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sábado, 3 de fevereiro de 2018

REGISTRO E ANÁLISE TAFONÔMICA DOS FÓSSEIS DO SALÃO CAATINGA DA TOCA DA BARRIGUDA (TB).


Em mais uma parceria da SEA com o grupo de paleontologia da CAT-UFBA coordenado pelo professor Mario Dantas, publicamos no 34º Congresso Brasileiro de Espeleologia um artigo com novos registros de fósseis de pequenos mamíferos encontrados no Salão Caatinga na Toca da Barriguda (TB).  Embora, seja comum encontrar fósseis de mamíferos viventes em cavernas, os que encontramos na TB foram até o presente raramente registrados em cavernas do Brasil. Além do registro, foi feita uma análise tafonômica preliminar, isto é, estudamos processos relativos à morte dos animais encontrados na caverna. 

Já era de conhecimento de todos no grupo que: o belo, volumoso e distante Salão Caatinga abrigava fósseis espalhados pelo seu perímetro. Desde a nossa primeira visita ao Salão Caatinga em 2009 observamos um esqueleto quase completo de Tamanduá - mirim. Este fóssil era visível não só porque ficava na trilha que era usada para atravessar o salão, mas, também porque estava devidamente demarcado com fitas de topografia pra evitar o pisoteamento. 

Mapa parcial da Toca da Barriguda, destacando o Salão Caatinga e sua distância da entrada, também destacados os pontos onde os três fósseis apresentados aqui foram encontrados.  Adaptado de Auler et al. 2017.

Parte do belo e volumoso Salão Caatinga . Foto de Daniel Menin retirada do blog Terrasub.

Foto do fóssil de Tamanduá, da primeira visita do grupo ao Salão Caatinga em abril de 2009.


Durante outras expedições espeleopaleontológicas realizadas com Mário, sempre vinha à tona a conversa da possibilidade de resgatar esses fósseis do Salão Caatinga.  Mesmo sem ter a localização exata dos fósseis na caverna, acertamos para realizar o resgate no dia 18 de agosto de 2016.  


Sabendo da dificuldade que seria para a equipe de Mário chegar ao local da coleta, eu precisava ir antes para localizar os fósseis e facilitar o resgate. Como a equipe que vinha de Vitória da Conquista tinha pouca experiência com cavernas eu tinha consciência que eles chegariam muito desgastados e sem energia para depois de encarar tantos obstáculos físicos e psicológicos encontrar forças para ir localizar os fosseis no salão mais volumoso da segunda maior caverna do Brasil. Era como procurar uma agulha no palheiro, exceto pelo tamanduá que já sabíamos onde estava.


Entre 4 e 6 de agosto de 2016 (uma semana antes da data do resgate dos fósseis), o destino juntou uma equipe improvável para fazer a localização prévia dos fósseis.   Yanka Barros tinha feito uma visita  a TB em uma visita pedagógica há alguns anos atrás, No finalzinho de Julho/16 entrou em contato comigo, perguntando se eu tinha interesse em fazer uma expedição com caráter "mais aventureiro" que ela queria apresentar a espeleologia para o namorado Thiago Mattos e a amiga Gessica Neri que gostavam de contato com a natureza, mas ainda não tinham tido contato com cavernas. Paralelamente, o leitor mais assíduo do Blog: Juliano de Jesus, vivia comentando a paixão que ele nutre pelas geociências, mas nunca tinha tido a oportunidade de participar de uma expedição espeleológica. Foi então que eu pensei que esse grupo de calouros em cavernas poderia ser o termômetro ideal para testar se a equipe que Mário ia trazer seria capaz de chegar em condições ao Salão Caatinga. 

E assim, dia 6 de agosto fomos até a Toca da Barriguda com toda a disposição, entusiasmo e emoção que é característico de quem se aventura pela primeira vez em uma grande cavernada de horas de duração.

