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quinta-feira, 24 de maio de 2012

Baleias gordas e a passagem do Lobo deitado

    Vou contar um pouco sobre como é a  segunda maior caverna do Brasil (A Toca da Barriguda) e também a história de uma conquista do grupo Caactus Espeleo, chegar onde pouquíssimas pessoas conseguiram chegar, um dos locais mais inacessíveis da TB o grandioso salão Caatinga.
    "A toca da Barriguda (TB) localizada na cidade de Campo Formoso - Ba possui atualmente 23 Km topografados  é bem ramificada, e suas galerias são de grandes volumes. A partir da entrada chegamos ao salão do Urso, onde foi retirado pelo Paleontólogo Castor Cartelle um fóssil de um urso pequeno. Depois do salão do Urso, a caverna se divide em dois grandes ramos que estão próximos. O ramo da direita leva aos grandes salões como o Bitelo, o Caatinga e o Baita, sendo que o salão Caatinga tem uma área de 16.400 m. O ramo da direita leva a condutos ainda pouco explorados como o conduto Titanic". (a descrição acima foi tirada do livro As Grandes Cavernas do Brasil).
        A minha primeira experiência com a caverna foi em uma expedição do grupo Bambuí comemorativa dos 20 anos de exploração da caverna. 

    Em um terreno bastante plano, em meio à mata agressiva típica da caatinga eu visualizei pela primeira vez a caverna. Um pequeno declive nos leva a entrada e nesse momento sentimos o bafo quente da toca da barriguda, a caverna que tem temperatura em torno de 28 ºC e uma umidade relativa que ultrapassa 98%,  logo na entrada nos oferece a terrível sensação de estar em um forno.

Entrada da Toca da Barriguda: Xavier Prous, Robson Zampaulo e André Vieira.

    Nessa ocasião visitamos os primeiros salões a partir da entrada da caverna e tivemos palestras de Augusto Auler sobre os fósseis retirados na caverna e sobre a formação das cúpulas no salão que denominamos salão da Lua. Um salão que antecede o grande salão do Urso.




Salão da lua e seu teto sui generis formado por atmosfera ácida. Foto: Hugo Nascimento

  O Salão do Urso eu fui conhecer alguns anos depois em 2007, quando fazendo parte da expedição coordenada pelo Prof. Rodrigo Lopes (DROPS), esquadrinhamos o salão de urso a procura de pequenos invertebrados.





Salão do Urso, da esquerda para direita: André Vieira, Drops, Linda EL Dash

   Um ano depois em Julho de 2008 Drops realiza uma nova expedição para TB agora a tentativa era de chegar no salão Caatinga para estudar a fauna da (TB) nos locais mais distantes da entrada. Estávamos abrigados no colégio dos professores em laje dos negros. E, enquanto analisávamos o mapa da toca da barriguda o drops conversava com Augusto Auler por telefone sobre como chegar até o salão caatinga. Augusto contou a Drops que era fácil chegar lá por que o caminho estava marcado com placas luminosas e não tinha perigo de se perder no labirinto que é aquela região da caverna. Porém, alertou que tinha uma passagem que os cetáceos adiposos (BALEIAS GORDAS) não passariam. Era uma passagem muito estreita que tinha sido denominada de passagem do lobo deitado. Ao que parece o nome vem do primeiro espeleólogo que atravessou a passagem que chama Alexandre Lobo.
   Então fomos seguindo as plaquinhas luminosas até chegar a um pequeno salão em que não estávamos conseguindo visualizar a próxima placa. Tivemos que nos deitar no chão para ver a próxima placa. E de repente  ouvimos a exclamação de Marconi ( puta que pariu... não passo aí nem fu ...##$#§ !!!) era a tal passagem do lobo deitado. 

  Nessa ocasião, o Drops não conseguiu passar pela passagem, e resolveu dividir a equipe em dois grupos, a equipe dos chassis de grilo iria até o salão caatinga, e a equipe das baleias gordas ficariam explorando os condutos anteriores a passagem do lobo deitado. 



Tentativa frustrada de X. Prous atravessar a passagem do lobo deitado.




