Contemplação da natureza, superar desafios, superar medos, conhecer o ambiente, explorar o desconhecido, chegar aonde poucos (ou nenhum) homens já foram, são apenas alguns dos inúmeros motivos que eu me atrevo a apontar aqui, as razões citadas podem explicar perfeitamente porque 15 pessoas se reúnam num sábado, gastem dinheiro, tempo e energia para entrar num buraco no chão e passar mais de oito horas lá dentro; se arrastando, a luz de lanternas, compartilhando de um sentimento incomum, paixão por aquilo que estão fazendo. Dos quinze membros, cada um reúne um desses motivos para estar lá, ou mais de um deles, ou talvez todos, “cavernar” (espeleologia) não é só um esporte ou arte ou ciência ou simplesmente um hobby, prefiro encarar como tudo isso junto e foi por esses conceitos que aceitei o convite de ultima hora do presidente do SEA para uma expedição no sábado, já sabendo que teremos outra expedição( e que expedição) na semana seguinte, sem dúvida aceitei e assim começo a narrar essa breve história.
Kécis Lopes é uma amiga de longa data dos integrantes do SEA e tem a nossa mesma paixão por cavernas, e em especial as localizadas na região de Campo Formoso, aproveitando de um período de férias, organizou uma viagem com três dos seus amigos, estudantes de Geologia da UFBA, e marcou com André(presidente do SEA) uma expedição. O objetivo era chegar ao salão Caatinga na Toca da Barriguda, segunda maior caverna do Brasil, missão essa que apresentaria diversos obstáculos de alto nível que precisaríamos enfrentar para concluir com êxito nossa expedição.
Ás sete horas da manhã, após uma breve parada na casa de André para o plano ser traçado, os três carros e seus 15 espeleointegrantes pegaram estrada em direção ao povoado do Pacuí , cerca de meia hora depois, a clássica parada para o café da manhã no povoado de Tiquara, aonde pudemos sentir os últimos momentos do frio intenso que atingia Campo Formoso, aproveitamos do momento para apresentação dos integrantes: Os estudantes de Geologia vindos de Salvador, Kecinha, Laila (fada), Viviane e Rodrigo “zero meia”, além dos integrantes do SEA presentes, Paulo Barriga rei da ironia, Altemar Serafim piloto de fuga, Edson dos Três Mosqueteiros (Edson, Ivomar e John), Marcus Paulo e sua digníssima esposa Cristiane, Agricia Grigri, Ágata morena de luxo, Jéssica Carolyne mascote, Virginio Aguiar o Vih fotógrafo profissional , André Vieira “Dedé” aquofóbico e Filipe Kupi eterno estagiário/alvo de SEA. (Observação: Primeira expedição com número de homens e mulheres praticamente igual) Águas e pilhas compradas e já saciados da fome, seguimos caminho em direção a Gruta, ao chegar ao povoado do Pacuí encomendamos a nossa janta no restaurante de Dona Derli sem horário definido, alguns minutos depois chegamos a fazenda em que se encontra a Toca da Barriguda. Paramos os carros e a alguns metros da caverna nos concentramos e fizemos os últimos preparativos para iniciar a grande aventura que nos esperava.
Da esquerda pra direita: Rodrigo" zero meia", Viviane, Jéssica Carolyne, Ágata, André, Paulo, Kupi, Marcus, Cristiane;
Agachados: Laila, Kecis, Virgínio, Edson Agrícia e Altemar.
Onze e meia da manhã (recorde positivo de entrada) estávamos na boca da Caverna, André passava as instruções aos caverneiros de primeira viagem, já com lanternas nas mãos e mochilas nas costas fomos adentrando a Toca da Barriguda, um a um sentindo o quente “bafo” característico da Toca da Barriguda, a Toca da Barriguda foi a caverna que mais vezes visitei e a cada visita tenho ainda a mesma sensação abafadora na sua entrada, posso ainda dizer que em nenhuma outra caverna que pude visitar encontrei a mesma sensação. A Toca da Barriguda apresenta a mesma temperatura da superfície, mas o diferencial é a sua umidade que beira os 100%, ao entrar na caverna, uma certa corrente de ar quente atinge o corpo do espeleológo, em alguns momentos na entrada pode-se acostumar com essa característica da caverna, e um a um foi o que os integrantes da expedição foram fazendo, passado esse primeiro momento de adaptação pudemos seguir e a cada novo espeleotema enxergado pude perceber a expressão estupefata dos Geologos, que se deliciavam com cada detalhe encontrado até ali, mal sabiam o que viria pela frente, passado o inicial Salão da Árvore com suas belas estalactites e estalagmites, fomos adentrando a Barriguda e chegamos ao chamado Salão Vermelho, este batizado assim pela coloração avermelhada de seu solo, um salão bem aberto e alto, de tamanho aproximado de uma quadra esportiva, na época das raras chuvas na região, o solo do salão se torna mais escorregadio, causando alguns deslizes e dificultando a passagem, nada de assustador ainda, pudemos observar no canto do salão dois sapos, imagem rara considerando o local da caverna que nos encontrávamos, passamos pelos salões da Lua e do Fóssil, onde encontramos o fóssil de uma preguiça, fóssil esse que se encontra totalmente desarranjado, alguns dos integrantes levantaram algumas hipóteses de como aquilo teria acontecido, após a breve conversa bola pra frente e chegamos ao Salão do Urso(que tem esse nome pela existência de um fóssil de um urso pequeno, (fóssil esse já retirado por pesquisadores), salão esse que divide a Caverna em dois grande ramos, o da esquerda com galerias pequenas e espeleotemas interessante, e o ramo da direita, mais ao norte da caverna que nos levaria aos grandes salões, nosso objetivo da expedição, no salão do Urso fizemos nossa primeira parada para lanche e hidratação, sabendo que a aventura começaria realmente a partir de agora, após o breve descanso seguimos em frente conscientes do desafio que nos aguardava.