 Neste dia, em um esforço hercúleo e inimaginável conseguimos encontrar  8 fósseis entre o Salão Caatinga e o Salão Baita, foi então que percebi que estava diante da nova geração da Sociedade Espeleológica Azimute, soube naquele exato momento que aquela turma viria pra ficar. Só não imaginava que de 2016 pra cá eles seriam responsáveis por tantas coisas boas que aconteceram no grupo. 

Self com a  improvável equipe de calouros que conseguiu localizar 8 fósseis entre o Salão Caatinga e o Salão Baita. Thiago, Yanka, Juliano, Géssica e André.

VAMOS A PALEONTOLOGIA!

 Com a devida licença fornecida pelo SISBIO/CECAV ao paleontólogo Mário André Dantas. No dia 16 de agosto com muita dificuldade conseguimos resgatar uma parte dos fósseis localizados uma semana antes.  Após o resgate, os fósseis foram triados e identificados até o nível de espécie e depositados na coleção do Laboratório de Ecologia e Geociências do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia, campus Anísio Teixeira (IMS/CAT-UFBA), Vitória da Conquista, Bahia.

A equipe de resgate dos fósseis.

Os pesos (W) dos animais estudados foram estimados através da regressão W = 0.078C(h+f)2.73, utilizando-se a medida da circunferência da diáfise na porção medial (C) do úmero (h) e fêmur (f) (ANDERSON et al, 1985). Para estimar o peso do Tamanduá-mirim adaptamos à regressão proposta por Anderson et al. (1985), considerando apenas 50% do valor da diáfise do fêmur (W = 0.078C(h+0.5f)2.73).

Na análise tafonômica observamos: (i) o Número Mínimo de Indivíduos (NMI) presentes, através do elemento esqueletal mais abundante do lado esquerdo ou direito; (ii) estágio ontogenético, diferenciando entre adultos (fusão da espífises-diáfises dos ossos longos), sub-adultos (fusão incompleta da epífise-diáfise), e juvenis (epífise e diáfises separadas); (iii) grau de intemperismo sofrido, seguindo Behrensmeyer (1978), observando quanto tempo ficou exposto ao ambiente, antes de ser transportado ou soterrado; e (iv) transportabilidade, através da análise dos grupos de Voorhies (1969), observando o conjunto de ossos presentes, e interpretando se houve pouco transporte (presença dos grupos I, II e III), médio transporte (grupos II e III), ou longo transporte (grupo I) do local da morte do animal (área fonte) até o local onde foi resgatado.

Os Fósseis! 

Começando pelo Tamanduá - Mirim que apesar da fácil localização teve o resgate mais delicado por as peças estarem parcialmente cobertas por calcita e presas ao solo. O resultado para o Tamanduá:

Classificação biológica:
PILOSA Flower, 1883
MYRMECOPHAGIDAE Gray, 1825
Tamandua tetradactyla (Linnaeus, 1758)

Material coletado: Crânio, dentários direito e esquerdo, atlas, cinco vertebras cervicais, 12 vertebras torácicas, duas vertebras lombares, seis vertebras caudais, cinco vertebras sacrais, 28 fragmentos de costela, úmeros direito, face de articulação do úmero direito, porção proximal do úmero esquerdo, porção distal do úmero esquerdo, face de articulação do úmero esquerdo, rádios direito e esquerdo, fíbulas direita e esquerda, fêmures direito e esquerdo, face de articulação do fêmur direito, tíbia direita, porção proximal da tíbia esquerda e porção distal da tíbia esquerda, face de articulação da tíbia, ulna direita, pélvis, patela, calcâneo direito e esquerdo, astrágalo, duas falanges mediais dos dedos III, falanges III dos dedos III direito, falanges III dos dedos III esquerdo, falange I do dedo I, metacarpo II direito, metacarpo III direito, metacarpo IV direito, metacarpo IV esquerdo. 

Tamanduá-mirim atual e ao lado fotos do crânio em vista dorsal, palatal e lateral além do dentário, encontrados no Salão Caatinga da TB.

