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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A inesquecível expedição TITANIC


A Toca da Barriguda é de longe a caverna que nós da Sociedade Azimute mais visitamos!  Primeiro essa caverna está praticamente no nosso “quintal” (à 2h de carro tanto pra quem sai da sede de Campo Formoso quanto pra quem sai de Petrolina) oferece a melhor logística para o grupo.  Além disso, é uma caverna espetacular que não cansamos de contemplar sua beleza e respeitar seus desafios.
No entanto, em quase 10 anos de expedições nós praticamente frequentamos apenas um dos lados dessa que é considerada uma das maiores cavernas do Brasil.
[Para situar o leitor sobre os caminhos no interior da Barriguda, observe na figura a seguir um mapa parcial da caverna. A cerca de 500 metros da entrada está o Salão do Urso e logo a frente a esse Salão existe um ponto de ramificação em que a caverna abre 2 largos condutos um para leste e outro para oeste  (Claro que é uma simplificação, a caverna não é linear é sempre labiríntica e leste e oeste não significa que necessariamente os condutos vão seguir sempre nessa direção)]


Essa ramificação que chamamos simplificadamente de lado leste e lado oeste embora formem condutos relativamente próximos entre si, são dois mundos completamente diferentes.  O lado “leste” por ser mais labiríntico, ter mais passagens com difícil acesso foi historicamente pouco explorado por nós.  Tivemos uma expedição em 2014 batizada de expedição Homem Geleia (nome dada a uma das passagens estreitas que temos que rastejar nos contorcendo);  Juntamente com uma expedição para o Salão Mirim em 2016 foram até então nossas únicas investidas para o lado leste da Toca da Barriguda.

Alexandre Santos na Passagem do Homem Geleia.

Dessas duas expedições a mais distante foi a de 2014 até a “Passagem do Homem Geleia” e analisando os mapas calculamos que esse ponto é a metade do caminho até o Conduto Titanic que é o ponto mais distante da entrada seguindo esse lado da caverna. Pois estava na hora de deixar a marca do homem geleia para trás e alcançar novas marcas mais distantes. O objetivo da expedição de dezembro de 2018 era audacioso, chegar ao final do Conduto TITANIC.


Essas expedições em caráter esportivo e  de aventura  tanto na Toca da Barriguda quanto na Toca da Boa Vista são muito empolgantes e a animação começa estudando os mapas das cavernas e se divertindo como os nomes que foram dados aos salões e condutos pelos pioneiros na exploração espeleológica das Tocas.
Após a passagem do Homem Geleia  por exemplo, teríamos que passar por lugares conhecidos como: Passagem dos mergulhadores; Conduto do Delírio; Conduto das Piscinas japoneza;  Pista de Patinação e finalmente chegar no Conduto Titanic. Ao ler esses nomes e (sem ter ideia do porque foram batizados assim?). Nossa imaginação fica aguçada e a adrenalina começa muito antes da visita. 


Essa foi a última expedição do ano de 2018, na ante véspera do Natal. O time que partia de Petrolina contava com os seguintes integrantes: André, Thiago, Bamberg o Matthaus (Smigol) e sua irmã Lisa.  Já por Campo Formoso estavam em um mesmo carro o Juliano e dois convidados dele (Leandro e o Binho) e os veteranos Alexandre e Jorginho.
Os dois grupos que partiram de cidades diferentes se encontraram por volta de 10h no povoado de Pacuí. Como já é de costume, lá na pousada da Derly, nos reunimos pra acertar os últimos detalhes e principalmente a refeição pós cavernada.

Foto oficial da histórica expedição Titanic. Em pé: Leandro, Binho, Alexandre, Juliano, Smigol e Lisa; Agachados: Thiago, Jorginho, André e Bamberg.

A cavernada começou em um ritmo bom, em poucos minutos já estávamos na bifurcação e seguindo em direção ao lado leste, o planejado era fazer o primeiro ponto de parada no amplo Salão Mirim.  O aspecto labiríntico e pouco sinalizado torna esse trecho até o “ Mirim “ um dos mais cansativos (Imagine que você tem várias opções de túneis para seguir, ai você escolhe uma opção e logo mais a frente aparece novas opções e a nova opção que é escolhida não dá em lugar algum, aí ficamos indo e voltando por entre essas entradas até encontrar o veio principal). Foi nesse trecho que ocorreu o primeiro drama da expedição.  O Leonardo Bamberg estava procurando uma passagem e em uma área acidentada com muitas fendas  calculou mal um pulo e quase foi parar no fundo de um abismo, foi salvo por Jorginho que conseguiu a tempo segurar no seu braço e impedi a tragédia. Até hoje Bamberg agradece a Jorginho por essa ocasião.


Antes de chegar ao Salão Mirim deveríamos passar pelo: “ Conduto cachorrinho de coleira amarelinha” é um lugar em que um espeleotema lembra um corpo de um cachorrinho e em que foi colocado uma fita amarela ao redor do espeleotema que ficou parecido com um cachorro de coleira. Esse ponto era uma referencia pra gente saber que já estávamos próximo do Salão Mirim.  Dos integrantes dessa expedição apenas eu,  Jorginho e  Alexandre conhecia esse ponto. E não entramos em consenso se já tínhamos ou não passado por o tal “cachorrinho”. Para nossa surpresa descobrimos, que o “ cachorrinho” estava sem a “ coleira”  a fita foi propositalmente retirada do espeleotema provavelmente para que deixasse de ser um local de referencia e tornasse ainda mais difícil chegar no Salão Mirim. Lamentamos muito esse fato.  E certo ou errado decidimos deixar uma nova coleira no lugar! 




