Páginas

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

EXPEDIÇÃO UAUÁ: CAVERNAS E CANÇÕES. Uma crônica de Filipe L. Kupi

Prepare o seu coração, pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão...

Sexta-Feira, oito horas da noite, vinte quatro de outubro de 2014, Praça Nova do Congresso, Senhor do Bonfim-BA, nesse local e momento aconteciam os últimos preparativos para mais uma aventura da SEA, e essa expedição seria especial, afinal mais uma vez visitaríamos uma caverna fora do município de Campo Formoso, além disso, mais uma vez a expedição nos proporcionaria um pernoite, a viagem era para Uauá, nosso alvo: Gruta do Jerônimo, ainda tínhamos como objetivo secundário uma possível visita a Bendengó, aonde caíra o maior meteorito já encontrado no Brasil. 

Em poucos minutos iríamos sair, apenas esperávamos por nosso fotógrafo Gilmar, esse momento de inicio de expedição, pré-viagem é um momento que considero muito interessante, muitos de nós só nos vemos uma vez por mês, quando as expedições acontecem, mas a amizade, as piadas, o companheirismo e a alegria incrivelmente permanecem os mesmos, é como uma família que se reúne, sorrisos, brincadeiras, um clima leve no ar, afinal apesar das diferenças todos ali compartilham de um mesmo hobby, sair da rotina, do cansaço do trabalho e trocar tudo por uma madrugada em volta da fogueira com amigos, boa música ao vivo e carne de bode não é nada mau não é ?  ... “ Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser...”

Enquanto Gilmar não chegava pudemos conhecer uma figuraça, Luizão (mais conhecido como Chico Mendes da Chapada) ecologista famoso em Morro do Chapéu, aonde defende as causas ambientais e é presidente de uma ONG na área ambiental, nos poucos e elétricos minutos em que falou sem parar, Luizão convidou a SEA para uma expedição ás cavernas de Morro do Chapéu, desconhecidas até então pelo nosso grupo, com certeza mais uma aventura que entrará para lista de CQDUV (Cavernas que devemos urgentemente visitar), e que nosso presidente já está colocando na agenda do primeiro semestre de 2015.


Nosso atrasado companheiro chegou e então nos dividimos entre os cinco carros disponíveis para a viagem e seguimos em frente pelos 93 quilômetros que nos separavam da nossa primeira parada, que estava programada para o Distrito de Pilar aonde encontraríamos Tereza Rachel (amiga do grupo e participante das duas expedições anteriores), nosso grupo saiu de Bonfim com 22 integrantes: Cláudia Torres (afogamarido), Cristiane & Marquinhos CD, A Gata Correia (neles), Diego Palmeira e André Vieira (gêmeos de pais diferentes e feiúra igual), Paulo Raimundo “Barrigada”, Ronald Carvalho "virtual de Poços", Gilberto Reis " o violeiro" e seu fiel escudeiro-filho Tauan, Victor “01” (o décimo sexto 01), Filipe Kupi "mais inútil que buzina em avião", Edson Gitânio Graysson, Mateus "tocador de caju", Agricia "miss SEA", Virginio "fotógrafo do SENAI", Edemir Barbosa "mimenor", Gilmar D’Oliveira "o pontual", Jéssica Dias, Ney "Coração do Rambo" e os dois mitos mais míticos da expedição, Josan Dias "o professor do McGyver" e Luiz Thiago “Koxó” (o maior fã de uma música só de Amado Batista).


Foto oficial: Ney, Cláudia, Cristiane, Marquinhos, Ágata, Diego, André, Paulo, Gilberto, Tauan, Victor e Ronald. Agachados: Edson,Gilmar,Mateus,Agrícia,Virginio,Koxó, Josan, Jessica, Edemir, Kupi, Gedilson.


Após uma tranquila viagem até o distrito de Pilar, paramos para encontrar Tereza Rachel, o local de encontro é claro, um bar, afinal uma hora e meia dirigindo sem tomar uma é muito sofrimento para alguns dos meus colegas, paramos por uns vinte minutos para iniciar os trabalhos, afinal a noite prometia muito, Tereza nos entregou alguns equipamentos de segurança que doaríamos ao nosso guia que esperava em Uauá, Tereza nos informou não ir conosco, planejava nos encontrar na manhã seguinte antes de partirmos para a caverna.





