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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

"O HOMEM NÃO SAIU DA CAVERNA E SE SAIU, DEVE VOLTAR" Uma crônica de Joana Santiago


Em todas as sociedades, sejam elas antigas ou novas sempre apresentaram uma admiração por algo, sobretudo pela natureza. Em tempos de Globo Repórter e National Geographic muitos de nós a observamos dentro de uma caixa de metal com vidro, e esquecemos de senti-la. O ser humano insiste em sentir com os olhos algo que somente o corpo em seus distintos sentidos pode tentar descrever... E assim começou a nossa aventura do dia 11 de outubro de 2015, um dia para entrar na história!

Com todos os afazeres que a vida nos cobra quase não nos resta tempo, interesse e coragem para admirarmos o simples e não só ver, mas enxergar tudo aquilo que está ao nosso redor. Será que se tivéssemos a oportunidade de entrar em uma máquina do tempo, voltar na História nós mudaríamos a nossa percepção de mundo? Pois é, voltamos à “pré-história” na Toca do Clóvis! 

Na entrada desse contato com o velho sentimos mesmo como quem se desligaria de um mundo “atual”, afinal, sem internet, sinal de telefonia... Corta-se o que mais nos marca atualmente, o poder de comunicação e uma viagem ao passado se inicia. Assim como os humanos “pré-históricos” fugiam para as cavernas de seus predadores e supostas ameaças, assim nos encontramos fugir da nossa realidade, esquecer naqueles instantes de qualquer dever exigido.
A caverna Clóvis a beira da pista. " a estrada vai além do que se vê" 


O primeiro impacto é a ausência de luz, “toda vez que falta luz o invisível nos salta os olhos”, em um mundo com diversas formas de luz além de marcada como uma sociedade pós-iluminista... Voltar às trevas não é nada agradável, o estranhamento do local e o incomodo do corpo treinado para inércia, já são capazes de assustar (Ingrid) ou apaixonar (Laís) qualquer um.
Continuando o trecho sujo, quente, apertado e escuro, nos deparamos com a presença do passado dialogando nitidamente com o presente, diversos fósseis são encontrados por todos os espaços da caverna, dentes, crânios, ossinhos e fezes (dos fósseis o que mais me encantou), nossa equipe de paleontólogos (Mário Dantas, Márcia Cristina e Laís Alves) é responsável por fazer toda análise, estudo e recolhimento de material.

longe do mundo com diversas formas de luz além de marcada como uma sociedade pós-iluminista "O invisível nos salta os olhos"


Enquanto isso, a equipe de topografia (André Vieira, Mateus Henrique, Marcos Silva, Ingrid Azevedo– Burrinho do Shrek e Joana Santiago) os pseudo historiadores topógrafos amadores se arriscam na tentativa de ajudar. “Qual a distância? 27... Não! 10, não! 7”. Nesse momento o que antes era Bob, se tornou Mestre dos Magos, nosso querido fotógrafo sumiu... Para quê? Dormir!
Se locomover para a maioria era complicado, corredores estreitos, pequenos e às vezes desnivelados dificultava, (para pessoas pequenas nem tanto), entre corredores e corredores, chegamos a uma área maior, o rastejo fora necessário para medir algumas distâncias e nesses rastejos a quantidade de pó inalado nos levou a batizá-la como Salão Narcos (esse povo de humanas...). Além do incomodo geográfico, o incomodo da disputa entre espécies também existiu, a luzes incomodavam os pobres morcegos e os pobres morcegos incomodavam os pobres mortais, roubando até beijo.


Nos corredores estreitos com um fóssil na mão.


Pó inalado, Salão batizado, “fósseis” de bode encontrado, podemos sair da caverna agora com um olhar diferente, olhando com o corpo. A sensação quando se sai é de como se estivesse na alegoria de Platão, ver a luz e um mundo totalmente diferente do lado de fora. Entretanto, eu encararia essa primeira experiência como uma alegoria ás avessas, o ser humano precisa retornar a caverna, voltar a escuridão e novamente compreender a realidade que o faz esquecer o que já foi, o que é e o que possa chegar ser.

 " em uma alegoria ás avessas o ser humano precisa retornar a escuridão..."


Depois de uma pequena parada para almoço nos deslocamos para continuar nossa aventura, dessa feita a procura de um fóssil de tamanduá situado no Salão Caatinga na Toca da Barriguda. Agora mais que nunca, podemos ter um contato mais íntimo com nosso passado e o que nos tornamos. Não que ali houvesse alguma pintura rupestre, achado arqueológico ou fóssil humano, mas ali se encontrava a metáfora perfeita para a vida humana. 

Todos preparados, carros estacionados, discussão sobre jujubas encerrada... Segue-se até, ops... Estavam seguindo os calouros espeleólogos sabe-se lá para onde.  Retornando a trilha correta a expectativa começa a aquecer assim como o a temperatura da boca da Toca, a apreensão e o medo de alguns começam a manifestar-se. Logo começamos a ouvir o nosso Burrinho do Shrek reclamar da temperatura, da terra, do escuro... Correndo o risco de ser a caruara da expedição, o medo e o cansaço estavam explícitos em sua feição, o que deixava o resto do grupo preocupado, afinal nem imaginara o que ainda iria enfrentar...


Como falei diversas analogias poderiam ser encaixadas naquela caverna, a primeira que posso destacar é se mover, sair da inércia. Durante a pré-história quando o homem/mulher começa a se locomover no espaço para sua sobrevivência, vai enfrentando diversos obstáculos um dos maiores, a escuridão, assim como nosso, daí onde mais uma vez percebemos que algo tão comum foi tão valioso e importante pro nosso desenvolvimento. A guerra pelo fogo, resumida em uma bateria recarregável. O calor era imenso, sensação de sauna ou o começo do Inferno como no de Dante, dividido em estágio, e após passar por alguns espaços como o Salão da Árvore, onde podemos fazer uma analogia ao princípio do homem para o cristianismo e início de nossa aventura.