O " bafo quente" da entrada da Toca da Barriguda.
salão vermelho.
o trecho escorregadio.
Paulo Barriga, travado na passagem do lobo deitado
A passagem do lobo deitado cada um encontra seu modo de atravessar.
" a descida do liquidificador"
" o resgate da escada"
Sempre em frente passamos por alguns condutos e chegamos até o interessante Salão Bitelo que antecederia nosso objetivo final, esse salão se apresentou com algumas características muito peculiares (parecido com o Salão Final da Toca dos Pauzinhos), o chão dele é revestido de pedras soltas, umas por cima das outras como num local aonde acontecera um desabamento o que nos obriga a pular de pedra em pedra, sempre olhando para baixo para não errar, definitivamente riscaria o adjetivo plano da caracterização desse Salão, o mesmo também é alto e se estendeu por alguns bons metros, meus colegas andavam e pude reparar alguns morcegos que circulavam acima das nossas cabeças, fato comum e que eu não havia reparado antes nessa expedição, (a exceção do Paredão), já estava ansioso e todos os outros também. Tão logo pisei na última pedra e senti o solo mais compacto pude acompanhar uma fita vermelha que marca o inicio do Salão Caatinga, agora sim estávamos lá, como em todas expedições é maravilhoso ter a sensação de dever cumprido, estávamos lá e caminhamos todos bastante. O Caatinga é lindo com espeleotemas incríveis, segundo as palavras de André, o Salão mais belo que ele visitou, a junção de cada estalactite e estalagmite é muito bela, incrível acreditar como apenas água e alguns componentes químicos puderam trazer tamanha beleza a um local inóspito, parece algo moldado pelo homem, mas ainda com a perfeição selvagem da natureza, um espetáculo que vi e tenho o orgulho de falar que pude contemplá-lo (ainda acho os discos voadores mais belos), Edson estava contemplado, cada passo um clique, fotos e fotos, todos os outros pareciam muito contentes por estarmos ali, a ponto de esquecer o cansaço, os obstáculos da volta, os problemas lá fora, o mundo parece obsoleto num momento como esse, e o melhor de tudo? A fita vermelha não acabava, podíamos andar e andar, e não encontramos o fim do Salão (Sabendo ainda que existe outro grande Salão após esse, o Baita), do começo da fita e com a mais potente lanterna não enxergávamos o final, sempre seguindo na trilha, pois um passo fora e poderíamos pisar numa espécie de areia movediça, que insistia em “atacar” alguns dos membros que literalmente pisassem fora da linha.
Algumas imagens do salão caatinga.
Chegamos a um ponto de parada, sentamos todos (a exceção de Paulo, para minha tristeza) e resolvemos experimentar uma sensação muito comum em expedições como essa, apagamos as luzes, e nesse momento só existe você ali, mais nada, mais ninguém, o silêncio e pude perceber a imensidão do mundo, eu ali debaixo da terra, há alguns quilômetros da entrada, sem luz, sem ouvir nada, deitado na areia, sujo, suado e sem dúvidas feliz, após alguns minutos que ao mesmo tempo pareciam longos e breves aonde cada um de nós tentava perceber algo diferente (o som do seu coração, enxergar algo, ouvir algum som), começamos a conversar, André contou história trágicas e nos colocou em situações hipotéticas, para a discussão interativa e alegre de todos (a exceção de Kécis que mostrou não gostar muito dos assuntos tratados), falamos de acidentes e situações possíveis na caverna, conversamos sobre algumas banalidades, e até sobre o sentido e a superficialidade da vida comum que conhecemos, todos refeitos da experimentação decidimos voltar, Paulo nos esperava e um longo percurso de volta também, um a um levantando e seguindo de volta, sem dificuldades passamos pelo caminho do Bitelo até chegarmos quase ao paredão, meus companheiros conversavam sobre o modo que transporíamos aquela barreira, Rapel ou escalada pareciam os únicos métodos possíveis, só que para minha tristeza, apenas o primeiro era possível, montamos uma fila e com o auxilio de Paulo que se encontrava lá embaixo e Altemar como instrutor de Rapel e fiscal para os iniciantes na ponta da pedra que iríamos descer, eram quatro e meia da tarde, olhei para baixo e fui acometido por uma onda de pavor, todos pareciam tranquilos, mas aquela altura e a ideia de iniciar no Rapel ali, dentro de uma caverna me deixaram inquieto, eu confiava plenamente em meus colegas experientes na prática, mas ainda assim algo em meu coração não me deixava tranqüilo, e fui evitando a descida, todos foram descendo quase que sem problema algum, Kécis experiente na prática planejava descer de ponta-cabeça e a imagem mental disso me apavorava, desceram todos e eu evitando o momento, sobraram