Seguimos saindo do Pilar, por alguns quilômetros antes da estrada não-asfaltada, os carros seguiam e até que em um momento de distração de André ( tudo culpa de um comentário), o pneu de seu carro furou, fomos obrigados a parar. E por falta de comunicação, todos os outros carros seguiram em frente, nós que íamos com André nos dividimos em funções para agilizar a troca do pneu, o belo céu estrelado era testemunha da nossa falta de sorte, o pneu estepe estava descalibrado e ficou muito baixo, seguimos com ele mesmo assim agora pela estrada de terra e após encontrarmos Edson continuamos a viagem, logo mais a frente o carro de Ney nos esperava e então nós percebemos que Paulo Barriga e seus companheiros haviam se perdido pela estrada, provavelmente entrando em alguma entrada que desviava nosso caminho

ESSA PARTE MERECE UMA OBSERVAÇÃO: NOVE EM CADA DEZ EXPEDIÇÕES PAULO CONSEGUE SE PERDER UTILIZANDO O GPS.

 Sem comunicação alguma esperamos nossos amigos enquanto André estreava a rodinha de Ney (trocava seu pneu estepe pelo de Coração Valente), Paulo não demorou muito e pudemos continuar nossa longa travessia ... “pela silenciosa e infinita highway “ de terra batida.

Contratempo


Após um longo período de tempo chegamos a cidade de Uauá, regionalmente conhecida como a cidade do bode, logo na entrada da cidade no Posto do Chicão, uma moto nos esperava, um homem alto, de boné se apresentou com Gedilson, o nosso guia, ele mora próximo a caverna e é funcionário da prefeitura, responsável por orientar o espeleoturismo regional, todos saímos em direção ao povoado de Curumdumdum, local da caverna e da casa de Gedilson, aonde um churrasco de bode a fazer nos esperava, pude perceber no rosto de meus colegas, independente da fome, do frio e do cansaço, uma vontade de chegar e poder contemplar nosso hábitat natural favorito, apesar dos 38 km e da fome, ainda na estrada para o povoado, eu já me sentia "a dois passos do paraíso", quase uma hora da manhã finalmente chegamos ao nosso local de repouso e base de operações



O “desembarque” foi rápido, descarregamos os carros e adentramos a nossa morada de um dia, cada um escolheu um canto para dormir ou colocar suas mochilas e em poucos minutos estávamos todos em volta da fogueira do lado de casa, um bode inteiro por assar nos esperava e meus colegas improvisaram um forno com tijolos, as brasas da fogueira e pedaços da cerca como espetos, o fogo já sibilava e afastava o gélido vento da madrugada, um poeta (Gilberto) se debruça sob seu violão auxiliada por um bom percussionista (Mateus) e canta, canta, encanta as almas dos que estão ao seu redor, belas e diversas canções, a fogueira estava presente, mas a voz de Gilberto nos aquece a alma, nesse momento de confraternização, percebo que “nós temos todo tempo do mundo” como diria Renato Russo, a caverna era nosso objetivo, mas só de manhã, a madrugada foi feita pra viver e o que mais é viver do que se divertir com amigos, longe das tecnologias do mundo atual, longe da rotina estressante do dia-a-dia, mas tão perto da vida no seu estado mais primitivo, mais natural. Todos nós cantamos as músicas que conhecíamos, algo que foi de Los Hermanos a Bonde do Maluco, sem esquece é claro da reedição do maior sucesso da expedição Atalho “quero te dizer baixinho” repetida por nós algumas inúmeras vezes, cerveja (quente) e amendoins passavam para todo lado, e o tempo passa, sim o tempo passa, alguns iam para suas barracas ou sacos de dormir e o dia já ameaçava clarear, alguns de nós sempre ali, a bebida já havia tomado conta de Koxó e seu bordão era repetido a todo minuto, - Tô sofreeeeeeeeendo, ao som de clássicos de Raul e Legião Urbana .Decidimos então que dali mesmo iríamos para nossa aventura, porque dormir é para os fracos, em alguns minutos, a noticia que Tereza Rachel não nos acompanharia e o nosso guia, que permanecera a noite toda acordado conosco nos informou sobre a existência de uma outra caverna, a qual o mesmo desconhecia, nós decidimos ir além do planejado e buscar essa outra Gruta.

