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sábado, 9 de setembro de 2017

Expedição Tabua: O susto do Smeagol



O protagonista dessa crônica tem o nome imponente de Mathaus Dartagnan!

O jovem Mathaus foi contaminado pelo vírus da espeleo no inicio deste ano quando ainda era estudante do curso de edificações no Instituto Federal em Petrolina- PE. Durante a ocasião, ele teve a oportunidade de participar de uma visita técnica na Toca da Barriguda e Gruta do Sumidouro em Campo Formoso e a partir daí, já estava convencido que queria participar das expedições espeleológicas realizadas pela SEA.

Estava tudo certo para estreia de Mathaus no grupo acontecer na expedição de julho, mas, infelizmente a expedição foi adiada de meados de julho para o final de agosto, aumentando ainda mais a ansiedade do novato.

Durante a semana que antecederam a expedição, Mathaus era o mais entusiasmado, o tempo inteiro mandando mensagens.

- Mestre, Mestre? Tá tudo certo pra expedição?

- Tudo certo, Mathaus. Porém, você terá que ir de ônibus pra Senhor do Bonfim e nos encontramos lá.

- Não tem problema, Mestre. Já vou comprar minha passagem agora!





Véspera da expedição e a exemplo do que aconteceu em meados de julho, houve desistência em massa. Teria que cancelar a nossa visita ao subterrâneo. Mas, como avisar ao empolgado novato que teria que adiar mais uma vez? Já estava quase ligando pra avisar do cancelamento da expedição, quando me lembrei do Aspira.

Emerson Cajado, vulgo, “Aspira” participou de expedições importantes no final de 2015 e começo de 2016, mas, estava desaparecido das nossas atividades cavernícolas. No entanto, como a cidade onde ele se esconde (Caem-BA), é caminho para o nosso destino, resolvi em cima da hora perguntar a Aspira se ele interessava em voltar a ativa e ir conhecer uma nova área com potencial para explorações! Ele prontamente me respondeu positivamente.

Mathaus tinha saído de Petrolina às sete da manhã e chegou em Sr. do Bonfim antes das nove, eu o encontrei na rodoviária e partimos para Caém, paramos rapidamente na casa do Aspira e seguimos para almoçar em Ourolândia. A viagem foi tranquila e como ainda estávamos com tempo resolvemos fazer um turismo no Poço Verde, que é uma dolina onde ressurge a água do aquífero formando um lindo lago de água verde - azulada e que fica próximo ao povoado de Tabua, nosso destino final.


Aspira, Mathaus e Eu, em uma "self " do aspira no Poço Azul.



Chegamos ao povoado de Tabua antes das três da tarde e lá, já esperavam pela gente: O polivalente Erickson Batista e o Danilo, que mais tarde descobríramos é um cover de Raul Seixas.

Erickson (fotógrafo, músico, geógrafo, espeleólogo e nas horas vagas funcionário dos correios) era o nosso anfitrião e assim que chegamos, ele nos informa que estava tudo certo para o pernoite na propriedade de seu cunhado.

Aproveitamos o final da tarde pra fazer nossa primeira exploração. Seria na Toca do Carlito! Eu já tinha visitado a caverna antes (durante as pesquisas do Mestrado) e sabia que lá habitava um interessante organismo pra gente fazer o registro fotográfico.

A caverna é predominantemente vertical, o acesso é feito com o auxilio de duas escadas: A primeira é de madeira com cerca de 5 metros, apresenta alguns degraus quebrados e outros que rangem dando uma sensação de insegurança a cada passo. A segunda é de ferro, apesar de bem mais segura que a primeira, intimida um pouco pela altura de aproximadamente 10m. Eu fui o primeiro a descer e logo em seguida vieram Mathaus, Danilo, Erick e Aspira. Fomos direto procurar o local onde tem a água pra encontrar e fotografar um pequeno crustáceo que é exclusivo da água subterrânea.


