Páginas

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Toca do Teodoro: Nova e fascinante descoberta no Brejão da Caatinga

Depois de mais de 10 anos explorando cavernas ainda me pergunto o que me impulsiona a ir pra debaixo do chão passar por experiencias de privação sensorial em um ambiente silencioso  e eternamente escuro. Um hobby que se tornou uma obsessão, e provavelmente como todas as obsessões leva a um círculo vicioso.

Uma parte da resposta a essa pergunta eu descobri na expedição de Julho, que inicialmente estava programada para ser uma topografia de uma importante caverna na região oeste do município de de Campo Formoso (Toca do Gonçalo). 

No entanto, no meio do caminho para  Toca do Gonçalo, paramos no povoado de Brejão da Caatinga. Lá encontramos com o professor de geografia do povoado. João é um jovem entusiasmado que ficou muito animado para nos mostrar as cavernas que ele andou explorando na fazenda do seu Teodoro situadas na localidade de Alagadiço do Brejão. 

Ao mudar completamente os planos de ir topografar para passar o dia explorando uma desconhecida caverna, lembrei-me, como os mistérios podem ser sedutores, o desconhecido é uma droga para imaginação. Até onde vai essa caverna? O que vamos encontrar depois daquela curva? Quem já teve a oportunidade de explorar uma caverna sabe que essas perguntas penetram fundo na nossa mente despertando uma fome insaciável depois de um único bocado.


Foto Oficial da expedição 07/15. Leandro, André, Ivomar, Josan, Lucas, João e Edson.

Aparentemente existem na fazenda do seu Teodoro, duas cavernas muito próximas, é possível que elas estejam conectadas, porém durante essa primeira visita não conseguimos encontrar uma conexão. 
A primeira entrada que exploramos batizamos de Toca do Teodoro I possui um calcário esbranquiçado e desenvolve por cerca de 50 m com teto baixo e condutos estreitos, chegamos a um único e pequeno salão que permitia ficar de pé, o salão estava povoado por uma colônia de morcegos vampiros com muito guano fresco, com sangue coagulado e um odor muito forte. Percebemos que ficaram um ou outro conduto mais largo e muitos condutos estreitos para se averiguar em outra oportunidade. Já era meio dia quando decidimos ir conferir o que chamamos Toca do Teodoro II, que segundo nosso guia João, era bem maior e mais interessante que essa primeira.
O formato típico dos condutos da Toca do Teodoro I. Estreitos de teto baixo. 


Realmente as expectativas foram atendidas, as entradas da toca do Teodoro II são pequenos abismos decorrentes do faturamento do calcário, existem três entradas uma do lado da outra, todas as entradas nos levam a um desnível abrupto e ao descer esse desnível nos deparamos com um enorme salão. Com muitos blocos no chão com aspecto esfarelado, o salão ganhou o nome de Salão Quebra-quilo. Quebra-quilo é o nome dado a um tipo de sequilho feito de tapioca.


Uma das entradas da Toca do Teodoro II

Uma parte do grande Salão inicial da Toca do Teodoro. o Salão Quebra- Quilo.


Logo em seguida ao Salão Quebra-quilo a caverna muda de morfologia, apresenta agora um conduto largo e com o teto mais baixo o piso repleto de material dedrítico de coloração cinza escuro e  granulometria grosseira.  Formando pequenos montes irregulares. A primeira vista parecia ser guano antigo. Porém, depois de um olhar atento descartamos essa possibilidade e pensamos em algo como inundações recorrentes. 

Detalhe do piso recoberto por pequenos montes de detritos granulares escuros. 


A caverna então começa apresentar condutos com muita infiltração e gotejamento, surpreendentemente, apesar da quantidade de água gotejando não há na caverna estalactites e estalagmites ao invés dos tradicionais espeleotemas o gotejamento esculpe estranhas formas feitas de uma material fino e negro semelhante a uma cerâmica feita de barro.


Curiosos espeleotemas com textura argilosa formados a partir do gotejamento, ao que parece ao invés da calcita a água goteja com impurezas que se acumulam nas paredes e pisos da caverna formando uma massa cinzenta e interessante.


A caverna muda mais uma vez de feição, passa agora a ser um longo ducto arredondado de teto a meia altura e com algumas bifurcações. A partir desse momento, passamos a percorrer a caverna com a sensação que chegaríamos a uma região alagada. Depois de rastejar por túneis que pareciam cheios de pontas de facas cortando nossos joelhos e cotovelos, chegamos a um local que ainda que de teto baixo era bem agradável, uma temperatura mais amena, as paredes ainda úmidas e um sedimento fino e macio no piso. A vontade era de ficar deitado ali por um tempo.

Os túneis com sedimento branco e macio e com um aspecto de recentemente alagado. 

Continuamos por mais uns 200 m e com a sensação de que a caverna é muito grande e vai exigir um esforço para registrarmos o seu mapa. Descobrimos a origem daquele sedimento branco e macio ao encontrar um trecho da caverna repleto de jangadas. Jangadas são uma pequena capa de calcita que fica flutuando sobre águas estagnadas ricas em carbonatos.  Como suspeitávamos aquele trecho da caverna é por algum período de tempo alagado. Como estamos na estação seca, a água recua e a jangada se acumula no piso.
Essa "nata" branca no piso são finas camadas de calcitas conhecidas como jangadas.


Já estava ficando tarde percebemos que há muito a se desvendar por essa fascinante e estranha caverna. Resolvemos sair da caverna e ir para a Toca do Gonçalo que estava a apenas 4 km dali.



Depois de alguns contra tempos paramos no meio da estrada para a Toca do Gonçalo a fim de avaliar uma depressão entre grandes blocos calcários. Parecia que a estrada formava uma ponte com uma depressão do lado e do outro. Dividimos o grupo em dois. Cada parte do grupo verificou um lado da estrada e quando retornamos ambos os grupos estavam animados para contar que encontraram cavernas. As cavernas encontradas tinham o mesmo padrão e seguiam para a mesma direção como se fossem uma só que fora interrompida. Ao que parece no passado era uma enorme caverna contígua e que seu teto entrou em colapso. Há potencial para boas descobertas no local. Precisaremos de um tempo e muito esforço pra contar quantas cavernas individuais podemos registrar naquele sistema que é bem próximo (1 km) a outro complexo sistema de cavernas ainda não conhecidas que é o sistema Peguenta.


A superfície calcaria que fica ao lado da estrada que liga o Brejão da Caatinga ao São Tomé. Mostrando as rochas fraturadas vestígios de um teto que entrou em colapso.

Do lado de baixo uma série de condutos interceptados por enormes pedaços de rochas que dão acesso a superfície.

Para fechar a expedição com chave de ouro descobrimos nessa mesma área um abrigo em que as paredes e tetos estão forradas por um magnifico painel de pinturas rupestres.


Uma grande diversidade de traços, cores e formas faz com esse painel seja um dos mais espetaculares que eu já vi  na tradição São Francisco.




Percebi como sabemos pouco sobre esses ambientes, e como me daria satisfação passar meses, anos, o resto da minha vida neste lugar até conhecer todas as cavernas, todos os salões e todos os detalhes de suas estruturas. 

Ao mesmo tempo esperamos que nunca venhamos a descobrir tudo, rezamos pra que haja sempre um mundo como esse a ser descoberto, um mundo não humano em que forças colossais moldam uma paisagem singular.




2 comentários: