Páginas

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Expedição Gruta da Marota - Chapada Diamantina

Quando foi lançado o convite por André Vieira aos demais membros da SEA para acompanhar a expedição do Dr. Mário Dantas (UFBA) e alguns alunos a fim de averiguar relatos de achados fósseis, fui dos primeiros a manifestar interesse (os olhos simplesmente brilharam ao ler a palavra "fósseis"). Os fósseis nos fascinam por nos transportar a um outro mundo e nos possibilitar reconstruir a maravilhosa evolução biológica e geológica da Terra.

A fossilização é um processo complexo e lento e um evento raro devido a necessidade de condições extremamente favoráveis à sua formação. Poder testemunhar uma descoberta desse tipo já seria motivo suficiente para a excursão, mas para não restar dúvidas, nos foi enfatizado que a expedição seria na Chapada Diamantina, com parada obrigatória na Gruta da Marota (Andaraí) e Poço Azul (Nova Redenção). Não demorou muito para a lista de interessados crescer e a excursão ganhar forma. 

A viagem ocorreu na manhã de sábado, 14/01/2017. E, já que dizem que espeleólogos têm alucinações constantes com vozes sedutoras emitidas de buracos dizendo "Entre!", paramos à beira da BR-242, a 84 quilômetros de Itaberaba, para averiguar a Gruta da Lapinha, muito utilizada para ex-votos e cerimônias religiosas. A Gruta da Lapinha é uma caverna labiríntica com cerca de 1,5 km de extensão, no município de Ibiquera. O lugar, mesmo muito "antropizado", guarda sua beleza.

[Gruta da Lapinha - Ibiquera/BA] Expedicionários: Erickson, Camila, Lucas 01, Josan, Rafael, Juliano, André e Ney.
A diversidade arquitetônica das cidades da Chapada Diamantina (os casarios e igrejas, por exemplo) nos transporta há décadas e séculos, quando a região foi importante em seus ciclos de mineração de diamante e ouro. Contemplando essa paisagem, almoçamos uma tradicional comida sertaneja no centro de Andaraí. De lá fomos à Toca do Morcego, parada obrigatória para quem transita na BA-142.

Na lojinha Toca do Morcego podemos comprar algumas lembranças da Chapada Diamantina, como uma variedade de cristais e rochas polidas, além de inúmeros artesanatos em rocha. Infelizmente, por conta do nosso horário, não pudemos aproveitar, mas a vista para o poço e cachoeira da Donana nos convida a uma nova visita para um banho no rio Paraguaçu. 

Ainda em Andaraí paramos para fotografar a vista para Marimbus, uma bela planície de inundação conhecida como pantanal do sertão.

[Toca do Morcego - Andaraí/BA. Vista para a Cachoeira da Donana]

No início da tarde de sábado, após nos encontrarmos com o restante do grupo, vindos de Vitória da Conquista, seguimos para nosso destino principal no dia, a Gruta da Marota. Saindo de Andaraí, o acesso se dá pela rodovia BA-142 e em seguida pela BA-851, até tomar a estrada de chão que leva ao distrito de Ubiraitá, totalizando aproximadamente 56 km. Além da Gruta da Marota, há nas proximidades a também muito expressiva Gruta da Paixão. 

No trecho entre a rodovia e Ubiraitá não pudemos deixar de notar a presença constante de enormes murundus, que a população local comumente atribui a cupins. Pensar em seres tão pequenos alterando tão significativamente a paisagem logo gerou um intenso debate sobre possíveis gêneses para o fenômeno, que não foi resolvido sequer com pesquisa posterior da literatura científica. Assim como em nossas discussões, há duas correntes acadêmicas: a que defende origem biológica e a que que defende origem por fatores geofísicos (erosão diferencial). Depois de rápida revisão, fiquei com a desconfiança de que existem os dois fenômenos, tratados equivocadamente como um só...
[Os murundus visto in loco e uma imagem de satélite do local mostrando suas dimensões e distribuição].
Fomos recebidos na Gruta da Marota pelo senhor Tetê (Dourisvaldo Almeida Fernando), que logo deu mostras de seu entusiasmo com relação a Gruta, cuja entrada fica em vossa propriedade. Há décadas a família é a proprietária da área, e o nome Marota foi uma homenagem à Laurinda Silva Fernandes, sua avó, que possuía esse apelido.

[Sociedade Espeleológica Azimute - SEA preparando-se para exploração da Gruta da Marota - Andaraí/BA]

Assim que adentramos na caverna, sr Tetê, que se considera apropriadamente como guardião da gruta, tratou de nos contar sua saga ao longo dos anos para recolher o lixo acumulado em décadas de visita por romeiros. Mesmo com todo o seu esforço ainda há aqui e acolá algumas palhas de palmeira, outrora usadas para iluminação no interior da gruta. Ainda há presença de lixo inorgânico (sacolas e embalagens, por exemplo), mas a cada visita sr. Tetê tem o zelo de recolhê-los.  

Em poucos minutos de caminhada, graças a visão acurada e perspicácia de Josan, foi encontrada uma interessante ossada. Mário, com seu conhecimento e experiência, logo identificou o espécime como sendo um filhote de preguiça terrícola. Um filhote fóssil de preguiça terrícola é considerado um achado raro. 

Posteriormente, em outros trechos da caverna, foram analisados mais dois fósseis. Outra preguiça terrícula e um tamanduá. (Ao ser questionado se já havia visto o tamanduá, nosso amigo Josan não perdeu a piada e foi logo respondendo "Olha o tamanho do A", abrindo os braços para exemplificar o tamanho...)