Foto oficial da Expedição na entrada da Toca do Carlito. Da esquerda para a direita: Mathaus, André, Emerson "aspira" Danilo e Erickson.

Descendo a primeira escada na Toca do Carlito


Os animais que são exclusivos do ambiente subterrâneo podem ser chamados de Troglóbios (Troglo = caverna ; bio = vida) quando são terrestres e Estigóbios (Estigo = escuridão; bio = vida) quando são aquáticos. O crustáceo que fotografamos na Toca do Carlito é um exemplo de animal estigóbio, que são caracterizados pela ausência de olhos e pigmentação quando comparados com seus parentes externos. Vulgarmente o crustáceo é conhecido como “pitu” e cientificamente ele ganha o nome de Spelaeogammarus trajanoae. O Spelaeogammarus trajanoae já foi descrito antes, porém apenas para cavernas de Campo Formoso. Portanto, esse é o primeiro registro da espécie para essa região.




Detalhe do delicado crustáceo fotografado caprichosamente pelo Erickson Batista.

Após o registro do crustáceo, exploramos os poucos metros que possui a caverna e nos distraímos tentando encontrar alguns ossos levemente recobertos por sedimentos na parte oposta onde aflora o lençol freático.




Entre os ossos que encontramos no Carlito estava esse crânio, provavelmente de uma pequena raposa.

Visão do abismo da Toca do Carlito, Várzea Nova- Ba.


Saímos da Toca do Carlito e ainda era claro, aproveitamos para prospectar a área em busca de novas cavidades e acabamos encontrando algumas pinturas rupestres.



Paredão nas proximidades da Toca do Carlito, onde registramos algumas pinturas rupestres.

À noite, tivemos um luau animado ouvindo Danilo cantar todo seu repertório de Raul; Aproveitamos para comentar como seria a cavernada do dia seguinte: Programamos a Toca da Jurema, uma caverna tecnicamente difícil principalmente por sua característica vertical. Comentei que minha preocupação era que estávamos apenas com uma escada própria pra espeleologia, mas que não estávamos com equipamento para vertical ( cordas, ascensor, freios etc ) e que iria precisar de alguém que soubesse sobre nós pra fazer uma ancoragem na escada. Mathaus comentou que não seria problema, pois quando mais jovem era do grupo de desbravadores da igreja Adventista e tinha familiaridade com amarrações. Tudo OK. Vamos combinar de sair às sete da manhã.







Ainda estava escuro quando fui acordado abruptamente:

- Mestre, Mestre .. Já estou pronto!

Era o ansioso Mathaus que mal dormiu, sonhando acordado com a Toca da Jurema.

Enquanto caminhávamos em direção à entrada da Toca da Jurema, eu resenhava com a turma como estava com sono por ter sido acordado tão cedo. E Danilo, ouvindo a história, perguntou:

- Quem é um personagem do cinema que fala assim: ‘”Mestre”?

- É o Smeagol da trilogia do Senhor dos anéis, alguém respondeu.

Todos riram e assim nasceu o apelido espeleológico de Mathaus, doravante: "Smeagol".

Tendo uma estreita fenda entre duas rochas como a entrada principal, a Toca da Jurema, assusta logo na entrada. No entanto, a entrada é apenas o aperitivo, são 50 metros de descida em um terreno de sedimento solto, em que a todo tempo temos a sensação que tudo vai desabar sobre nossas cabeças.

Eu fui o primeiro a entrar e esperar em uma pequena plataforma na rocha pra que Danilo e Smeagol fizessem os nós com uma fita em uma árvore que cresce entre a fenda da entrada. Essa fita servia de ancoragem pra prender a escada que alcança 10m. Tudo feito, jogamos a escada abismo abaixo.

- Quem faz os nós é o primeiro a descer, brinquei!

- Não Mestre, fiz os nós, mas não quero ser o primeiro, respondeu Smeagol.

Detalhe da entrada da Toca da Jurema. Várzea Nova- Ba.

Self do Smeagol, mostrando o momento em que jogava a escada abismo abaixo.



