Aspira (Emerson Cajado), tinha terminado de chegar ao final de uma pequena e sufocante caverna de arenito e agora estava contando ao restante do grupo o que tinha encontrado.
“A caverna acaba em uma fenda que dá acesso a superfície, ficou apenas um conduto lateral sem averiguar”. Disse ele ainda ofegante. “Conduto lateral? Como é esse conduto?” Alguém perguntou.
“É bem chatinho, muito baixo e com o piso irregular com algumas elevações. Acho que ninguém passa. Vamos lá ver”? Respondeu o Aspira!
Quem já participou de uma exploração em cavernas sabe como esses condutos e passagens são inquietantes, fica sempre a dúvida se ao atravessar aquele ponto um novo salão vai aparecer, ou mesmo, que pode ter algo raro no final do conduto esperando para ser descoberto. A regra é nunca deixar nenhum conduto, por mais apertado que seja, sem checar.
14 de fevereiro às 11h50 – 10 minutos após aspira nos contar sobre o conduto, uma equipe de quatro pessoas já se arrastava nos primeiros metros do túnel. Em questão de minutos, dois deles estariam em pânico tirando toda a roupa e gritando de dor.
Em primeiro plano Aspira (Emerson Cajado) personagem destaque desta crônica.
Um dia antes, estávamos finalizando todos os detalhes para a expedição do mês de fevereiro. O destino era a Serra do Tombador em Jacobina-BA. Primeiro, pernoitaríamos na cidade vizinha chamada Caém, o plano original era fazer uma trilha e conhecer uma cachoeira antes de ir procurar a caverna na Serra do Tombador. No entanto, uma série de contratempos nos atrasou e chegamos tarde na cidade do Aspira.
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Foto oficial da Expedição Tombador. Emerson (Aspira), Gilson, Altemar, Ágata, Jéssica, André e Mateus. |
10h00 da Manhã de 14 de fevereiro - Estávamos na Serra do Tombador tentando encontrar a Toca do Fole, encontramos duas placas indicando o caminho. Mas depois a estrada começou a ficar ruim, com muita areia, os carros atolando e não aparecia mais placas indicando onde seria a caverna. Já estávamos prestes a desistir quando encontramos Clésio e Gerson dois moradores do povoado que nos guiou até a Toca do Fole.
A caverna encontra-se inserida em uma área de mineração ou de extração de rochas. De acordo com o trabalho de Gilmar D’Oliveira e outros arqueólogos da UNEB que trabalharam na Serra do Tombador. A rocha chamada de arenito da Formação Tombador ou simplesmente arenito Jacobina é de estratificação plano-paralela, favorece a partição e manufatura da rocha em placas para a produção de lajotas, paralelepípedos e meios-fios.
Extração clandestina das placas de arenito. 14/02/16.
A atividade emprega muitos trabalhadores distribuídos em pedreiras não registradas que atuam na região por meio de produção pulverizada em garimpos intermitentes, conforme a demanda flutuante do mercado. Atualmente na área do Tombador a extração de rochas está proibida e as empresas que atuam em cortes de grandes blocos por meio de maquinários não estão atuando na região, todavia, disseminam-se pequenos extratores clandestinos, que se autodenominam pixoteiros, cujas estratégias de corte incluem técnicas rudimentares com uso de ponteiros e marretas manuais. (SANTANA et. al.,2012).
O primeiro alvo da nossa atenção ao chegar à Toca do Fole é um magnífico painel de pinturas rupestres. Na verdade são três painéis no entorno da Toca.
As figuras possuem coloração vermelha e representações zoomorfas (isto é, formas de animais), geométricas e de uma mão. Como pode ser notado a mão é bastante pequena o que pode significar de um indivíduo jovem e ou fêmea.
A mineração das placas de arenito da formação tombador já é grave do ponto de vista da geoconservação, uma vez que, pouco a pouco está se destruindo uma feição notável que guarda registros de sedimentação ocorridos há mais de um bilhão de anos antes do presente.