Xavier Prous, André Vieira e Rodrigo Lopes (DROPS) estudando o mapa tentando achar uma alternativa para não ter que passar pelo lobo deitado.

   Eu fui na equipe dos chassis de grilos e depois de muito sufoco para passar no lobo deitado, chegamos a um abismo que tínhamos que descer escalando e em local bastante estreito. Em seguida vinha uma pequena janelinha na parede que dificulta a passagem do corpo tanto quanto o lobo deitado, caminhamos muito até chegar em um paredão de 8 metros que deveria ser feito uma técnica vertical conhecida como ascensão. a corda já estava  presa na parede, mas não tínhamos os equipamentos necessários e também estávamos sem água principalmente para os reatores das carbureteiras e corríamos o risco de ficar sem iluminação. Com tudo isso em vista, embora muito perto do salão caatinga, resolvemos abortar e retornar para os condutos anteriores ao lobo deitado. E daquele dia em diante eu fiquei imaginando como seria o tal salão caatinga. 
  No ano seguinte, em abril de 2009, em plena semana santa, organizei uma expedição com grupo Caactus espeleo para tentar chegar ao salão caatinga. Entrei em contato com o corpo de bombeiros da cidade de Senhor do Bonfim e fomos em um grupo de quase 20 pessoas explorar os quentes e poeirentos condutos da Toca da Barriguda.



Equipe Gravidade Zero, Integrantes do corpo de Bombeiros de Senhor do Bonfim e grupo Caactus Espeleo, na expedição para o salão caatinga de abril de 2009.


Detalhe do grupo Caactus que participou dessa expedição histórica: Diogo Rios ( segurando o kit de primeiros socorros); Esdras (dinha) agachado, André Vieira, Virginio Aguiar e Alex Silva. Na foto ainda aparece Paulo Barriga na extrema esquerda e um integrante da equipe gravidade zero agachado.


Após entrar na caverna seguimos a  passos rápidos e em pouco tempo atravessamos o salão do Urso, Altemar um dos lideres do grupo Gravidade Zero que acompanhou a gente passou mal com a sensação térmica, depois de algum descanso seguimos rumo ao lobo deitado.  A preocupação era o Paulo " barriga" o bombeiro mais gordinho do grupo. todos que rastejavam pelo lobo deitado se perguntava como ele iria fazer a travessia em um local que se passa com o peito colado no chão e as costas coladas no teto e de um lado a outro da parede não tem 70 cm.



A segunda de muitas vezes que eu atravessaria  a passagem do Lobo Deitado.

   Paulo espalhou suas banhas pelo lobo deitado e assim como um homem geleia deslizou e atravessou o lobo deitado. Agora era a hora de descer pelo abismo em espiral 

O abismo que segue após o lobo deitado temos que nos escorar nas paredes descendo em  uma forma de espiral até chegar no piso.


Quando achamos que o pior já passou com o abismo espiral, ainda temos que se contorcer todo para passar pela "janelinha"
Integrante do grupo Gravidade Zero do outro lado da " janelinha" detalhe também para a base topografica marcando o caminho. Essas bases foram deixadas pelos espeleólogos do grupo Bambuí que foram quem descobriram e topografaram todo o caminho até o salão caatinga.

Duas horas e meia depois de entrar na caverna passamos por um local com o piso repleto de pó em que volta e meia afundava alguém.. batizado de areia movediça foi um difícil obstáculo que atormentava os bravos espeleólogos a cada passo em direção a próxima placa luminosa.
Linda El Dash afundando na " areia movediça" foto da expedição de Drops para tentar chegar ao salão caatinga.


 Chegamos então no ponto em que tínhamos que fazer a ascensão, dessa vez preparados embora levamos um bom tempo por conta da quantidade de pessoas e do despreparo físico de alguns integrantes, conseguimos transpor essa barreira e então as placas luminosas nos levaram até o imenso salão bitelo. 


 Quase 4 horas depois que entramos, exaustos e imundos chegamos então ao esperado salão caatinga. E ficamos todos estupefatos com a beleza do local. O piso forrado de uma floresta de estalagmites calcárias e o teto repleto de cúpulas com cristais de calcita que parecem cintilar como estrelas emolduram um astronômico espaço vazio que nos faz sentir muito pequenos. 