   Alegria com as canções e prosas até o raiar do dia


Apenas dois quilômetros nos separaram da Gruta do Jerônimo, seguindo Gedilson fomos até lá, próximo a entrada da caverna havia uma pequena plataforma coberta como um mirante que nos permitia ver o horizonte, ali estávamos na beira do monte e conseguíamos ter um visão simplesmente inigualável, um vale abaixo e nossa visão se estendia por quilômetros, dali podíamos ver a cidade de Uauá, a 30 km de distância, fotos e mais fotos foram tiradas, mais que justo, o local valia muito a pena, observando o horizonte uma escadinha lateral levava a frente da Gruta do Jerônimo, e tinha um portão por toda a entrada da caverna, nos impedindo de entrar, medida de preservação, Gedilson tinha a chave e abriu, pouco a pouco fomos entrando. Importante dizer aqui que a Gruta do Jerônimo tem uma peculiaridade, é uma das poucas Grutas que se encontra em terreno de altitude, no pé do morro do Jerônimo, caractere raro nas grutas do Norte da Bahia.

Mirante

Entrada da gruta

Mirante

Um portão e uma pequena escada na entrada são alguma das ações antrópicas encontradas na caverna.
      

Para o espeleológo fã de exploração, a primeira vista aquela caverna seria o paraíso, da entrada eu podia avistar vários caminhos e passagens que poderiam se desenvolver e levar a um ramo totalmente novo da caverna, Gedilson nos orientara quais os únicos dois ramos que seguiriam, mas mesmo assim o espírito de aventura nos afeta sempre, André e outros observaram cada passagem, cada frestinha na parede que pudesse nos levar a um pequeno mundo novo, até então inexplorado, não achamos. A gruta do Jerônimo após a entrada apresenta dois ramos principais que parecem ser paralelos, no local aonde acontece a divisão, existe um buraco de aproximadamente seis metros, o guia informou que ninguém até então descera até lá e que ele suspeitava que ali poderia haver um nível de caverna abaixo do conhecido, tomado então pelo espírito da exploração, sem hesitar desci, a descida era menos perigosa do que o aparente, lá embaixo o conduto seguia algo em torno de 4 metros, a altura para que eu passasse ajoelhado e apenas isso, a esperada passagem inesperadamente levava a lugar nenhum, subi novamente e Gedilson nos informou que seguiríamos pela direita primeiro, várias e belas fotos eram as tiradas por Ney, Edson e Gilmar.


Checando as possibilidades de novas galerias. 

O grupo se dividiu enquanto que uma parte explorava o lado esquerdo investigando os aspectos científicos da caverna. 12 ou 13 de nós, deitamos no arenoso chão da caverna e conversamos, por um bom tempo, o guia explicava o porquê do nome daquela gruta, homenagem a um índio que fugira do domínio branco e no pé da serra se estabelecera, esse mesmo índio ajudava as pessoas que viviam próximas, pessoas que mal tinham o que comer, ele plantava na sua morada, próxima a caverna, e também dali tinha acesso a um riacho, ao convidar os sertanejos para se alimentar em “suas terras” se apresentou como Jerônimo, batizando assim a serra em que vivia e a caverna por conseguinte. Gedilson levantou para ir ao encontro dos outros, que já demoravam demais, confesso que ali cochilei por alguns minutos, o cansaço da viagem, a noite não dormida e a vista da maioria cochilando foram fatores demais para eu resistir a minutinhos de descanso.
O ramo esquerdo da caverna bastante ornamentado
O lado direito possui salões de grandes dimensões com colunas que ultrapassam os 15 m.


