconectavam umas as outras através de passagens muito estreita e de muita dificuldade de acesso.
A primeira entrada que tentamos explorar.
Outra visão da primeira entrada que exploramos no lajedo do Atalho.
Sequência de fotos mostrando a exploração dos condutos da primeira entrada, os condutos exigiam rastejos, e abriam em outras entradas superficiais.
Já estava ficando tarde então decidimos dividir o grupo em equipes que fariam prospecções nas entradas mais fáceis. Cada prospecção dessa daria grandes histórias, mas como a postagem está se alongando vou me limitar a duas dessas explorações.
A equipe liderada por Josan, encontrou uma entrada que era possível descer através das raízes de uma árvore conhecida como gameleira, e com ajuda de cordas. Eles no entanto estavam receosos em descer por conta de um estranho suspiro que saia do buraco. Seria vento ? algum animal desconhecido ? o primeiro palpite era que se tratava de alguma onça, fui chamado até o local para dar meu parecer como biólogo. Desci até certo ponto onde o barulho se tornava mais forte; Eu não consegui concluir do que se tratava, falei que se fosse algum felino seria de pequeno porte. Mesmo com medo a curiosidade tomava conta de todos. Koxó tentou arranjar coragem, mas voltou no meio do caminho.
Tiago Azem se encheu de coragem e resolveu descobrir que bicho era esse. Azem desceu com ajuda da corda e quando estava prestes a retornar devido ao pavor que fez suas pernas tremerem feito vara verde, escorregou e foi parar no chão. Em pânico ele se escondeu atrás do tronco, enquanto o bicho emitia gritos cada vez mais altos, Azem apontou a câmera fotográfica em todas as direções com os olhos fechados na tentativa de tirar foto de tal animal. Antes de retornar ele abriu os olhos e começou a gritar " é um macaco, é um macaco" . Retornou a superfície ofegante e contou pra todos o que tinha visto. " eu vi , eram dois macacos eu vi as mãos deles, e também um bico branco" - Bico Branco retrucou koxó - e desde quando macaco tem bico ?? a curiosidade tomava conta de todos, será uma nova descoberta científica ? vamos ver as fotos antes de uma nova investida. O resultado se mostrou surpreendente vejam fotos abaixo.
A tensão tomava conta de todos, enquanto koxó descia para dar apoio a Azem que já se encontrava atrás do tronco tentando fotografar a fera desconhecida de gritos apavorantes.
Sem mais suspense a a foto do animal
Todos caíram na risada ao perceber que os macacos vizualizados por Azem eram na verdade filhotes de urubu. O maior medo que esse rapaz já sentiu na vida foi provocado por dois inofensivos mas barulhentos filhotes de urubus.
Enquanto estávamos entretidos com a história dos macacos do Azem, uma outra equipe formada por Gilberto e Edson, faziam prospecção em entradas próximas quando de repente, sem explicação o sapato de Edson, cai em um abismo, Gilberto alerta que esse seria um sinal para explorarmos essa entrada, quem sabe não seria essa a que nos levaria ao procurado lago subterrâneo?; Acontece que esse era um dos mais altos, por esse abismo cresceram várias árvores de grande porte, e Edson, corajosamente decidiu ir resgatar seu sapato , descendo pelos galhos das árvores. Ao chegar lá, pediu pra Gilberto, chamar as outras equipes, pois tinha feito uma extraordinária descoberta. Próximo ao sapato, estavam enormes peças de ossos fossilizados. Com grande empolgação, desci junto, com Aquaman, e Altemar para confirmar e fazermos o resgate de 4 grandes peças de um animal pré histórico. Suspeitamos mais uma vez, se tratar de preguiça gigante, porém não acreditamos se tratar da gigante Eremotherium encontrada no dia anterior. Achamos se tratar de uma outra espécie menor, que será confirmada por paleontólogos, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB- para onde pretendemos doar os fósseis.
Primeira investida de Edson, para resgatar o sapato caído.
Altemar fazendo as amarrações para segurança dos poucos que se aventuraram a descer o abismo com mais de 10 m e fazer o resgate dos fósseis.
Aquaman e eu explorando os condutos em busca de fósseis.
Abaixo algumas fotos das peças encontradas na Toca do Atalho, entrada do sapato.
Ao que parece são ossos da parte posterior da preguiça, chegamos ao fim de mais uma grande aventura realizada pelo grupo CAACTUS ESPELEO, meus agradecimentos mais uma vez, a dois grandes parceiros sem o qual essa expedição não ocorreria. Josan Cláudio e seu inestimável veículo " BOB ESPONJA" e a Altemar Serafim e seus parceiros do Corpo de Bombeiro de Sr. do Bonfim.
Até a próxima.
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