Foto do salão caatinga tirada na expedição do grupo caactus espeleo de abril de 2009.

Essa foto eu transformei em um quadro que está na sala da minha casa e que me faz lembrar todos os dias dessa grande aventura.


Saímos da caverna 8 horas depois que entramos bastantes destruídos mas, com aquela sensação de dever cumprido. foi um dia glorioso para todos aqueles que viveram essa incrível aventura. Depois disso ainda fui ao salão caatinga mais duas vezes com outras duas equipes diferentes. e toda vez que chego lá e que passo pelo lobo deitado, pela janelinha , pela areia movediça pelo paredão eu lembro de como é importante ter foco em um objetivo, e como é satisfatório ultrapassar seus limites e chegar onde poucos chegaram.

Da SECAMPO a SEA - a história da espeleologia em Campo Formoso


   



 A espeleologia é uma atividade esportiva e científica realizada em cavernas, vai desde a exploração até a topografia, produção de mapas e descrição da geologia, e da biologia dessas cavidades subterrâneas. A espeleologia em Campo Formoso teve inicio na década de 80 com a SECAMPO (sociedade espeleológica de Campo Formoso). Foi através da SECAMPO que o grupo Bambuí de pesquisas espeleológicas um grupo de espeleologia de Minas Gerais, tomou conhecimento das cavernas que mudariam a história da espeleologia do País. 
   Essas cavernas são: a toca da Boa Vista (TBV) e a Toca da Barriguda, ambas localizadas entre os povoados de Laje dos  Negros e Pacuí no município de Campo Formoso - Ba. Tanto a  barriguda quanto a TBV já tinham sido exploradas anteriormente pela SEE (sociedade espeleológica excursionista) um grupo também de Minas Gerais, porém o pessoal do SEE não deu a devida importância as essas cavidades. Quando o Grupo Bambuí percebeu o tamanho das cavernas resolveram realizar expedições anuais para exploração, e desde 1988 essas expedições são realizadas para realizar a topografia dessas cavernas. Atualmente a topografia da Toca da Boa Vista ultrapassa 100 km e coloca a caverna entre as maiores do planeta. Ainda hoje não há perspectiva de qual o seu real tamanho e será necessário  outras gerações de espeleólogos para completar a topografia desse gigante que é considerado um monumento nacional. Dessas expedições realizadas pelo Grupo Bambuí de pesquisas espeleológicas renderam teses e dissertações em diversas áreas do conhecimento devido as peculiaridades encontradas nessas duas cavernas.

Enquanto realizava suas pesquisas na década de 90 o grupo bambuí publicava sobre suas expedições em  uma revista de divulgação de espeleologia chamada "O Carste" 




   Um exemplar dessa revista que falava exclusivamente sobre as cavernas de Campo Formoso foi distribuído em algumas residências na véspera do aniversário da cidade no ano de 2002, e foi então nesse momento que tive meu primeiro contato com a espeleologia devorei todos os artigos da revista e fiquei interessado em conhecer essas cavernas que embora estivessem na cidade em que resido pareciam totalmente inacessíveis. Nessa época  eu estava cursando Biologia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e estava aberto o período de inscrição para projetos de iniciação científica, e resolvi escrever um projeto pra trabalhar com as cavernas de Campo Formoso, o projeto foi aceito e eu comecei a trabalhar em duas cavernas que meus  pais conheciam e eram relativamente mais acessíveis: a Toca da Tiquara na localidade de mesmo nome e que já tinha sido explorado pelo Grupo Bambuí  e inclusive o mapa tinha sido publicada na revista "o carste" e uma outra caverna até então não explorada por nenhum grupo espeleológico que era a Toca do Angico (fotos abaixo). 