A presença dos sítios arqueológicos torna ainda mais desastroso o impacto da mineração do arenito jacobina. A destruição dos vestígios rupestres intervém na possibilidade de compreensão do processo histórico-cultual da humanidade. O local pode ser privilegiado para pesquisar através de escavações, os detalhes dos costumes dos antigos habitantes, ou descobrir vestígios de matéria orgânica como restos de fogueiras, de alimentos ou ossadas que poderiam fornecer a idade da ocupação humana nessa área.
Algumas pinturas bem próximas a pedreira onde se extrai as placas de arenito.
Apesar dos guias Gerson e Cléssio repetirem algumas vezes
que a Toca do Fole era uma caverna grande, era preciso conter a empolgação, afinal era caverna em arenito que normalmente são cavernas de pequenas dimensões
quando comparadas com as cavernas calcárias.
O que
constatamos foi que a caverna tem apenas um único salão bem iluminado. Era uma
sensação nova por ser uma caverna com uma feição diferente do que conhecemos.
Ela leva o nome de Toca do Fole por guardar em seu interior o que parece ser um
fogão artesanal em que era colocado um fole para soprar e oxigenar as chamas da
fogueira.
Toca do Fole. No centro o fogão e a seta vermelha indicando onde ficava o fole.
O guia não deixou claro se esse material era de origem dos moradores que retiram as placas nas pedreiras ou se era mais antigo.
Mesmo com todo o charme da Toca do Fole, ainda ficamos com a sensação que estava faltando algo pra nos sentir em uma expedição espeleológica. Precisávamos de uma caverna que trouxesse alguma dificuldade que deixasse marcas nos macacões.
Nossos guias percebendo a frustração geral, comentaram sobre um buraco que eles conheciam. Embora, nunca tenham entrado no buraco, eles afirmavam que dava pra ver da entrada que era um longo túnel.
Não levou cinco minutos para a dupla Gerson e Cléssio nos mostrar a tal entrada. Porém, ressaltaram que só iam até aquele ponto. Contaram algumas lendas sobre os que já tentaram entrar no local, lendas sobre onças, sobre o buraco levar para outras dimensões etc.
Apesar das considerações dos nossos guias, estávamos entusiasmados, essa tinha todo o jeito de uma boa cavernada.
Primeiro salão logo após a entrada da caverna ainda sem nome.
Dentre todos que entraram na caverna, sem dúvida o Aspira
era o mais empolgado. Era ele quem tomava a frente do grupo dentro da caverna, apontava
(com um sorriso no rosto) “olha lá um rastejo” ou dizia (entusiasmado) “corram,
venham ver essa fenda”.
Pois é, ninguém
poderia adivinhar que meia hora mais tarde ele estaria em pânico e bradando
“Nunca mais entro em uma caverna novamente”.
11h45- o grupo estava dividido
dentro da caverna que ainda não tem um nome oficial. Uma parte do grupo estava tentando fazer a
travessia que já tinha sido feita por Aspira e Mateus. Basicamente, se arrastar cerca de 20 a 30
metros em cima de muita poça de lama e argila até chegar a uma fenda apertada
que dava acesso a superfície. (Sim, é
isso que nos faz feliz em uma expedição espeleológica).
O caminho principal.
Ao mesmo tempo a um terço do final da apertada caverna. Aspira, Jéssica e Gilson se entreolhavam desafiando um ao outro quem seria o primeiro a se espremer pelo sufocante "condutinho" que seguia para o lado direito. Jéssica tomou a iniciativa e começou a rastejar seguida por Gilson, Aspira e eu.
Jéssica e Gilson liderando o rastejo pelo condutinho lateral.
Registramos no "condutinho" guano de morcego vampiro e nosso amiguinho amblypigeo sempre presente nas cavernas da região.
Não demorou 5 minutos de rastejo e percebemos que o tal "condutinho " desembocava no primeiro salão da caverna, ele fazia uma curva de 180° e acabava próxima a entrada principal.
