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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Expedição Serra da Capivara – Os gladiadores do Sertão!
26 à 28/10/2017

Saindo para mais uma expedição, essa que prometia ficar para a história. Já que a missão dessa vez seria a coleta de um fóssil de preguiça gigante que desde 1986 esperava algum “gladiador francês” (explicarei mais a frente) para retirá-lo. Então, sem mais arrodeio, na quinta-feira, dia 26 de outubro de 2017,  Estevan, Altemar e Ney saíram de Senhor do Bonfim com destino a Petrolina para eu e André embarcarmos e todos irmos para a Serra da capivara. A ansiedade e a animação eram nítidas em todos, e já íamos planejando como seria a logística lá na Serra da Capivara, já que o acesso a caverna em que o fóssil estava depositado era vertical, simples 60m que teríamos que descer para chegar à preguiça. Então, definimos que na própria quinta iríamos até a boca da caverna, para pensar e possivelmente montar a ancoragem para a descida no dia seguinte.

A viagem foi tranquila e chegamos ao São Raimundo Nonato e fomos direto almoçar, pois já se passava das 12hrs. Estevan avisou que tinha combinado com o pessoal da FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano) e que nos reuniríamos no primeiro horário da tarde, para acertamos os detalhes e definir as estratégias da descida e coleta. Almoçamos e seguimos direto para lá, quando chegamos fomos surpreendidos. Todas as pessoas que estavam envolvidas com essa atividade já estavam prontas e só esperando a gente para irmos até o local da coleta, só deu tempo encher a garrafa de água e seguir para o destino.

Da esq. p/ direita: Eu (Thiago), Altemar, Ney, André e Estevan.

Na nossa cabeça só iriamos conversar e entender melhor a logística. Como não negamos o desafio, fomos direto para o local e chegando lá, já avisaram que queria descer ainda naquele dia. Pegou Altemar e Ney de surpresa, pois não estavam esperando descer ainda na quinta, mas lá foram eles separar o material e montar a ancoragem para a descida.

Enquanto Altemar e Ney montavam o rapel, perguntei quem iria descer e se já tinham praticado alguma vez um rapel, só uma pessoa tinha praticado. Aproveito o tempo e fui passar as noções básicas do rapel para alguns que iriam descer. Enfim a ancoragem estava montada, e começamos a descida. Primeiro, desceu Altemar e Ney, logo depois André e Estevan desceram. Ney subiu e foi auxiliar na abordagem.

A descida estava tranquila, embora estivéssemos todos descendo com muito peso nas mochilas, pois muitos eram os materiais que precisaríamos lá embaixo. Estava preparado para descer, me coloquei na posição de rapel e fiquei aguardando  a pessoa que ia descer comigo se posicionar. Ela travou e passei pelo menos 15 minutos esperando Ney conseguir fazer com ela descesse, nada dava certo. Parei no meio do caminho e subi tudo novamente. Ney conseguiu colocar ela na posição de rapel e desceu junto com ela, porém ele teve que fazer muito esforço na descida, já eu desceu controlando a sua descida e a da pessoa que descia com ela. Eu subi e junto com professor Demetrius fizemos a nossa descida. Nunca imaginei o valor dos itens com que eu estava descendo na mochila. Demetrius iria fazer o escaneamento em 3D de toda a caverna, e só um escâner dele custava em média 120mil dólares.

Momento de tensão na abordagem do rapel
Todos lá embaixo e os equipamentos todos organizados. Paramos para analisar o fóssil e ficamos com uma duvida, pois ele estava deposto em locais próximos, mas de forma muito incomum. Era como se o animal tivesse sido cortado ao meio durante a queda. E analisamos se era apenas um individuo ou poderiam ser dois, porém parecia muito que uma parte era a parte superior do animal e a outra parte a inferior. Traçamos os objetivos para o próximo dia e seguimos para a nossa subida.

Lembrando que se descemos 60m no rapel, teríamos que subi-los. Uma das maior loucuras da minha vida, subimos escalando e preso em um corda guia com um cordelete em nó prussik, caso caíssemos. A subida foi muito cansativa, e enquanto subíamos os locais nos contavam a história da primeira descida em que Niede Guidon teve que subir arrastada por corda, pois foi atacada por várias abelhas que tinham naquele local. Todos subiram e decidimos ir descansar, pois o trabalho no dia seguinte ia ser puxado. Jantamos e fomos dormir.

Acordamos cedo, tomamos café e seguimos para a FUMDHAM. Queríamos ter a oportunidade trocar algumas palavras com a Niede Guidon, uma mulher que dedicou grande parte de sua vida a arqueologia e que segundo sua teoria o povoamento no continente americano se deu muito antes do que se acredita. Acabou que conseguimos conversar um pouco com ela, e ela contou um pouco da sua experiência e como foi a descoberta daquele fóssil no qual iríamos coletar.

