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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O BRILHANTE RETORNO DAS AVENTURAS SUBTERRÂNEAS- Uma crônica de Leonardo Bamberg

 Após vários meses sem expedições em virtude da pandemia do coronavirus, finalmente organizamos nossa expedição de retorno. Com o decréscimo no número de casos Covid19 e a abertura dos espaços públicos, pudemos traçar a rota que nos guiaria à próxima aventura. O destino era o povoado do Mulungú, situado no interior de Campo Formoso - BA, onde haviam duas cavidades inexploradas. Após algumas reuniões virtuais, montamos o roteiro a ser trilhado.

- Saindo de Petrolina: André, Bamberg, Eugênia, Brenda e Jéssica

- Saindo de Salvador: O casal Fabio Galo e Cristina

- Saindo de Caem: Emerson Cajado, embarcando Juliano (Juliboy) em Pindobaçu

- Saindo de CF: Josan (J) e sua esposa Adriana, acompanhados de Jorgean (Demolidor)  

O ponto de encontro de todos os grupos seria no povoado de Lage dos Negros, localidade já referência à desbravadores dos segredos subterrâneos escondidos nessa região emblemática, perdida no grandioso e amado sertão baiano.

Partimos de Petrolina por volta das 08h da manhã em busca de nossa aventura, tendo André na direção do SEA móvel e o rockroll fazendo a trilha sonora. Como estávamos adiantados em relação aos demais, André optou por garantir pelo menos uma cavernada e nos levou para conhecer a Gruta do Cesário, bastante acessível no nosso trajeto. A caverna, apresenta um longo conduto sinuoso e de diâmetro variável, sem salões ou claraboias até onde conhecemos e presença de água em seu interior. Fizemos algumas fotografias e retornamos já combinando que esta caverna seria destino de uma futura expedição, objetivando realizar sua topografia e conhecer a sua total extensão.

Seguimos para o povoado de Lage dos Negros, onde chegamos perto do meio dia. Depois de almoçar, encontramos o restante do grupo. Um alívio poder rever os irmãos de espeleo. Tendo garantido a janta e embriaguez da noite num mercadinho local, voltamos a estrada. Pausando em cada lugarejo para Josan cumprimentar velhos conhecidos e possíveis eleitores. Nossa última parada foi no povoado do Mulungú, onde encontramos com Manelão e seu genro Ítalo (quem falou com Jorgean sobre a existência da gruta). Já orientados sobre a “proximidade” da fazenda do Popó e “boa estrada” que encontraríamos, embarcamos ítalo e partimos para nosso destino final. Realizamos o percurso de quase uma hora num tapete encrustado de pedregulhos. O SEA móvel sofre👀

Encontro no Mulungu- Da esquerda para direita: Fábio, Cristina, Jéssica, Fael, Juliano, Brenda, André, Manelão, Jorgean, Bamberg, Eugênia, Ítalo, Cajado, Josan e Adriana.


Chegamos ao nosso destino quase no por-do-sol, cansados da viagem, mas encantados pela beleza local. Encontramos uma paisagem de paraíso perdido no meio do sertão, havendo um rio margeando a propriedade, com duas cachoeiras a poucos metros, nas quais tivemos nosso banho reparador. Banho este em aguas de temperatura quase morna. Uma boa massagem era realizada pela caída d’agua sobre as costas. A sensação de paz e harmonia pairava sobre o lugar. Tendo a bateria corporal 100% carregada, montamos nossas barracas, acendemos a fogueira e preparamos a comida. Passamos a noite bebendo (destacando a boa cerveja produzida por Fabio galo, além da já conhecida cachaça Jamaica), conversando, rindo e nos conectando. Fizemos valer o real sentido de toda e qualquer expedição. A felicidade simples e verdadeira, sentida nesses raros momentos. Sobre nossas cabeças, um imenso céu estrelado. Mesmo cansados, tardamos. O tempo foi caminhando sem se ver. Jorgean esbanjando seu novo porte fitness, pesando cada grama de comida que colocava no prato. Juliano ia contando suas boas e velhas resenhas. Presenciamos Cajado constrangido após o relato de sua cena bizarra adubando o mato (pego em flagrante por Juliboy). Enquanto isso, o pobre cachorro que rodeava o local foi injustamente acusado de soltar gases praticados por terceiros. A SEA é repleta de ogros. Conhecemos melhor nosso italiano-brasileiro cervejeiro (Fábio Galo) e sua ilustríssima companheira (Cristina). Ouvimos os velhos causos de Josan. E assim, já no ultimo gole, da última dose, vendo a última chama da fogueira se apagar, fomos dormir, pois todo carnaval tem seu fim.




Registro do Acampamento.


Clareou! Um sol radiante e motivador apontou no céu. Fez Jéssica ir tomar banho de cachoeira 05 horas da manhã. Estiramos as pernas e alongamos o corpo. A hora de cavernar chegou. Bem verdade que eram poucas as esperanças de encontrar boas cavernas naquela propriedade. O terreno local era composto por rochas de arenito, pouco propícias ao desenvolvimento de grutas com amplas dimensões e ornamentações, sobretudo quando comparadas as cavernas em calcário. Mas, seguimos em frente sobre o mantra “a melhor caverna é a próxima”.