Altemar, André e Eu, com as três últimas cadeirinhas, iríamos descer e eu era o próximo, nunca havia travado em nenhum obstáculo dentro de uma caverna em todas expedições que pude ir, suei frio e fui, sem calma alguma, era inevitável aquilo e segundo as lições de um grande professor meu da faculdade (Luis Eduardo Gomes), necessitamos amar o inevitável, naquele momento me pareceu um amor estranho, porém era necessário, deixei que Altemar me guiasse com a voz e me preparei para a descida ouvindo as instruções e os gritos de meus amigos lá embaixo, confesso que só pensei no almoço que me esperava e fui, desci lentamente e desajeitadamente até lá embaixo, finalmente vivo e sem tensão estava embaixo dos doze metros, parecia algo tão obsoleto, mas aquele paredão por instantes foi o meu medo, André desceu logo em seguida e enquanto eu almoçava minha farofa de carne do sol (*--*), Altemar desceria, o último, sempre tão seguro e tão preocupado com nossa segurança, gostaria de agradecer imensamente a ele e Paulo por serem caras tão preparados para qualquer situação que pudemos passar numa caverna, todos os outros gritavam: -PQD, PQD, PQD- sem entender perguntei a alguém que explicava para mim e para os outros marinheiros de primeira viagem naquela prática que PQD era uma técnica aonde o atleta descia invertido, caminhando sobre a parede como num filme do Matrix, ele não o fez, desceu tranquilamente e decidiram desmontar e levar a escada para que um metalúrgico a refizesse, agora nas medidas necessárias para a total subida.
O grande momento do Rappel.
Como sempre o caminho de volta parecia mais fácil, embora exaustivo, fomos seguindo e na entrada da Janelinha os colegas que iam a frente erraram o caminho, algo realmente desanimador, tiveram que voltar e achando a Janelinha correta passaram, bagagens, escada e um por um, subimos o liquidificador da mesma forma e nos pusemos no fim da passagem do Lobo Deitado, então mais uma vez, agora invertendo o processo, os espeleologos foram passando, nós do fundo com uma conversa animada sobre a próxima expedição e a eleição da musa do SEA, além é claro da lembrança do confronto final John VS Tereza, que acontecerá no próximo dia 23, passado o Lobo, estamos praticamente em casa, embora se trate de uma cansativa descida, fomos seguindo, caminhando pelo mesmo local que tínhamos atravessado e observando os detalhes e as placas luminosas que havíamos passado anteriormente, chegamos a descida dos dois abismos, para mim visão tão tradicional e ainda perturbadora, notei o cansaço dos meus experientes colegas, André e Edson pareciam exaustos, mas seguiam, agora a cada passo conhecido em direção a entrada, a boca da caverna, toda aquela energia gasta valia a pena e sabíamos todos disso, cada segundo um passo e o desejo de encontrar novamente a superfície, após o martírio que é a parte final da caverna para um aventureiro cansado, subimos exatamente ás sete e quarenta da noite e pude sentir mais uma vez a deliciosa sensação da saída de uma caverna, inversa a de entrada e que apelidamos de ar-condicionado, sem mais energia para um passo tirei meu macacão e deitei no chão, seguido da maioria dos colegas (os primeiros cinco tinha voltado para os carros já), ali conversavam sobre amenidades, Ágata e “zero meia” se deliciavam numa leve conversa sobre Astronomia, assunto para eles fascinante, descansamos e tomamos os últimos goles de água tendo a visão de um céu talvez não tão estrelado, mas valorizado como a conquista de um troféu após todo nosso percurso, passado alguns minutos saímos.
Fóssil no salão caatinga
Rango pós rappel
Uma conversa animada
Nos dirigimos aos carros e dali nos dirigimos ao Rio Pacuí, tradicional parada para limpar as “impurezas” adquiridas na caverna, apesar do clima frio e da leve garoa, a água estava deliciosamente morna, pudemos relaxar e limpar corpo e alma, realmente uma sensação de luxo, fica aqui exposto a relutância de nossa querida Ágata Correia a entrar na água, situação que a mesma não via com bons olhos, pudemos nos deliciar no banho e ali trocar a roupa e me senti limpo e leve de espírito, como diria minha amiga Agricia, após esse momento de relaxamento faltava a paz dos nossos reclamantes estômagos, voltamos ao restaurante de Dona Derli, ali com a mesa posta, pudemos deleitar de um verdadeiro banquete caseiro, destacando-se a tão elogiada farofa de cenoura amada por todos, aquele momento representa para mim o que o SEA é: Não só uma sociedade e sim uma família. Que venha dia 23 e a próxima expedição e você está convidado.
POR: Filipe L. Kupi
SEA é aventura, SEA é Vida e SEA é amor.
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