Ás 12h05 - A maioria do grupo já estava do lado de fora da caverna. Gilson e eu ainda estávamos dentro da caverna recolhendo o material que ficou para trás, quando escutamos o alvoroço que vinha do lado de fora. Os gritos vinham de Aspira. “eu estou muito mal, não estou suportando”, mas dava pra perceber que Jéssica também estava agoniada. Perguntei o que estava acontecendo e ouvi alguma coisa sobre coceira. Olhei pra Gilson e perguntei: “tu também está com coceira?” ele assentiu que sim.
Quando saí da caverna encontrei todos atônitos olhando pra Jéssica e Aspira que já sem os macacões apenas com a roupa de baixo se esperneavam e se coçavam freneticamente.
Falei pra eles que coçar era pior, tentamos pensar sobre o que estava acontecendo, de porque só quem tinha passado pelo conduto da direita estava com a irritação. Mas, não havia tempo para reflexões, o ardor e o pânico tomava conta dos “infectados” que tentavam em vão esfregar folhas e até jogar “Gatorade” na tentativa de um alívio e nada funcionava.
“ Vamos sair logo daqui, quero chegar em casa, preciso de uma farmácia, preciso de mainha “ repetia quase aos prantos o calango aspirante a espeleólogo da SEA.
Momentos tensos logo após a saída da caverna.
No caminho de volta para os carros nos deparamos com um pequeno poço na pedreira, que acumulava água das chuvas recentes. O grupo dos “infectados” não pensou duas vezes, todos na água barrenta pra tentar um alívio. Não era uma simples coceira, era uma sensação que a pele estava queimando em partes específicas do corpo como: braços, pernas e barriga. E a sensação era que o ardor a qualquer momento iria para a virilha e demais partes intimas.
Quase 20 minutos dentro da água e nenhum alívio. Não restava alternativa, agora era correr pra cidade de Jacobina e procurar uma farmácia pra tomar um antialérgico.
Independente do antialérgico (Gilson não tomou) o ardor e a coceira diminuiriam até cessar completamente cerca de uma hora após o início.
Passado o susto tentamos pesquisar algumas hipóteses sobre o que teria provocado o ataque dermatológico.
Existe alguns materiais biológicos que causam coceira e urticária, mas, nenhum parece um bom candidato para explicar a situação. Em termos de minerais encontrei na internet esse artigo sobre Pozolanas (minerais derivados de restos de seres vivos aquáticos que são de interesse da indústria do cimento). Nesse artigo me chamou atenção o trecho transcrito abaixo:
Percorrendo as diversas regiões do Estado em busca das pozolanas, os pesquisadores nem sempre tinham um trabalho suave e tranqüilo. Uma hora ou outra, eles se viam diante de um tipo especial de pozolana, os esponjilitos. Conhecidos popularmente como pó-de-mico, os esponjilitos causam enormes ataques de coceira, por maior que seja a prudência, em quem se aproxima dos lugares nos quais se acumulam. Porém, para alívio geral, os incômodos esponjilitos representam apenas uma parcela relativamente pequena desses depósitos. “O pó-de-mico é uma excelente pozolana, mas a coceira que provoca deixa qualquer um incomodado” (Revista pesquisa Fapesp. 2000).
A dúvida permanece sobre o que teria deflagrado tal reação alérgica. Certo, que vai ficar mais uma história pra os guias contarem sobre a maldição que cai sobre os que entram no buraco do tomabador.
Depois do sufoco com a coceira. finalizamos a expedição com
um delicioso banho nas cachoeiras da serrinha na cidade de Caém-BA.
Referência:
Link para o PDF de Gilmar e outros sobre pinturas na Serra do Tombador 2012. - pinturas rupestre na Serra do Tombador
Link para a revista Agencia Fapesp sobre a reportagem das polzolanas - polzolanas e coceira
Muito bem escrito, essa aventura rendeu uma ótima historia~
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