Niéde Guidon ao centro

Também tivemos a oportunidade de conhecer um pouco dos laboratórios da FUMDHAM e ver vários de seus trabalhos que ainda estavam em andamento, algo fantástico que para mim ficará sempre na memória.
Entrada da FUMDHAM
Após o tour, nos preparamos e seguimos para o local de coleta. Todos estavam prontos e preparados para fazer o rapel novamente. Altemar teve que descer um pouco para cobri um ponto vivo que estava cortando a corda, e na hora da subida passamos por um momento de tensão, já que uma pedra acabou se soltando. Todo mundo avisando por rádio aos que estavam lá embaixo, a pedra rolou caverna adentro e felizmente ninguém saiu ferido. Passado o susto, continuamos as descidas e todo mundo chegou lá embaixo por volta das 10hrs da manhã.

André rapelando
Os trabalhos estavam realmente começando, André e Estevan já estavam limpando a área com fóssil com pinceis. Demetrius já estava fazendo seu mapeamento em 3D com o escâner e então eu e Ney decidimos ir fazer alguns registros fotográficos do local. A estrutura de apoio estava muito boa e era possível trabalhar o dia todo ali. Algumas horas se passaram e já era hora do almoço, e por incrível que pareça, recebemos teve delivery na caverna (kkkkkkk). As marmitas chegaram e pense em umas marmitas boas, primeira vez que almocei, de fato, dentro de uma caverna, por volta das 13hrs.
Cave's delivery!

Todos almoçaram e enquanto o escâner ia fazendo sua parte em uma área, aproveitamos para descansar um pouco. Eu apaguei, foi só o tempo de encostar a cabeça em uma pedra e já estava dormindo. Logo após o descanso, decidimos começar a fazer a coleta do fóssil, algo que já tínhamos percebido que seria bem complicado, pois a camada que estava sobre ele era muito rígida. Estevan conseguiu retirar uma tíbia da preguiça e André começou a remover outra parte. Então, tivemos que parar um pouco para que Demetrius fizesse o escaneamento daquela região. Partimos para a outra parte do fóssil, e percebemos que seria bem complicado trabalhar nele, pois tinha muitas pedras impedindo o fácil acesso ao material. Decidimos então remover algumas pedras que estavam limitando o espaço, foi quase uma operação de guerra já que as pedras eram muito grandes e todo mundo teve que ajudar. Tivemos que remover uma pedra que foi preciso 5 pessoas, para que ela fosse removida sem prejudicar o fóssil, já que ela estava bem acima do crânio da preguiça gigante. Conseguimos limpar a área e paramos para descansar um pouco, enquanto o escâner terminava seu trabalho. Enquanto todos descansavam, eu e André decidimos explorar um pouco do restante da caverna, encontramos vários pequenos fosseis encrustados na rocha, pequenos roedores em sua maioria. Foi então que André encontrou um crânio de um pequeno felino, logo ele alertou para tal, eu já estava voltando para continuar a coleta da preguiça e ele pediu para que eu levasse alguns materiais para ele tentar tirar o crânio do felino.

Já se passava das 16 horas e enquanto André tirava o crânio do felino, eu e Estevan estávamos engajados na retirada de uma parte da preguiça, parte essa que foi muito intrigante. No inicio pensávamos que era uma vertebra, mas quanto mais se escavava mais o fóssil se alongava. Paramos por um momento e pensávamos que poderia ser outro crânio, mas voltamos atrás e pensávamos ser um pé e voltamos para a vertebra. Estava bem difícil de definir qual parte do animal era, pois tinha muito material encrustado nele. Já se passava das 17hrs e o cansaço começa a bater, mas ainda faltava muito para conseguir tirar essa parte da preguiça. Decidimos parar mais um pouco para descansar e tomar uma água, porém logo voltamos. O material que estava por cima do fóssil era muito duro e ficamos trabalhando ali por volta de 4 horas direto, até que conseguimos retirar aquela parte, e algo que não esperávamos, tiramos um crânio. Descobrimos que não era apenas um individuo e sim dois, duas preguiças gigantes. Percebemos que o trabalho seria muito maior do imaginamos e naquele momento já era 20 horas, estávamos exaustos lá embaixo e o pessoal que ficou lá em cima dando suporte também. Decidimos parar por ali e partimos para arrumar todo o material e embrulhar as partes que foram coletadas. Demoramos quase 2 horas para conseguir terminar tudo, todo movimento já era mais lento, já estávamos a 12 horas dentro caverna. Tudo arrumado e armazenado nas mochilas.