 

Ainda na propriedade, caminhamos alguns metros e encontramos a primeira cavidade. Sua abertura permitia a passagem folgada de uma pessoa, porém, a profundidade, cerca de 4 metros, exigia técnica vertical. Como não tínhamos cordas para rapel no momento, fomos verificar a segunda cavidade logo ao lado. Esta explorada por mim e Jorgean, tinha uma abertura estreita e não apresentava desenvolvimento após a passagem quase completa de um corpo (nada mais que um grande buraco no solo). Voltamos a apostar na primeira cavidade, sendo obrigados a pensar em uma estratégia de descida. Tendo descartado a possibilidade de descer usando as paredes da caverna por falta de apoio nas pegadas, a única alternativa era improvisar o rapel usando uma corda calibrosa encontrada na propriedade (usada para laçar boi). Avaliamos a corda, os pontos de ancoragem e o melhor jeito de descida. Coloquei a cadeirinha de espeleo e fiz a descida, com o olhar tenso dos que me assistiam. Rapidamente toquei o solo, tendo a sensação de alívio e segurança. Agora visualizava melhor o pequeno salão inicial da caverna. A impressão dos 4 metros vistos de cima é diferente sendo visto por baixo. A altura entre o piso e a abertura acima parecia mais curta. Soltei da corda e parti para a exploração, identificando o desenvolvimento da caverna em uma direção. Caminhei alguns metros e percebi que a caverna era maior que o esperado, tendo água em seu interior e mais desenvolvimento (a grande surpresa). Voltei e avisei o pessoal, descendo logo em seguida André, Jéssica, Fael, Brenda e ítalo.  


O  medo e a recompensa de ser o primeiro a chegar onde ninguém ainda chegou!

A caverna, presente a pouquíssimos metros do rio que corta a propriedade, era constituída de arenito, iniciando com um salão pequeno. O desenvolvimento seguia em uma única direção, com o aparecimento de um segundo salão, com o teto um pouco maior que o primeiro (cerca de 4 metros), com desenvolvimento na esquerda inferior, direita superior e direita inferior (estas ultimas se comunicavam). A esquerda inferior prosseguia poucos metros até chegar em um rastejo com possibilidade de desenvolvimento (não explorado). A direita superior seguia frontalmente até chegar em um rastejo não explorado. Seguimos a direita inferior, chegando uma pequena poça de agua escura e um rastejo cujo seguimento alcançava um espaço de teto baixo. As paredes apresentavam sinais de alagamento recorrente e estalactites formadas de arenito, em gotejamento insidioso. Além disso, havia nesse local agua brotando entre as rochas, formando uma pequena corredeira que adentrava outro rastejo a frente, com possível desenvolvimento vislumbrado. Haviam ainda na caverna morcegos, grilos e aranhas caranguejeiras. Em resumo, a impressão que tive era uma caverna com vetor de desenvolvimento orientado para baixo, com poucas ramificações, e grande dinâmica em relação a matéria orgânica e circulação de água. Retornamos a superfície auxiliado pela corda e alguns apoios nas paredes, sem acidentes durante a cavernada. 



Registro de rarissímo espeleotema em rocha siliciclástica, encontrado na Toca do Popó!

Antes da saída presenciamos um raio de luz que chegava a partir da fenda e que emoldurava o primeiro salão da caverna.

Detalhe do estreito salão onde observamos a água sumir na rocha!

Finalizamos a cavernada, mas a expedição continuava. Fomos convidados a percorrer uma trilha no meio da caatinga até chegar em duas belas cachoeiras. Nas proximidades, haviam ressurgências d’água e pegadas de um pequeno felino. De volta ao camping, fizemos um almoço simples e eficiente e o descanso final para o retorno. 

Depois de todo esse enredo: camping, cerveja, conversa, risadas, caverna, trilhas e cachoeiras, podemos enfim chegar em nossas casas com paz e saúde. Ficou a sensação de uma expedição completa em todos os sentidos. Tivemos a oportunidade de sanar nossa abstinência por aventura, pelo meno s nos próximos dias. E não somente isso. A expedição mostrou como é importante estar em comunidade, conectados por algo além do wi-fi; que devemos trocar informações e conhecer novas pessoas; que aprender algo novo deve ser algo constante; o valor inestimável de uma cerveja gelada, uma boa conversa e rir em conjunto; a beleza de um céu estrelado; como é preciso lutar pela conservação do meio ambiente; como é bom não perceber o tempo passar. Por fim, desejo que a chama espeleológica da SEA continue a brilhar nos nossos corações aventureiros e que a próxima expedição não demore a chegar.  

Obs: importante destacar a marcante presença feminina nesta expedição, representada por Jéssica, Eugênia, Brenda, Cris e Adriana (que sejam constantes e que tenham paciência com os ogros).





Foto oficial da expedição 09/2020.





Um comentário:

  1. A Gruta do Cesário foi descoberta e explorada em 1987, mas topografada somente em 1995 (nas duas situações por equipes do Bambuí). Possui atualmente 2 quilómetros de projeção horizontal.

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