O cachorrinho de coleira amarelinha em 2014



       


Descanso merecido no amplo bonito e arejado Salão Mirim.




Decidimos descansar no Salão Mirim para em seguida encarar a Passagem do Homem Geleia. Pouco antes de chegar á temida passagem os dois convidados que Juliano trouxe para a expedição (Leandro e Binho) já estavam apresentando claros sinais de exaustão, um deles que não lembro qual, já estava com fortes câimbras e dizia que tinha chegado ao limite do esforço físico. Ponderamos se valeria a pena descansar mais um pouco antes de tomar uma decisão de seguir ou abortar. Depois de uma pausa, e de praticamente acabar com as suas reservas de água, Leandro e Binho decidiram que iriam continuar. E com sucesso todos atravessamos a complicada passagem que exige habilidades de contorcionistas. 



A partir de agora a expectativa seria chegar até aguardada passagem dos mergulhadores. Antes tivemos um contratempo. O caminho que levava a passagem dos mergulhadores exigia passar por um nível superior e até escalamos pra alcançar esse nível, porém, chega certo ponto que só é seguro atravessar com ajuda de equipamento vertical e não estávamos contando com esse imprevisto. 

Os irmãos Lisa e Mathaus (Smigol) escalando com a técnica chaminé para ter acesso ao nível superior.

Já estávamos conformados que ali seria nossa nova marca e em uma próxima expedição com cordas quem sabe chegaríamos até o Titanic. Enquanto retornávamos Thiago chamou nossa atenção para uma remota possibilidade.  Observando o mapa ele identificou uma passagem não mapeada que tinha o potencial de encontrar o trecho após o nível superior. Uma chance de continuar se apresentava, mas apesar disso, a galera não estava muito animada e isso por duas razões:
1. A nossa água estava acabando e quem já foi em uma caverna quente e úmida e sabe que ter quilômetros pela frente pra caminhar até à saída sem água para beber sabe o quanto isso é sério;

2. A passagem que Thiago encontrou e que poderia levar até a nossa rota rumo ao Titanic era muito menos que minúscula fazendo a passagem do homem geleia parecer fácil.

Decidimos o seguinte, eu iria conferir se era passável e se uma vez passando pela estreitíssima fenda daria em algum caminho marcado no mapa. Fiz e isso e sinalizei pra turma que podiam fazer a passagem que dali conseguiria seguir nossa trilha. O próximo a tentar a passagem foi Thiago e ele tentou, tentou e tentou de todas as formas e não conseguia passar, chegou a tirar o macacão pra tentar passar só de cueca e sem efeito, acho que foi a primeira vez que Thiago passou por esse tipo de frustração.  Se a turma já estava desanimada antes, agora estavam ainda mais com a dificuldade que se apresentava.  Smigol, Bamberg e Lisa tentaram e conseguiram me encontrar do outro lado da passagem. Mas ou demais não estavam nem querendo tentar.  Passamos mais de 1h nesse impasse até que com muita força de vontade e muito esforço todos conseguiram passar. Agora restava o dilema da água!

Reuni a turma e argumentei o seguinte: - Apesar de nunca ter andado por esse lado da caverna, tudo indica que encontraremos água na passagem dos mergulhadores e então estaria resolvido o dilema da água. Além do mais propus que a partir desse ponto a gente iria racionar a água e iriamos determinar pontos onde todos iriam beber apenas um gole.  Pra se ter uma ideia da nossa situação, estávamos em 10 pessoas e juntando todas as águas em uma única garrafa conseguimos cerca de  1,5 L e alguns goles em um ou outro cantil individual.

Reencontramos a nossa trilha e seguimos até encontrar a passagem dos mergulhadores e advinha só? Nada de água! Tão seco como qualquer outro canto da Toca da Barriguda. Até conseguimos perceber que o lugar era úmido e as marcas de água recente na parede.
  Que ironia do destino, a nossa preocupação inicial era ter que passar com água no pescoço nessa passagem e agora o que mais nos preocupava era a ausência de água.
- Ah, mas tá perto eu voto em seguir em frente! Disse Juliano.
Caminhamos um pouco mais e chegamos ao Conduto do Delírio.  Não demorou a perceber que estávamos caminhando e passando pelo mesmo lugar. Andamos em círculo nas passagens do delírio!  Definitivamente o cansaço tinha chegado. A desidratação começava a fazer efeito, é hora de voltar.
- Ah, mas tá muito perto, eu não vim aqui pra desistir agora! A gente consegue!! Insistia Juliano.

Chegamos até as piscinas japonezas que deve ser muito lindo com água, mas que naquele momento estava completamente seco e agora pra seguir  pra o Titanic tinha que andar de joelhos em um chão espetado de pontiagudas mini estalagmites. Torturante e definitivamente dividiu o grupo.
Binho que a esse ponto já andava no automático deitou e disse que iria esperar até a gente voltar do Titanic, Alexandre ficou com ele e os demais seguiram até finalmente encontra a nossa meta.
O Conduto Titanic é um longo conduto com teto a meia a altura e o piso branco forrado de um tipo de espeleotema chamado “ jangada” esse espeleotema é um indicativo que o conduto ficou alagado durante muito tempo. 
 Uma foto especial no Conduto Titanic. O piso branco repleto de jangada contrasta com um teto amarelado. 

Tiramos uma foto e retornamos em um dos maiores sufocos que já passei, tendo que regular cada gole de água até a saída. Todos desidratados tropeçando-nos próprios passos.  A caminhada de volta para a saída pareceu uma eternidade, mas enfim finalizamos e escrevemos mais uma grande aventura espeleológica nas nossas vidas! 


 Por: André Vieira de Araújo

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