A eternidade de quinze ou vinte minutos se passou e acordei assustado, pelos comentários o resto equipe tinha explorado o lado esquerdo da caverna e achara algo muito interessante por lá, todos se dirigiam para lá, subi um pouco e acompanhado de Paulo Barriga atravessamos até o outro lado da Caverna. André, Agricia, Gilmar e mais alguns haviam achado o que pareciam ser fósseis, nosso colega e biólogo Edemir sugeriu que seriam de uma espécie de preguiça, todos iam olhar, ver um fóssil já conhecido em alguma caverna já é uma visão de valor inestimável, imagino eu como seria se o SEA pudesse identificar um fóssil completamente inédito, todos os indícios dizem que sim, mas preferimos esperar pela análise profissional que deverá ser feita posteriormente, bebemos ali os últimos goles de água, enquanto os nossos biólogos estavam encantados com a possível descoberta, mostravam os indícios de suas especulações e tiravam fotos para posterior análise. (dizem que um fóssil encanta mais André do que qualquer mulher na terra). Decidimos então voltar ao ramo direito da caverna, o ramo esquerdo nossos colegas já tinham explorado por inteiro e faltava para completa a visita total a caverna, a descida até o fim da ladeira do lado direito, voltamos e fomos seguindo o caminho que havíamos passado novamente, a caverna até então tinha sido uma surpresa agradável (desfazendo o mito de que expedições com pernoite rendem péssimas cavernas).

Foram tantos os achados que os aspectos biológicos e paleontológicos vão ficar para uma postagem mais técnica. 

Seguimos a direita e subimos um monte de areia, a cada passo minha bota afundava numa areia que tomava conta de todo aquele espaço, a subida ali foi difícil, cada passo um sacrifício, ao chegar ao topo do monte de areia, apenas uma parede arredonda e nenhum seguimento, Ney achara uma passagem meio escondida na parede a nossa esquerda, ajoelhou-se e foi, tinha muito guano no local e vários morcegos, Ney explorou um pouco e percebeu que ali não teria fim, a subida da esquerda era explorada por André, Matheus, Jéssica. Quando cheguei próximo pude perceber que havia uma fresta na parede, mal cabia uma pessoa, poderia me assustar, se não fosse tão comum em cavernas, meus colegas tentaram e voltaram, não havia como passar por ali, no final tinha um abismo de aproximadamente vinte metros, um ramo se ligava ao outro, quase um "O". A volta não fora demorada, Matheus, Ronald e Ágata estavam deitados na escada ainda do lado de dentro da caverna, fiz companhia a eles, o calor era muito ruim, aos poucos nossos companheiros foram chegando, ali mesmo decidimos que aceitaríamos a outra proposta de Gedilson, eram ainda 10 e 30 e iríamos sim visitar a outra caverna, na saída, hidratação e caneta, sim caneta, assinamos o livro de visitantes.

Cada fresta, cada abismo é checado.

Assinatura dos visitantes no livro de registro. 
A primeira missão estava completa. 


Após a saída nos dirigimos á casa de Gedilson, a orientação ali era uma parada rápida, apesar do cansaço a empolgação nos manteve acesos e iríamos rapidamente para a outra caverna, a pausa foi apenas para enchermos as águas (o que não fizemos suficientemente) e para que alguns colegas que estavam mais cansado ficassem, Ágata, Virginio, Marquinhos e Chaiene e Gilberto, atacados pelo cansaço da noite mal (ou não) dormida decidiram ficar.



Enquanto isso, Ronald e Koxó foram até o bar mais próximo e travaram um embate épico na sinuca, valendo a conta (refrigerantes consumidos por todos), fica aqui registrado que Roninho perdeu.

No boteco da gruta. Refrigerar a goela e batalha da sinuca.



Partimos pra nossa segunda aventura do dia. Infelizmente os carros só puderam nos levar por poucos quilômetros, numa estrada próxima a casa de Gedilson deixamos os carros e mal sabíamos que a partir dali nossa aventura começaria, uma indecisão no primeiro trecho sobre levar ou não as cordas de rapel, Gedilson já tinha visto a entrada da Gruta e nos informou sobre um abismo, por conta do peso das cordas decidimos não leva-las, a caverna ficava em um morro e o primeiro quilômetro seria andando em terreno plano, a partir desse momento pude concordar com o mestre Flávio José, “pra ir mais alto vai ter que suar”. Em fila indiana andamos, andamos e andamos, seguíamos Gedilson que imprimia a frente um ritmo forte, após meia hora de caminhada e algumas paradas, chegamos a um ponto que existe uma cruz, ali fora enterrado um antigo senhor que morava pela região, a partir dali era só subida, o pior trecho da caminhada, a todo momento o sol forte nos castigava, uma sombra de árvore ou uma nuvem tapando o sol era a mão divina, a paisagem de Caatinga típica do Nordeste era predominante, arvores secas, pouco verde e muitas plantas baixas cheias de espinhos, em alguns momentos da subida alguns bodes apareciam, mais habituados que nós aquela paisagem, a subida pelo morro era cansativa, a cada passo dado no rápido ritmo de Gedilson eu sentia em mim e em alguns colegas o cansaço presente, já suava ali e mal sabia do que vinha pela frente, a certo momento paramos para descansar, sem condição de subir o resto sem antes parar pra respirar, mais dez minutos e chegamos a boca da caverna, pude conferir o que dizia Gedilson, não um, mas dois abismos nos esperavam. 

pausa para o descanso. 