Comentários. Os fosseis do tamanduá-mirim T. tetradactyla foi, dentre os encontrados no salão Caatinga, o mais completo. Atribuímos todos os fósseis a um individuo juvenil (NMI = 1), com massa corporal estimada em 4,3 Kg. Assim como nas demais espécies estudadas neste salão não apresentou grau de intemperismo, e os ossos encontrados nos permitem sugerir que este individuo morreu no local onde foi fossilizado, como crânio inteiro, dentário, metacarpais e falanges.

O Ouriço cacheiro

Enquanto uma parte da equipe trabalhava para ir destacando as peças do Tamanduá eu estava envolvido com um fóssil que estava em um recuo de teto baixo do Salão Caatinga batizado de Caatinguinha do sul. Aparentemente tinha uma mandíbula (dentário) e três  ou quatro pequenos ossos longos. Mas percebi que esses ossinhos estavam sob um sedimento diferente da calcita predominante no salão, o sedimento sob os ossos era arenoso e de coloração escura, resolvi então mexer nesse sedimento e eis que encontramos os demais ossos do nosso próximo fóssil: O Ouriço Cacheiro.

Material esqueletal do Ouriço antes do resgate, detalhe para o sedimento associado aos ossos.

Classificação biológica

RODENTIA Bowdich, 1821
ERETHIZONTIDAE Bonaparte, 1845
ERETHIZONTINAE Bonaparte, 1845
Coendou prehensilis Lacépede, 1799

Material. Dentário esquerdo e direito, fragmento de maxila esquerda, axis, oito vertebras torácicas, quatro vertebras lombares, seis caudais, fragmentos de costela, fragmento de escápula esquerda, fragmento de escápula direita, úmero direito, rádio, ulna, diáfise de ulna, pélvis, fêmur esquerdo, fêmur direito, tíbia esquerda, tíbia direita, fíbula esquerda, fíbula direita, metacarpos, dentes molares, fragmentos de dentes incisivos, metacarpos e calcâneo.

Ouriço -cacheiro atual e o dentário vista lateral e dorsal resgatado do Salão Caatinga.


Comentários. Para o ouriço-cacheiro C. prehensilis estimamos a ocorrência de apenas um indivíduo (NMI = 1) adulto, com massa corporal estimada em 7,5 kg. Os fósseis foram encontrados desarticulados, e ligeiramente soterrados por uma camada de areia fina. O grau de intemperismo de Behrensmeyer (1978) observado nos ossos foi zero, e a presença de ossos atribuíveis aos três grupos de Voorhies (1969), apesar de alguns ossos (dentários, maxila, escápula e úmero) estarem fragmentados, nos permitem sugerir pouco transporte. 

O  Quati.


Classificação biológica
CARNIVORA Bowdich, 1821
PROCYONIDAE Gray, 1825
PROCYONINAE Gray, 1825 
Nasua nasua (Linnaeus, 1766)

Material. Parte do crânio, três vertebras, escápula, fêmur direito e esquerdo, ulna esquerda, tíbia e rádio.

Quati atual e o crânio encontrado no Salão Caatinga, vista dorsal e lateral.


Comentários. Foram encontrados poucos fósseis do quati Nasua nasua em comparação com os demais taxa encontrados no salão Caatinga da Toca da Barriguda. Atribuímos esse material a um individuo (NMI = 1) adulto, com massa corporal estimada em 2,5 Kg. Apesar dos pouco fósseis há presença de fósseis dos três grupos de Voorhies (1969), e com ausência de marcas de intemperismo de Behrensmeyer (1978), o que nos permite inferir baixo transporte até o local onde foi fossilizado. 

Considerações finais

O material fóssil encontrado no salão Caatinga da Toca da Barriguda representa uma assembleia de mamíferos de pequeno a médio porte (2,5 Kg a 7,5 Kg), composta por exemplares de indivíduos adultos do ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) e quati (Nasua nasua), e um juvenil de Tamanduá-mirim. Sugere-se que os fósseis encontrados nesta cavidade representam uma assembleia de mamíferos que morreram dentro do salão onde foram encontrados os ossos devida a baixa/nula transportabilidade da área fonte.


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