[Analisando fragmentos fósseis de uma preguiça terrícola]
Segundo nosso guia e e guardião da gruta sr. Tetê, há oito anos passou a sistematizar as visitas. Neste período recebeu muitos turistas. No entanto, poucas vezes recebeu grupos de espeleologia. Espeleólogos entusiasmam-se com o prazer da descoberta, de explorar cada pequeno buraco em busca de uma nova passagem, de um novo salão. Percebemos que nosso anfitrião sentiu-se um tanto desconfortável com nosso atrevimento, e tivemos que conter o ímpeto costumeiro em respeito a sua hospitalidade. Não sem depois ouvir um sermão - pertinente, diga-se de passagem - sobre os cuidados que devemos ter na gruta [sic!].

A Gruta da Marota é bem ornamentada, com belos e variados espeleotemas. Além dos roteiros pré-definidos pelo sr. Tetê para as visitas turísticas, há muito a ser explorado. E muito que o próprio Tetê também ainda não explorou. Ficamos impressionados com o nosso guia conhecer e se deslocar na gruta sem a necessidade de nem ao menos um croqui!

Saímos por volta das 19h30, com aquele sentimento que que era cedo demais para sair, que deveríamos / poderíamos ter explicado mais. Talvez seja esse um convite para retorno.

[Um dos belos e ornamentados salões da Gruta da Marota - Andaraí/BA]
Á noite acampamos na propriedade do sr. Tetê, e apesar da presença de luz elétrica, com aquele gostinho de acampamento. Após maravilhoso jantar preparado pela família do anfitrião, seguimos noite a dentro com gostoso bate-papo regado a "jamaica", iguaria fornecida pelo amigo Josan. 

Na manha seguinte parte do grupo explorou outras entradas da gruta a fim de visualizar pinturas rupestres. Fomos de cara recebidos por entusiasmadas arapuás (Trigona spinipes)! Estes são alguns daqueles raros momentos em que os carecas tem alguma vantagem...

O aspecto das tocas, marcados pelo rubro das pinturas rupestres, logo nos transportou para quando aquele local representava para nossos ancestrais um lugar seguro, um abrigo. Além das pinturas rupestres, Tetê nos possibilitou imergir ainda mais no passado ao nos mostrar sua coleção de artefatos indígenas de pedra polida encontrados na área. Eram utilizados pelos indígenas primitivos para servir como machados, almofarizes, batedores de sementes, amoladores e etc.

Na cultura popular estes artefatos são comumente chamados de "pedras de corisco".  Tais pedras resistiram ao tempo e são encontradas eventualmente, principalmente por agricultores ao cultivar o solo. Talvez por sua feição curiosa, bem delineada e simétrica, foram apropriadas pelo folclore com o nome de "pedra de corisco" ou "pedra de raio" que, segundo reza a cultura popular, advém com o raio, partindo árvores ou se ocultando na terra a uma profundidade de "sete palmos", aflorando um palmo por ano até chegar à superfície e ser encontrada pelo camponês, que quase sempre a leva para casa a fim de protegê-la contra raios, já que “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”.


[Artefatos indígenas encontrados próximos a Gruta da Marota - Andaraí/BA]
[Exemplo de pintura rupestre presente na Gruta da Marota - Andaraí/BA]

Devido a seu enorme potencial, não explorado nessa excursão, a Gruta da Marota pede nosso retorno para uma melhor e mais extensa exploração. Aos interessados em conhecer a Gruta da Marota, segue contato do guardião Tetê: (75) 999563019 /999490725.

[Sociedade Espeleológica Azimute - SEA e o guardião da Gruta da Marota, o sr. Tetê e sua família]
Após despedirmos da Gruta da Marota, rumamos para um dos principais atrativos turísticos da Chapada Diamantina, o Poço Azul, em Nova Redenção. O Poço Azul é uma caverna onde está acessível o lençol freático, com águas impressionantemente cristalinas. Devido a sais minerais dissolvidos na água, comuns em lençóis de áreas cársticas, apresenta coloração entre azul e verde, sobretudo quando há incidência direta de raios solares, possibilitando um lindo espetáculo. 

No Poço Azul foram encontrados mais de três mil fósseis de animais (48 espécies identificadas), tornando-o o maior sítio paleontológico submerso do Brasil. Dentre estes fósseis, animais da megafauna como quatro espécies de preguiça terrícolas, um mastodonte (animal semelhante a um elefante), um pampatério (espécie de tatu gigante) e um toxodonte (assemelhado com um rinoceronte) . 

Com pagamento de uma taxa - que certamente vale cada centavo - temos acesso ao poço e a equipamentos para flutuação. O banho nas águas translúcidas do Poço Azul é uma experiência inesquecível e acesso é fácil (apesar de haver um trecho de estrada de chão com qualidade ruim). Saindo de Andaraí são apenas 46 km. 

[Preparativos para flutuação no Poço Azul - Nova Redenção/BA]
Após nosso almoço, caso fosse não bastante a beleza espetacular do Poço Azul, tivemos o prazer de conhecer um afloramento do lençol freático não por acaso chamado de Olhos D'Água, nas proximidades do Poço Azul. O banho neste lago de águas cristalinas é de lavar a alma.  E de alma limpa, a sensação foi de saudade antecipada. Aquela que nos leva a querer retornar tão logo seja possível.

_________________________________________________________________________________

Sobre os fósseis encontrados no Poço Azul, recomendamos o documentário abaixo, "O Brasil e a Pré-história - O Mistério do Poço Azul":


2 comentários:

  1. Parabéns pela postagem vou adicionar ao meu roteiro de viagem mais esta gruta linda e este lugar paradisíaco, a chapada e seus encantos...

    ResponderExcluir