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terça-feira, 14 de julho de 2015

A paleontologia e o direito ambiental



Em setembro de 2014 uma matéria que saiu neste blog sobre a descoberta de um conjunto de fósseis de tigre dente - de - sabre na Toca do Angico repercutiu pelas principais mídias virtuais da região. O material fóssil completo tinha sido descoberto um ano antes em 2013. Registramos com fotografia, delimitamos a área com uma fita pra evitar pisoteamento. E divulgamos a descoberta no intuito de tornar um atrativo para a caverna. Onde os visitantes poderiam seguindo uma trilha interpretativa dentro da caverna, refletir sobre esses animais pré - históricos e sobre os processos de extinção e fossilização.



Em março de 2015 retornamos a Toca do Angico para uma reportagem para o programa Aprovado da TV Bahia. A ideia era mostrar os aspectos históricos e pré-históricos da caverna. Surpreendentemente ao chegar ao local onde estavam os ossos fósseis, percebemos que eles foram retirados. Removeram tanto o material que estava incrustado na parede lateral, como também carregaram as peças maiores que estavam no solo.
Divulgação da matéria feita na Toca do Angico pelo programa Aprovado da Rede Bahia.

Diante disso temos como objetivo dessa postagem alertar a população sobre o que diz nossa legislação com relação ao patrimônio paleontológico.



A Constituição Federal


A primeira coisa que chama a atenção ao fazer a analise do texto da Constituição Federal sobre fósseis é a referencia ser indireta em quase todo o texto. Os artigos 20, 23, 24 e 216 da Constituição Federal referem-se indiretamente aos fósseis como sendo bens da união, ao utilizarem termos como “sítios arqueológicos” e “pré-históricos”, “bens de valor histórico”, “patrimônio cultural” No entanto o artigo 216 aparece o termo paleontológico 



Artigo 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: 


V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. 


O que nos leva a pensar se essa supressão do termos paleontológico nos artigos anteriores não teria sido proposital. 




Outro problema que decorre desse Artigo 216 é que ao considerar o patrimônio fossilífero como patrimônio cultural, a proteção desse patrimônio fica a cargo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) Porém pelo que está disposto no Decreto - Lei nº 4.146/42 descrito abaixo:

Artigo 1º - Os depósitos fossilíferos são propriedade da Nação, e, como tais, a extração de espécimes fósseis depende de autorização prévia e fiscalização do Departamento Nacional da Produção Mineral, do Ministério da Agricultura.


Parágrafo único – Independem dessa autorização e fiscalização as explorações de depósitos fossilíferos feitas por museus nacionais e estaduais, e estabelecimentos oficiais congêneres, devendo, nesse caso, haver prévia comunicação ao Departamento Nacional da Produção Mineral 

de acordo com o decreto  compete ao DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral) o controle das atividades relacionadas ao patrimônio fossilífero tais como extração, e transporte. 

O fato de a proteção e a fiscalização do Patrimônio Paleontológico caber a Instituições com atribuições tão distintas pode dificultar o seu controle efetivo, em virtude da sobreposição e/ou conflitos de competências.

Outro ponto importante é a confusão gerada entre esses conceitos arqueológico x paleontológico; histórico X Pré - Histórico e cultural X natural. 

A arqueologia é a ciência que estuda as culturas e sociedades humanas antigas através da análise dos seus vestígios materiais ou artefatos, enquanto a paleontologia é a ciência que estuda os fósseis, os quais, por sua vez, são o registro de espécies que existiram em um determinado intervalo de tempo na história da Terra. Logo, sítios arqueológicos e paleontológicos não são a mesma coisa, embora comumente confundidos. O termo “arqueológico” aparece com maior freqüência no ordenamento jurídico, ficando o termo “paleontológico” subentendido como sinônimo ou assemelhado do primeiro. 