Fiz a descida com cuidado e notei que a escada não chegava a um local que poderíamos chamar de piso, teria que descer uns 3 m escalando para chegar em uma nova plataforma de rocha estável. Avisei que o caminho estava limpo para o próximo descer, e logo em seguida estava o Smeagol fazendo sua descida com relativa facilidade.

O próximo a descer foi Danilo, que não ficou tão tranquilo na parte entre a escada e a primeira plataforma. Danilo acabou assustando ainda mais o Erick e o Aspira que estavam apreensivos do lado de fora da caverna, observando tudo através da fenda. Danilo chegou na plataforma onde estávamos e nos contou que Erick e Aspira não desceriam! Pensei em abortar e voltar para tentar outra caverna nas redondezas. Mas, Danilo e Mathaus (smeagol) me convenceram a tentar ir até o final. Avisamos aos que não entraram que esperassem pela gente por mais ou menos uma hora, e que se passasse disso, que providenciassem um resgate.

Conseguimos chegar ao final da Toca da Jurema, depois de muita adrenalina! A técnica era procurar por entre blocos abatidos, aqueles que conseguiam suportar nosso peso sem rebolar ladeira abaixo. Chegando ao final, avistamos uma área mais úmida que estava com o piso recoberto por uma fina camada branca de calcita que dava uma aparência charmosa ao local, também avistamos duas pequenas poças onde observamos os mesmos crustáceos que vimos na Toca do Carlito. Uma pausa para o lanche, fizemos uns vídeos no celular para a posteridade e vamos voltar para a superfície antes que Erick e Aspira fiquem preocupados.



 Danilo tentando encontrar o melhor caminho para transpor o complicado abismo de blocos soltos da Toca da Jurema.

Detalhe de um dos locais onde a rocha forma uma pequena plataforma estável.

Na hora de voltar, Semagol se voluntariou para escalar primeiro. E eu equivocadamente acabei permitindo. A subida de Smeagol acarretou em um dos maiores sustos que já tive nos últimos anos. Era preciso dar um espaço de tempo entre a subida de cada um, isso porque, o desabamento de pequenos blocos inconsolidados era algo inevitável durante a escalada. Enquanto o Smeagol subia, Danilo e eu ficamos abrigados em um pequeno recuo na rocha.

Menos de 5 minutos após a subida de Smeagol ouvimos o barulho de sedimento escorregando, eu sai do abrigo e me aproximei do local onde começava a escalada para perguntar se estava tudo bem. Gritei umas duas vezes e quando já me preparava para subir um degrau e tentar contato visual ouvi o barulho estrondoso de um grande bloco rebolando ladeira abaixo. Rapidamente retornei para o abrigo onde Danilo me aguardava com as mãos na cabeça e semblante de pânico. Tivemos claramente a sensação de ouvir algo macio caindo junto com o barulho dos blocos se despedaçando.

- Ele caiu! Sussurrou assustado o Danilo.

Uma queda naquela lugar era fatal, não apenas pela altura, mas pela quantidade de rochas pontiagudas sob a qual ele cairia e principalmente sobre a avalanche de blocos que cairia em cima do seu corpo.

Assim que cessou o barulho de sedimento caindo, saímos do recuo e começamos a chamar por Mathaus e só sossegamos quando ouvimos aliviado , ele falar que estava tudo bem, e que tinha seguido pelo caminho errado.

Sem mais sustos, seguimos cautelosamente até a escada e ainda no esquema um a um saímos ofegantes e adrenalizados da Toca da Jurema. Apesar disso, encontramos Erick e Aspira completamente frustrados por não terem feito a descida. Para que eles não ficassem sem uma cavernada no domingo, decidimos ir até a Toca dos Ossos em Ourolândia, e assim finalizamos a expedição contemplando os condutos mais fáceis dessa importante caverna da cidade de Ourolândia.


Lindas fotografias da Toca dos Ossos feitas por Erick.


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