Enfim a expedição tinha terminado, certo? ERRADO! Ainda tinha a subida que no dia anterior já tinha sido complicada, imagina subir depois de 12 horas trabalhando e com mochilas extremamente pesadas? Só poderia ficar ainda mais complicado. Não tinha o que ser feito, tínhamos que subir para conseguir sair, e lá fomos nós.

Preparando para subir com as mochilas nas costas (minha mochila tava no chão, para não ninguém dizer que subi de boa! kkkkk)

Logo no primeiro obstáculo, a mochila de André ficou presa em um fio e o primeiro momento de tensão ocorreu na subida, ele passou alguns segundos tentando se desvencilhar do fio, mas não conseguiu. Teve que retirar a mochila ao mesmo tempo em que se segurava para não cair, e tentar subir um pouco para sair do fio. Ele conseguiu passar, mas com um grande gasto de energia. Esperamos um pouco a adrenalina passar e lá fui eu, por incrível que pareça, a minha mochila também estava prendendo, mas não no fio, em parte da rocha, não conseguia seguir com a mochila. Paramos um pouco e solicitei que André fosse passando a mochila de mão em mão. Rogério, que era da equipe de suporte, voltou um pouco e recolheu as mochilas. Conseguimos passar, mas precisei de um tempo para respirar e baixar a adrenalina. Continuamos subindo, e era cada vez mais difícil se segurar na rocha e na corda de apoio. Na ultima etapa da subida, amarrei uma corda a minha cadeirinha e solicitei que o pessoal lá de cima me auxiliasse na subida, estava exausto e já começava a me dar câimbra no braço esquerdo. Quando consegui sair, já tinha se passado  1 hora do momento em que começamos a subida. Foram muitas paradas e estávamos no limite. Rogério que passou o dia subindo e descendo, para entregar os materiais, passou mal após sair da caverna e vomitou bastante. Estávamos todos muito cansados, mas felizes por ter conseguido realizar o objetivo. Recolhemos todo o material que ainda estava ali e fomos para o alojamento.

Todos tomados banho, decidimos sair para comer algo, a fome era maior que o cansaço, menos para Altemar que foi dormir. Já se passava da 1 hora da manhã, e partimos atrás de algo para comer. Andamos bastante até que encontramos um cover de Bruno (da banda Bruno e Marrone) “cantando” em um bar local (kkkkkkkk). Decidimos não parar ali e acabamos parando em um carrinho de hambúrguer, o cansaço já era maior que a vontade de procurar algo melhor para comer. Comemos e voltamos para o alojamento já se passava das 2 horas da manhã. Fomos dormir, sabendo que a próxima manhã iriamos fazer um tour turístico pela Serra da Capivara.

Acordamos e fomos direto para a FUMDHAM, Estevan tinha uma reunião com o pessoal. Enquanto isso, André, Altemar, Ney e eu fomos visitar o Museu do Homem Americano. Já havia visitado o museu quando criança, mas ter vivenciado a coleta do material no dia anterior e ler um pouco da historia do local no dia seguinte, foi algo que é meio difícil de descrever. Saímos do museu e fomos visitar um sítio arqueológico que o Demetrius estava trabalhando com uma turma da UFPE. Algo também indescritível, conseguir visualizar com as fogueiras e alguns materiais líticos estavam despostos a milhares de anos atrás. Tivemos uma mini aula com Nikodeus, o monitor da turma e logo seguimos viagem, mas antes de partirmos paramos na famosa Pedra Furada para tirar algumas fotos.
Mini aula sobre estudo de um sítio arqueológico com Nikodeus

Momento na Pedra Furada
Depois das fotos e contemplar um pouco da beleza daquela erosão, seguimos para almoçar no albergue de Girleide, uma amiga que me convidava a 5 anos para ir a Serra da Capivara e eu nunca ia. Chegando lá descobrimos que toda a cidade de São Raimundo Nonato estava ansiosa pela chegada das pessoas que iriam tirar o dito fóssil. Girleide se pronunciou e disse que devido a complexidade que todos falavam a respeito da retirada desse fóssil, todos estavam esperando uns “gladiadores”, vários homens grandes e fortes. Acabou que a gente que foi (kkkkkkk). Paramos, almoçamos, conversamos um pouco e seguimos viagem de volta para casa.

Todos estavam cansados, porém com uma enorme sensação de dever cumprido. E posso falar por mim, que essa foi uma das maiores aventuras que já fiz na minha vida. Será algo que irá ficar gravado para sempre na minha memória. Em breve estaremos voltando, ainda tem muito trabalho a ser feito.

Até a próxima.


Thiago Mattos.

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