      Nesse tempo em que realizava essas pesquisas que futuramente seria o meu trabalho de conclusão de curso.  Conheci o meu grande parceiro Rangel Carvalho, Rangel tinha uma ideia de montar uma ONG que divulgasse as riquezas naturais da cidade, então juntamos com outros colegas  resolvemos amadurecer a ideia e fundar o grupo CAACTUS, a sigla significa Caatinga Cultura e Turismo Sustentável. E assim, a gente realizava trabalhos de prospecção e divulgação das áreas com potencial turístico e realizava atividades de aventura. Não demorou muito pra gente associar espeleologia a essas atividades além de ser um atrativo de grande beleza tinha também o perfil de aventura nas explorações de caverna. Foi então assim, que surgiu o CAACTUS espeleo um núcleo dentro da ONG Caactus que trabalhava exclusivamente com espeleologia.
   Começamos a comprar os equipamentos necessários para exploração: carbureteiras e lanternas, capacetes e macacões e começamos a realizar nossas próprias expedições. 

   No ano de 2005 o grupo bambuí comemorava os 100 km de topografia da Toca da Boa Vista e realizou uma grande expedição trazendo espeleólogos de todo território nacional para explorar e topografar a TBV. E nessa ocasião eu consegui fazer parte da expedição e tive contato com os grandes nomes da espeleologia que até então só conhecia por livros e revistas, aprendi também as técnicas e tive a oportunidade de visitar pela primeira vez a Toca da Boa Vista e a Toca da Barriguda, foi amor a primeira vista, gostei de tudo, do ambiente confinado, do rastejo, da escuridão, do cheiro forte do carbureto e das histórias do pessoal sobre cada conduto e sobre cada salão descoberto. 
   Em 2007 vivi a minha maior aventura espeleológica. O professor Rodrigo Ferreira da Universidade Federal de Lavras MG entrou em contato comigo perguntando se eu queria participar de uma expedição que sairia de Vitória da Conquista até a cidade de Campo Formoso. Passando por mais de 10 cidades com cavernas e explorando e pesquisando a fauna de mais de 20 cavernas,  outra postagem conto essa e outras histórias em detalhes. 


 Depois dessa expedição que durou quase um mês a minha visão sobre espeleologia estava mais madura e principalmente foi durante essa expedição que tive a oportunidade de conhecer mais a fundo a TBV e a TB passamos uma semana inteira visitando vários condutos da Toca da Boa Vista e foi a primeira tentativa de chegar ao salão Caatinga na Toca da Barriguda (essa história ainda será contada em outra ocasião). 
   Em 2008 o grupo CAACTUS espeleo estava pronto pra realizar suas atividades com autonomia, reuni um grupo e decidimos fazer prospecção e topografia de cavernas em Campo Formoso, a primeira e bem sucedida expedição foi para a Toca do Mathias (fotos abaixo) que ficava próxima a já conhecida Toca do Angico que tinha sido alvo da minha monografia. 







    Fizemos excursões anuais de 2009 a 2011 quando produzimos nosso primeiro mapa ainda não publicado por está incompleto.  O grupo nesse período vem realizando trabalhos de exploração esporádicos e trabalha mais com educação, uma vez que trabalho como professor do ensino médio e realizo expedições com meus alunos para conhecer as cavernas do município. 




  O grupo CAACTUS espeleo sofreu várias modificações em seus  integrantes durante esses anos e por isso, ficamos sem identidade e sem realizar atividades com frequência . Na foto abaixo está uma das primeiras formações do grupo. 


Da esquerda para direita: Rangel Carvalho, Andreza Bianca, Jamerson Carvalho, Hugo Nascimento e Burujão ( Bruno Torres).


 Abaixo a formação em 2012



da esquerda para a direita : André Vieira; Gabriel Bezerra (o boi) ; Diogo Rios (o bucha); Cleub (tetinha) e Ronald (toquinho)


No ano de 2014 sentimos que a turma que praticava espeleologia necessitava de um grupo exclusivo para espeleologia com seu próprio regimento e estatuto voltado para espelo. Depois de um curso realizado em Aracaju- SE sobre as cavernas do São Francisco, voltamos para Campo Formoso com a ideia fixa de criar a Sociedade Espeleológica Azimute (SEA). E com esse nome pretendemos escrever um capitulo na história da espeleologia nordestina.