Junto com Ney, Edson e André, fui um dos primeiros a descer, a Caverna se chama Gruta do Sapateiro pela existência de uma Árvore chamada sapateiro que se encontra na boca da gruta servindo de apoio para quem tentava descer o primeiro abismo, uns oito metros abaixo após a escalada de descida estávamos sobre uma série de troncos colocados no chão, que segundo Gedilson estavam ali, colocados pelos donos das terras que queriam impedir eu seus animais caíssem acidentalmente na gruta, uma casa de vespas se encontrava naquele plano, mas a poucos dias foram queimada por Gedilson, sabendo da nossa visita. Descemos mas um nível, agora escorando-se mais nas pedras, a descida era mais fácil, assim que entrei pude ouvir comentários a cerca da qualidade dessa gruta, que se mostraria muito diferente da primeira.

A descida do abismo do sapateiro


A caverna começava como um corredor de teto médio e como uma ladeira ia descendo aos poucos, o cheiro de guano era forte, quase insuportável em alguns pontos. Em um certo momento do inicio do grande corredor achamos uma passagem a meia altura em nossa direita, o cansaço era evidente e em meio a hesitação de quem tentaria desvendar aquela passagem, subi com o auxilio de Paulo Barriga, escalei por algo em torno de dois metros e cheguei a um ponto escorregadio, minha lanterna estava fraca e o cheiro de guano era evidente, me arrastei por alguns metros em uma subida até achar um ponto muito difícil de subir, aqui o cheiro de guano beirava ao enlouquecedor e a quantidade de morcegos era alta, verifiquei que poderia tentar seguir por ali e assim voltei, a luz era fraca e mais ninguém me esperava, desci e encontrei o resto de meus colegas no inicio de um salão. André, Matheus, Paulo já arfavam, tínhamos pouca água e decidimos continuar mesmo assim.

Condutos típicos do abismo do sapateiro. e detalhe de um gotejamento.


Os muitos morcegos eram espantados pelas luzes e seguimos, a gruta como numa montanha russa apresentava leves subidas e abruptas descidas, alternando trechos em que precisávamos se arrastar e outros que podíamos ficar de pé, Koxó apelidou a longa passagem de Trecho da Babilônia, a cada vez mais percebia-se que estávamos descendo, adentrando o coração do morro. 





As vezes ao olhar para cima encontrávamos algumas entradas no teto, distantes alguns metros do chão, impossibilitando nossa verificação e subida, o que nos deu a suspeita de haver todo uma galeria acima da que nós nos encontrávamos, fomos descendo muito rápido e o ritmo que a caverna nos imprimia era muito cansativo, passando por esse longo trecho como uma montanha russa eu já respirava pela boca, a água acabara e os de nós que iam na frente já não mostravam tanta disposição, o embalo e o fato de ser uma caverna totalmente nova era o fio que nos impedia de desabar ao chão, cada pequeno salão passado era uma conquista, mais do que na subida da montanha nossos corpos pesavam, o cheiro atrapalhava e a maioria das lanternas estavam muito fracas, a cada pequeno salão que passávamos podia ver no rosto de algum dos meus companheiros a vontade de parar e voltar, fora meu desejo também, mas o coração espeleologo é mais forte e me orientava a seguir, os experientes André e Paulo estavam cansados, e eu recebera a informação de que nosso guia Gedilson havia voltado para o inicio com algumas pessoas, não aguentara a abrupta queda de pressão e falta de ar. 
Então paramos, ao lado de um enorme monte de guano, ali o trecho ficava apertado e um complicado rastejo se projetava, fôlego era tão raro que houve alguns momentos de hesitação. Matheus me perguntou se eu conseguia ir, no último gás decidi continuar, Edemir segui-me e logo depois o próprio Matheus, rastejamos alguns metros e chegamos a um local meio circular, uma grande pedra com um furo embaixo era um empecilho, mas conseguimos cada um a sua maneira passar, ali foi o melhor e o pior momento, eu tinha certeza que iria passar mal na volta, Mateus e Edemir averiguaram logo após aquela pedra, era o fim da caverna, a montanha nos engolira e estávamos longe da sua boca, mais que cansados, exaustos, sem ar, os que foram até o fim travaram.


