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terça-feira, 15 de maio de 2018

Expedição Engrunado: O Abismo do Medo.



Conhecemos Didi e o pessoal do GAPPE (Grupo Ambiental de Proteção Paleontologia e Espeleologia) no inicio de 2017 durante as expedições realizadas em parceria com a UNIVASF. E desde então volta e meia recebemos notícias de cavernas, dolinas e outras feições na riquíssima região de Nova Redenção na Chapada Diamantina. 

No final do ano passado recebemos a informação de uma caverna com muito potencial e marcamos com Didi nossa visita para dia 21 de abril. 
Partindo de Campo Formoso até Nova Redenção percorre-se aproximadamente 500 km o que levaria cerca de 7h de viagem, mesmo com essa grande distância a proposta era sair cedo e cavernar no mesmo dia. Descobrimos como veremos a seguir, que cavernar depois de um longo dia de viagem é uma péssima ideia.

Chegamos em Nova Redenção a tempo de filar o almoço na casa de Didi e depois de um preparativo aqui outro ali, já estávamos prontos pra cavernar ainda no inicio da tarde. A equipe da SEA era formada por: André Vieira, Thiago Matos, Claudiney Dias “ Ney” e Mattaus Dartagnan vulgo “smigol” O GAPPE contava com Didi e Marcos. 

Logo na entrada da caverna chamada de Gruta do Engrunado, sentimos que aquela não seria uma cavernada qualquer. Estamos habituados com cavernas na caatinga, onde de longe avistamos o afloramento rochoso destacado em meio a mandacarus, macambiras e outros arbustos da vegetação seca e rala típica da caatinga. Mas, nesse dia foi diferente, a gruta do Engrunado fica em uma mata densa com árvores de grande porte e a entrada apesar de, grandiosa fica escondida em um microclima sombrio e úmido temos que cruzar enormes troncos caídos e o cenário nos lembra a caverna da série Dark e o clima não deixa nada a deseja o de um filme de terror.

A floresta que antecede a entrada do Engrunado. 

Detalhe da entrada com típica feição quadrada de desplacamento. 

Assim que entramos na caverna o acesso relativamente fácil por entre grandes blocos desmoronados logo dá lugar a um rastejo poeirento e depois de alguns metros encontramos o abismo que possivelmente seria o que estávamos programados para descer com o rappel. Alguns meses antes, esse abismo tinha sido bravamente escalado por Didi e sua turma do GAPPE, que o batizaram de abismo do medo. Tudo estava como planejado. Mas, estava bom demais pra ser verdade.

Fim do trecho fácil e começo do rastejo.



Minutos antes de encontrar o abismo, Didi e Marcos mostravam se inseguros sobre a direção em que o abismo do medo se encontrava, andavam em círculos e não encontravam o tal abismo. Didi se perguntava se era possível que um desabamento recente tivesse entupido o abismo do medo, mas não demorou até que Marcos seguindo pedaços de barbante deixados em visitações anteriores chegasse a uma fenda. No entanto, Didi estava convencido que aquele não era o abismo do medo, era um novo abismo. Por via das dúvidas fizemos a ancoragem no local e decidimos que faríamos o rapel e tiraríamos a duvida. 

Nossos especialistas em técnicas verticais Thiago e Ney em pouco tempo armaram tudo e Ney já estava na metade da descida quando gritou pra Thiago que iria voltar. Todos ficaram curiosos com o que ele tinha a dizer: 

- A descida não tá fácil. Trata-se de uma fenda em que todo o sedimento está inconsolidado, a sensação é que tudo vai desabar sob nossas cabeças! 

Thiago se equipou pra averiguar e voltou com a mesma insegurança que Ney e foi mais taxativo. 

- Aqui não dá pra descer, certeza que Didi deve ter descido em outro abismo .

Smigol fazendo pose em uma das fendas características do Engrunado. 



As coisas estavam realmente estranhas naquele dia, os guias que estiveram lá meses atrás não acham o abismo, os caras mais corajosos da vertical estavam inseguros. Pra completar as estranhezas, enquanto Marcos e eu estávamos reconhecendo caminhos alternativos que nos levam a entrada da caverna, ouvimos um barulho de pisadas. Era “ Son” outro membro do GAPPE que chegou atrasado para a expedição e resolveu arriscar nos encontrar já dentro da caverna. Son juntou-se ao grupo de busca nas tentativas em vão de encontrar o tal abismo do medo.

