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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Aquífero cárstico do Pacuí: Um tesouro subterrâneo no semiárido baiano.


Fico admirado com a nossa cegueira em não perceber tamanha riqueza embaixo de nossos próprios pés. Um rio subterrâneo, em uma região castigada pela seca é muito mais valioso que qualquer pedra preciosa.  Eu diria que é estratégico! Apesar disso, esse valioso recurso natural vem sendo utilizado de forma desordenada e pode está se deteriorando devido ao escoamento de pesticidas, fertilizante e esgotamento sanitário.


Visão do vale do Salitre em processo de desertificação. 

Tão importante quanto à quantidade de água que tem  um aquífero, é a qualidade dessa água. Aproveitando que a pesquisa que desenvolvia no Mestrado envolvia análises químicas da água do rio Salitre, resolvi usar os dados referentes à sub-bacia do rio Pacuí para avaliar a qualidade da água subterrânea nessa região. Entre 2015 e 2016 coletamos água em cavernas, poços e rios  na área calcária da sub-bacia.  Um resultado preliminar dessa analise foi publicado no 34º Congresso Brasileiro de Espeleologia, e será aqui resumida. 


Pontos de coleta da área do baixo Pacuí.

A análise que foi feita na água subterrânea do Pacuí procurou observar a concentração de dois principais grupos de substâncias dissolvidas na água. O grupo de substâncias relacionadas à rocha, que são: O cálcio, o magnésio e o bicarbonato; E o grupo de substâncias relacionado ao uso do solo, que são: O nitrato, o cloreto e o sulfato . 

Analisando os resultados no que diz respeito à profundidade, coletamos água na superfície (nascente), subterrânea rasa (Toca do Pitu) e subterrânea profunda (Poço Buraco) e o resultado sugere que á água da localidade de Pacuí  é classificada como bicarbonatada cálcica que é característica de regiões calcárias. Apesar de ser uma água dura (isto é, não faz espuma e pode recristalizar entupindo tubulações) as análises mostraram se tratar de uma água de ótima qualidade com baixas concentrações daquele grupo de substâncias relacionado ao uso do solo e que podem ser consideradas poluentes a partir de certa concentração.

 O perfil geológico mostra que o aquífero se encontra em rochas carbonáticas, o que justifica as altas concentrações de bicarbonato e cálcio nas águas do Pacuí.

Análises dos parâmetros físicos e químicos na água da nascente.

Nas proximidades do povoado de Pacuí fica a zona de descarga do aquífero, isto é, onde a água ressurge do subterrâneo formando uma nascente. À medida que nos distanciamos da nascente e seguimos o fluxo do rio até ele se encontrar no rio Salitre no povoado de Abreus, notamos uma deterioração da qualidade da água. Especialmente, o aumento das substâncias como: Cloreto e nitrato, intimamente associadas a poluição por esgotamento sanitário e fertilizantes. 


Comparação entre a uma água mineral e a água do aquífero no Pacuí.

Variação da composição química da água em trecho a jusante a nascente.

Variação na composição química da água subterrânea a jusante da nascente.

Observamos que a salinidade aumenta gradativamente tanto nas águas superficiais (rio do Sumidouro e na Ponte de Abreus) quanto nas águas subterrâneas (Toca do Martiliano e  Toca do Cesário).

Trecho do rio Pacuí, com seu leito tomado pela planta tabua. Ao fundo a Toca do Martiliano.

Trecho do rio Pacuí atravessando uma das Pontes do Sumidouro.

Outra observação desse trabalho é que comparando as amostras coletadas na estação seca com as da estação chuvosa, percebemos que o efeito da diluição devido a infiltração de água das chuvas foi maior na região da Toca do Martiliano, indicando que nesse sistema há uma outra fonte de recarga de água, diferente da região de Pacuí.

O diagrama mostra a variação da concentração dos íons entre as estações. Para as águas superficiais observa-se que os íons aumentam suas concentrações na estação da chuvosa. Com destaque para o nitrato (NO3) na região de Abreus. 

Para as águas subterrâneas o diagrama hidroquímico mostra que na Toca do Pitu (TP) os íons aumentaram levemente sua concentração, para a Toca do Cesário (TC) aumentaram significativamente as concentrações e para a Toca do Martiliano (TM) houve diluição dos íons entre a estação seca e a estação chuvosa.

Aparentemente a Toca do Martiliano tem um ponto de recarga diferente dos outros pontos do aquífero. Suspeitamos que á água da Toca do Martiliano tem origem a partir da água que desce da serra do Queixo-Danta e passa pela Lapa do Convento que é conectada hidraulicamente com a Toca do Martiliano. 

A imagem mostra o mapa do convento sobreposto com a foto de satélite e embaixo um detalhe com os dois mapas sobrepostos, Martiliano e Convento , indicando que é possível uma conexão hidráulica entre as cavernas.

Foto de 2017 da entrada da Toca do Martiliano apresentando uma motobomba para retirada de água.

Comparando as águas superficiais com as águas subterrâneas encontradas nas cavernas nota-se que as águas encontradas nas Tocas são menos salinizadas. Apesar de concentrações elevadas como por exemplo  (86mg/L)  de cloreto no Sumidouro; Ou  (61 mg/L) de sulfato no Abreus, esses valores ainda estão abaixo do que seria considerado poluente pela legislação. Porém, o grande vilão é o nitrato. A maioria dos pontos amostrados apresentam concentração de nitrato acima do que é permitido pela legislação para água ser considerada potável. A legislação estabelece (10mg/L) de nitrato para água potável e foi encontrado valores de (17mg/L) na Toca do Martiliano e até (44 mg/L) na Toca do Cesário. E esse nitrato que está infiltrando no aquífero, repito, é de origem relacionada a atividades humanas, sobretudo da agricultura. 

Entrada da Toca do Cesário, a água nessa caverna apresentou os maiores níveis de nitrato.

Rio Pacuí na Ponte Abreus, ponto onde a água superficial atinge os maiores valores de salinidade.




O consumo de água com alta concentração de nitrato pode provocar a doença do bebe azul em recém-nascidos com menos de seis meses. Nitratos reagem com a hemoglobina e produz a metahemoglobina que não é capaz de transportar oxigênio. Os sintomas da Síndrome do bebe azul incluem pele azulada (" cianose "), diarreia, vômitos e falta de ar . Outros sintomas incluem fadiga, letargia extrema , baixo ganho de peso , dificuldade para comer e um sopro no coração.


A legenda diz água limpa para mim.

Plantações de cebola no vale do Pacuí, fertilizantes e pesticidas nessas plantações são fontes poluentes do aquífero.

Se continuar da forma que está, em poucas décadas  a escassez de água potável será um grave problema em todo o vale do Salitre, portanto, é necessário uma urgência na adoção de planos racionais de gestão do recurso hídrico, gestores e comunidade precisam abrir os olhos e enxergar que estamos transformando um tesouro em um veneno. 



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