Meu coração batia descompassado, rápido como um animal foge do seu predador, a boca completamente seca, e a situação dos outros não era melhor, voltamos até André, o ar faltava e a longa subida seria uma tortura, louco para sair dali, não me arrastei, praticamente corri, via a frente em todos os rostos o estampado cansaço, a vitória sobre nossos limites, a satisfação de mais uma caverna conhecida e que Caverna, com C maiúsculo mesmo, na subida ainda tive tempo de observar um belo corrimento em uma caverna pobre em estalactites e estalgmites, uma caverna diferente da anterior, mas magnífica, meu alter-ego se sentiu o máximo no último passo, do ultimo a sair da caverna, a volta tinha roubado todo meu fôlego e após subir com o auxilio do bem localizado Sapateiro, me encontrei com meus colegas espalhados pelo chão da mata, momento de arrepiar, sujos demais, cansados demais, sem forças demais, mas encantados demais, uma dose da cachaça artesanal feita por Josan esquentou minha alma, mas não mais do que meu corpo que chorava lágrimas de suor, respiração ofegante e poucos goles de água. Uma foto de praxe coroou a visita a segunda caverna, com toda a equipe junta, registrando aquele momento único, talvez tenhamos sido os primeiros a chegar ao fim desse abismo, os primeiros seres humanos a poder olhar para o último conduto, simplesmente os primeiros.

    2ª missão completa

No final da tarde chegamos a localidade aonde supostamente caiu o maior meteorito em território brasileiro, pudemos conversar com os moradores e retratar uma realidade ainda presente no sertão baiano, a localidade sem água encanada ou luz elétrica, longe de qualquer centro maior com escola ou posto de saúde, uma vida privada de várias necessidades básicas e que nossos governantes (independe de partido) não enxergam. 

Doamos todos os nossos lanches e levamos alguns dos meninos de lá para nos mostrar o local da queda do meteorito. Em poucos minutos chegamos, a luz da lua já nos acompanhava, e com auxilio de nossas lanternas andamos alguns metros e pudemos chegar no exato local da queda, o cenário era lindo, no meio dos cactos e pedras uma pequena depressão, um desnível da terra como se algo ali faltasse, acima de nós uma noite estrelada, muito bela, a contemplação era inevitável, Gilberto nos contava a história do Meteorito, enquanto alguns de nós procuravam pequenos resquícios da pedra, os nativos diziam ser possível achá-los e foi o que muitos tentamos. Gostaria sim de ter "nascido a dez mil anos atrás" para contemplar o mesmo lugar, imagino que era do mesmo jeito, a mesma beleza ancestral, natural, primitiva, a mesma beleza estaria ali, há dez mil anos.....

Finalizamos a expedição contemplando o universo
E ouvindo histórias de um asteróide pequeno que todos chamam de terra ...

Post Scriptem: Temos ainda metade do bode que Gedilson nos forneceu, vamos amrcar um churrasco galera \o/
Post Scriptem²: Queria agradecer em poucas (e copiadas) palavras a nosso guia, Gedilson, por toda a garra, o amor por cavernas de verdade e humildade, esse homem merece sim ser definido como um Sertanejo, antes de tudo um forte.

Quero
Te dizer baixinho
Com muito carinho
SEA, AMO VOCÊS

Por: Filipe L. Kupi

Um comentário:

  1. Não poderia deixar de registrar meu encantamento por pela postagem dessa crônica. Há poesia do início ao fim, em cada palavra, em cada trecho, em cada foto! Não há como não se apaixonar por aventuras como essas, por grutas, pelas belezas do Sertão. Parabéns equipe SEA pelo lindo trabalho! Abraços, Geilvannette (mestranda em Ecologia Humana - PPGECOH - UNEB / pesquisadora das riquezas patrimoniais do Sertão de Canudos)

    ResponderExcluir