Depois de esquadrinhar todas as entradas possíveis, resolvemos que era hora de dar uma pausa para o lanche, esfriar um pouco a cabeça e repensar as estratégias. Enquanto, lanchávamos Thiago me questiona sobre uma passagem que percorri sozinho na parte do rastejo.  - Será que não é lá? 

Essa passagem que Thiago se referia eu tinha visto logo no inicio da cavernada, no trecho do rastejo. Apontei pra Didi e perguntei se prosseguia e ele respondeu que aquela passagem ainda não havia sido explorada. Eu fui dá uma olhada e vi que ela prosseguia, e que seria interessante para outros momentos, voltei e segui o grupo. Agora, essa passagem que tinha visto no inicio era uma das poucas alternativas que tínhamos para dar prosseguimento a expedição. A essa altura já estávamos bem desgastados e carregar cordas e lonas durante rastejos poeirentos não é das atividades mais agradáveis, por isso dividimos o grupo. Eu, Thiago e Didi iria averiguar essa passagem e os demais ficariam procurando nas proximidades.

O resultado foi que essa passagem nos levou ao tão esperado abismo do medo. Depois de horas poderíamos então acessar “ o outro lado da caverna”. O rapel foi montado rapidamente, mas... cadê o restante do grupo? Didi foi procurar por duas ou três vezes e voltava sempre com a expressão de preocupação? Onde teriam se metido Marcos e Son? Teriam se perdido? Teriam tentado descer o primeiro abismo? Teriam saído da caverna? 

Demoramos para encontrá-los e quando o fizemos já estava bastante tarde da noite, na caverna tanto faz dia como noite mas, o nosso relógio biológico estava nos dando sinais que precisaríamos dormir. Depois de uma curta conversa decidimos que seria mais produtivo deixar o rapel montado e voltar no domingo cedo pra descer o Abismo do medo. Um banho e uma pizza e finalizamos o sábado.

Acordamos cedo no domingo e fomos direto para o abismo do medo. Combinamos que exploraríamos o nível inferior até por volta das dez horas da manhã porque tínhamos consciência que a ascensão seria demorada, já que estamos sem o equipamento adequado e improvisaríamos com a técnica do  nó Prussik.

A descida do abismo com rapel foi sensacional, as técnicas verticais em caverna já são naturalmente divertida por todo o contexto e a finalidade envolvida, mas esse particularmente foi especial pois o abismo é na verdade uma fenda estreita.  A Profundidade é de 28 metros  e a largura varia de pouco mais de 1 metro e meio a trechos que nossos corpos são comprimidos contra a parede. Era como descer por uma chaminé de 30 metros. 

Didi na entrada do abismo do medo. 
Smigol e eu na expectativa para acessar o "mundo inferior"

Ney finalizando a descida. 



Enfim, estávamos no nível inferior e era realmente como o pessoal do GAPPE nos avisou que seria. Uma nova caverna e que caverna! 

A parte superior do abismo é ao que parece um grande espaço entupido por blocos desmoronados, alguns blocos são colossais, e não é raro que a gente passe por baixo de blocos ou por entre blocos desabados achando que estamos contornando as paredes da caverna. 

A parte que se apresenta depois do abismo é completamente diferente. Claramente estamos em uma rede de condutos, que ora se estreita ora se alarga e volta e meia se ramifica, as semelhanças com a Toca da Boa Vista são marcantes. O pouco que vimos nos deixou deslumbrados a potencialidade em termos espeleométricos e os achados paleontológicos fizeram nossas mentes fervilharem, estamos convictos que vamos montar em parceria com o GAPPE  um projeto especial dedicado a gruta do Engrunado. 

Primeiro salão após o abismo.

Material paleontológico encontrado pós abismo do medo.


Perdemos a noção do tempo lá embaixo, o combinado era começar a escalada do abismo as 10 da manhã e começamos quase meio dia. E a ascensão foi dramática, os trechos em que a fenda se alarga exige muita técnica e força para fazer a subida com o nó prussik, precisaremos repensar a estratégia na próxima expedição. 

Detalhe da ascensão.


Foto oficial da expedição; Thiago, "Smigol", Son, Didi, Marcos, Ney e André.

Voltamos com aquela gostosa sensação de curiosidade: que salões, condutos, espeleotemas , fósseis e obstáculos nos reserva está maravilhosa caverna?. 




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