"A guerra pelo fogo resumida em uma bateria recarregável"

Depois de alguns minutos de caminhada e recolhimento de fosseis, chegou a hora do primeiro estágio do Inferno de Dante, hora de demonstrar coragem ainda mais com o burrinho falando sem parar... O primeiro obstáculo o Lobo Deitado, deixou todo grupo na expectativa se o burrinho caruaria ou não, passam todos do grupo esperando ver a demonstração de coragem de Ingrid, a apreensão do momento fora como de um parto todos encarando a abertura e não é que o burrinho nasceu! Nasceu e renovou-se de coragem, era o primeiro e mais simples dos obstáculos a partir de então, a caverna é encarada com mais seriedade ainda mais em saber que só haveria a mesma saída. Passou-se o abismo e janelinha, dito para nós como os piores. 
"Os obstáculos encarados como os estágios do inferno de dante"

Para nós o Inferno terminara ali, mas para nossa surpresa, ou para minha, depois de algumas andanças ainda encontraria o que para mim foi encontrar com o Diabo. Descobrir os que nos deixa fracos e estar de cara para isso, nos faz perceber que os medos são para serem enfrentados. Se o ser humano não tivesse a coragem de ter lutado pela sua sobrevivência no passado milenar, onde estaríamos agora? Enfrentar a altura de 8 metros (nem tão alto assim) foi realmente a personificação, para mim, de coragem. Afinal, eu não chegara até ali pra desistir agora. 

Passado esse momento, o anseio dos paleontólogos em encontrar seu valioso tamanduá era de como nossos ancestrais a procura de alimento. Chegamos ao Salão Caantiga como zumbis, exceto Lais, se fosse realmente uma luta por sobrevivência ela quem espalharia descendentes sobre a terra. A euforia era inversamente proporcional a de Márcia, mesmo feliz em encontrar o tamanduá, o corpo gritava descanso
- Porque foi morrer, tão longe tamanduá?

Enquanto isso, Ingrid depois de tanto ter sofrido em sua chegada, sabia que o motivo só podia ser um! Apenas um! Os males cósmicos e tem a brilhante ideia de se proteger com incenso, e sim,  ela acendeu esse incenso!  

Não satisfeito com a alegria dos paleontólogos André ainda acende uma chama de esperança falando sobre a possível existência de fóssil de um felino. Enquanto uns dormiam, fomos a procura de mais um tesouro não o encontramos, mas o que os olhos foram capazes de ver e o corpo capaz de sentir foi inimaginável. 

Depois de tanta terra, pedra, calor e cansaço, entrar em um Salão com verdadeiras arquiteturas que nem Niemeyer em sua genialidade poderia sonhar em fazer, foi como um renovo, um local totalmente branco e modelado por mãos de deuses, agora entendo os gregos seu amor a estética divina. Como não se apaixonar... Entre aqueles rochedos exuberantes capazes de calar qualquer voz, a própria caverna grita. As estalactites sensíveis ao toque transmitiam sons reinventados por homens, e claro, nunca se comparará ao natural.
" arquiteturas que nem Niemeyer poderia sonhar"

Como se não fosse perfeito já se encontrar em um verdadeiro céu subterrâneo, entre a branquidão de nuvens que não eram de algodão a magnitude ainda estava por vir, mal imaginávamos que estaríamos a dois passos do paraíso.
 Um pedacinho do céu no mais profundo do chão, tudo começava no Salão da Árvore remetendo ao Éden, passava pelo inferno e ali estávamos no céu. Chegamos até o chamado chão de estrelas, uma poça de água dourada ao centro e ao redor cristais de selenita, fazendo imaginar a descrição do céu cristão sobre as ruas de ouro e mar de cristal. Selenita, nome derivado de selene, deusa grega da lua, somente associando a divindades para explicar imensurável beleza que a natureza possuíra. Como diria Cássia Eller, “explicação, não tem explicação, explicação não tem, não tem, não tem explicação”

'Um céu de estrelas no chão profundo... ruas de ouro em um mar de cristal"
"Selenita, nome derivado de selene, deusa grega da lua, somente associando a divindades para explicar imensurável beleza que a natureza possuíra". Como diria Cássia Eller, “explicação, não tem explicação, explicação não tem"...

Depois de um momento naquele céu vívido, conseguimos coragem o suficiente para voltar, ali embaixo para mim, já não importava o tempo. Retornar ao imaginário de “homens da caverna” sem noção de temporalidade foi uma experiência física e psicológica que jamais será esquecida. Estar naquela caverna valeu todo suor sagrado e cansaço, as surpresas naturais ainda não haviam se esgotado, ao sair daquele universo subterrâneo nos deparamos com um tapete de luzes inenarráveis, umas estrelas de brilho raro um disparo para o coração! Com certeza o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu. E como Ícaro, seria impossível não ir longe e exageradamente em tamanha perfeição. Por fim, toda dor no corpo foi válida, afinal se por acaso doer demais é porque valeu. 


" o céu de ícaro tem mais poesia que o de Galileu" Foto da constelação de Órion tirada após a caverna a foto não dá ideia do que nossas mentes presenciaram.

Infelizmente, assim como nossos ancestrais, ficamos desprovidos de imagens (nosso fotógrafo dormiu demais). Mas parafraseando Adélia Prado, o que a memória ama fica eterno amei aquele momento com a memória imperecível.
 Joana Santiago

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2 comentários:

  1. Parabéns pela crônica, muito bem elaborada e nem um pouco cansativa, senti particularmente uma vontade de conhecer o lugar.

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