Do mesmo modo os termos “histórico” e pré-histórico” também costumam ser usados para fazer referência ao patrimônio fossilífero. Contudo, a história, como ciência, estuda o desenvolvimento da humanidade após o aparecimento da escrita, enquanto a pré-história abrange o período anterior à história, relacionado com o surgimento e desenvolvimento da humanidade antes da escrita. Enquanto a arqueologia, a história e a pré-história abrangem períodos de alguns milhares de anos desde o surgimento da linhagem humana, a paleontologia abrange períodos de bilhões de anos desde a origem da vida no planeta. 



O desenho animado representa humanos entidades históricas convivendo com dinossauros entidades pré históricas.

O termo “cultural” é também frequentemente empregado para se referir ao patrimônio fossilífero, embora a cultura propriamente dita tenha sua origem no ser humano, não abrangendo todos os demais seres que são objeto de estudo da paleontologia. Portanto, o patrimônio paleontológico é antes de tudo um “patrimônio natural e científico da humanidade”, pois abrange períodos de tempo muito anteriores ao surgimento da espécie humana e, consequentemente, da cultura, das civilizações e da escrita que dela se originaram. Além disso, os fósseis são vestígios de uma série de organismos que tiveram sua origem no mundo natural e, por isso mesmo, são capazes de fornecer informações sobre a evolução ambiental do planeta ao longo do tempo geológico, daí a sua relevância científica. (Marcon; Oliveira e Veneral, 2004).

Além da nossa Constituição Federal existem outros dispositivo no ordenamento jurídico para proteção do patrimônio paleontológico.

O código penal

O nosso código penal infelizmente não faz menção direta ao patrimônio fossilífero, porém o artigo 136 que trata de crime contra o patrimônio publico, trata como dano qualificado o crime envolvendo a destruição, inutilização ou deterioração cometido contra o patrimônio da união. O fóssil é bem da União e, por conseguinte, um bem não negociável, sendo vetada a sua exploração por particulares, sem a devida autorização e todos os que o fizerem incorrem em crime . 

Enquanto sociedade civil organizada é possível entrar com uma ação publica por danos causados aos jazigos que contenham fósseis alegando a lei 7.347/85 que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, a bens de direito de valor artístico, estético, histórico e paisagístico.

O PROJETO DE LEI 7420/2010  

Ainda tramita no Congresso Nacional , de autoria do Senador Pedro Simon, o projeto de lei que dispõe sobre a proteção ao patrimônio fossilífero. Neste Projeto todos os sítios fossilíferos são decretados “monumentos naturais” e os depósitos fossilíferos existentes em território nacional, bem como os fósseis neles coletados, são considerados bens da União, constituindo-se em patrimônio cultural e natural brasileiro. Além das disposições gerais, das definições e dos sítios fossilíferos, o Projeto de Lei dispõe ainda sobre o acesso ao patrimônio fossilífero e as sanções penais e administrativas referentes à comercialização, transferência e aquisição de fósseis, à sua transferência para o exterior, e ao transporte e retenção ilegais dos mesmos.



O senador Pedro Simon é o autor do projeto de lei 7420/2010 que especifica a questão do patrimônio paleontológico no Brasil.

Conclusão


Atualmente, a proteção do patrimônio paleontológico ainda é precário ou ausente no ordenamento jurídico, especialmente no que se refere à regulamentação de penas específicas para crimes de extração, transporte e armazenamento ilegal, danificação ou destruição de sítios e espécimes paleontológicos. Em vista disso, faz-se urgente a aprovação de um dispositivo legal que trate com exclusividade da proteção do patrimônio paleontológico brasileiro e que normatize tais mecanismos.
Fonte: RIBEIRO, Ana Maria & IANNUZZI, Roberto. Legislação de Proteção ao Patrimônio Fossilífero Brasileiro. Boletín de La Asociación Latinoamericana de Paleobotánica y Palinología, n. 13, p. 09-16, 2009.
Marcon, G.T.G.,Oliveira, S.,Veneral, D.C.,O direito ambiental do patrimônio natural e científico no Brasil com enfase no patrimônio paleontológico.Revista Ius Gentium - jan./jun 2014

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