– “Visita Interiorem Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem”
- Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta.
Essa simbólica e misteriosa frase, utilizada por medievais e renascentistas remete a uma realidade intra-terrena. Diversas sociedades divulgaram o conhecimento desse reino oculto, afirmando que ele é tanto espiritual quanto físico e que é habitado por seres superiores. Isso provocou expedições em busca do “horizonte perdido” ou” viagem ao centro da terra”
De acordo com o mito das cidades perdidas, existem duas grandes aberturas nos polos de nosso planeta por onde o acesso seria mais fácil. Porém existem também outras entradas através de grandes cavernas que poderiam levar à civilização intraterrestre.
Ensina a tradição que é preciso muito mérito e evolução para passar das cidades mais próximas a superfície (60 a 90 km de profundidade) até atravessar sete enormes cavernas que se ligam a uma oitava e gigantesca galeria subterrânea que dá acesso à cidade de Agartha, cuja capital é Shamballah, governada pelo rei e Senhor do mundo- Sanat Kumara.
O mapa com os portais para o mundo intraterrestre. Entre o portal do Mato Grosso e o de Manaus tem uma cidade de cavernas. Será que a Toca da Boa Vista dá acesso a essa cidade?
Obviamente que não há evidencia pra tais mundos intraterrestres. As pessoas tem um apetite natural por mitos e superstições, elas ficam maravilhadas com o mistério e as respostas fáceis. Porém, tanta coisa na ciência é igualmente emocionante, mais misteriosa, um estímulo intelectual muito maior. E existe uma ciência própria pra investigar o mundo subterrâneo ela é chamada Espeleologia.
São esses homens e mulheres (espeleólogos), que revelam através de evidencias, mundos reais que superam os contos, fábulas e as fantasias mais audaciosas contadas nos mitos.
Às vezes esses espeleólogos se encontram pra debater ideias, disseminar os conhecimentos, discutir os métodos para evoluir essa ciência – são os congressos e encontros de espeleologia. Outras vezes, os encontros são simplesmente para por tudo isso em prática penetrando fundo no interior da terra a fim de confirmar as teorias e fazer novas descobertas. É nesse sentido que foi criado na “paris baiana” o encontro chamado de espeleoamigos.
Cartaz /convite para o V espeleoamigos (2016).
Em 2016, pela primeira vez o encontro sai da cidade de Paripiranga e reúne os espeleologos na cidade de Campo Formoso no norte da Bahia.
Durante o V espeleoamigos tivemos a oportunidade de penetrar fundo na maior caverna do Hemisfério Sul – a Toca da Boa Vista (TBV). E literalmente conhecer outros mundos.
Devido ao seu tamanho e principalmente as marcantes mudanças de feições geológicas a TBV é dividida em mundos. Daí temos registrados no mapa topográfico: o Além mundo, o Terceiro mundo e o Fim de mundo.
Preleção- explicando a TBV e cada "mundo"
Um desses mundos – o Terceiro mundo- a gente chega atravessando a estreita passagem chamada de ‘fechadura’ essa área geralmente o teto é baixo, e com muitas ramificações e aberturas e nem todas essas rotas estão registrados nos mapas feitos desde a década de 80 e até hoje incompletos.
A equipe de topografia do espeleoamigos na expectativa de "fechar as meiucas" de antigos mapas topográficos.
Então uma equipe foi designada para fazer a topografia de uma dessa passagens ainda não visitada pelo homem. Nesse levantamento espeleotopográfico a equipe busca representar o arranjo geométrico das rotas subterrâneas e as feições internas da caverna, a equipe mede ângulos, distancias e fazem desenhos de campo.
A missão seria encontrar o salão do ralador e a partir dele mapear as novas galerias e quem sabe até descobrir um novo ambiente para batizar de salão do espeleoamigos.
Bom, essa era a expectativa. A realidade é que depois de muita terra, terra, terra, sobe e desce e terra e terra e terra, arrastas e rala e mais terra. Oito horas se passaram e nada de achar o tal salão do ralador.
Elvis e Fernando incansáveis na busca pelo salão do ralador.
Elvis e Fernando incansáveis na busca pelo salão do ralador.
Enquanto isso, outra equipe seguia em direção ao Fim de mundo. O mundo mais distante a partir da entrada. A principal tarefa desse grupo liderado por Mário Dantas, André Vieira, Estevan e Leonardo Morato, era buscar respostas sobre como era o passado distante.
Através de fósseis que habitaram o local em eras geológicas passadas é possível reconstituir ambientes e paisagens, além de , conhecer a idade dos estratos rochosos.
A equipe de paleontólogos trabalhando.
E depois de muita transpiração até chegar ao fim de mundo, mais mortos do que vivos, encontramos enfim, um esqueleto de um felino que há muito habitou essas terras e que agora jazia sobre uma camada fina de calcário. Através das marcas deixadas nos seus ossos os cientistas agora podem deduzir como eram as condições quando ele morreu e de que forma ele foi transportado até esse local. E principalmente as relações ecológicas e evolutivas com os parentes viventes ainda hoje nas Américas.
Detalhes do material fossilífero que será analisado posteriormente para identificação da espécie e do nicho ecológico.
Outra ciência que se fez presente no evento foi à arqueologia. Diante da ilustre presença do arqueólogo Elvis Barbosa tivemos a oportunidade de analisar o sitio da Gruta do Sumidouro, e procurar por vestígios deixados pelos povos que viviam no passado, e pintaram as paredes da caverna que lhe servia de abrigo ou habitação.
Elvis. explicando como a ligação homem e caverna remonta a pré-história, em uma época que o homem era presa e não predador dominante da natureza.
Mas, nem só de ciência vive a espeleo! Ela é também aventura, e se aventurar pela maior caverna do Hemisfério Sul é para um espeleólogo o equivalente a escalar o Aconcágua para um alpinista.
"Fácil é caminhar para baixo do Averno
A porta de Hades permanece aberta noite e dia.
Mas remontar os passos até o ar celeste,
Aí há dificuldade, e árdua labuta."
Abismo no Fim de mundo- onde foi encontrado o fóssil.
Não foi fácil, ninguém achou que seria. Mas, como disse certa vez um poeta - “os dispostos se atraem” nenhum medo deixamos de enfrentar e tantos segredos agora podemos revelar.
Salão Quadrado. Toca da Boa Vista 2016.
Se os verdadeiros intraterrestres são os espeleólogos, então, podemos dizer que o grande governador encontrado nas profundezas do mundo interior chama: AMIZADE.
A amizade que dá força e inspira, quando as pernas não obedecem mais o comando do corpo;
A amizade que torna a maior caverna do Brasil um mero detalhe em meio a isso tudo;
A amizade que nos deixa ansiosos para que chegue logo o próximo encontro.
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