SEA - SOCIEDADE ESPELEOLÓGICA AZIMUTE
Nossa missão é reunir os interessados em espeleologia para conhecer as maravilhosas cavernas do sertão nordestino
segunda-feira, 24 de março de 2025
Expedição março 2025 Parte 1: retorno à Toca do Vicente e novo paredão de calcário
terça-feira, 25 de outubro de 2022
Os segredos da Toca da Onça
A Toca da Onça localizada no povoado de Caatinga do Moura, município de Jacobina, região norte da Bahia entrou para o mapa da ciência com as coletas e publicações realizadas pelo Professor Castor Cartelle no final da década de 70. Além de diversos espécimes da megafauna como: Preguiças e Tatus Gigantes, nesta caverna a essa mesma época foram coletados restos de dois esqueletos humanos. Estudos desse material humano demonstram traços africano-australomelanésios com datações de 9 mil anos que demonstra a importância dessa caverna para a interessante questão do povoamento das Américas. Apesar de tamanha relevância até 2018 a caverna ainda carecia de informações geoespeleológicas que dão subsídios para a melhor utilização e valorização desse patrimônio natural.
Em 2021 fui convidado para participar de uma interessante investigação com um outro fóssil encontrado na Toca das Onças, tratava-se de algumas vertebras da preguiça gigante Eremotherium laurilardii, nestas vertebras o professor Fernando Barbosa identificou marcas relacionadas a um processo de cicatrização de uma ferida, o que nos fez sugerir que a preguiça caiu na caverna ainda viva, se machucou e ficou aprisionada na caverna até a sua morte algum tempo depois. Esse trabalho demonstrou pela primeira vez que a caverna funcionava como uma armadilha natural que os animais da megafauna caiam e não conseguiam sair, acumulando assim dezenas de esqueletos ao longo do tempo. Esse trabalho foi publicado na influente Scientifc reports que é uma publicação do grupo Nature uma das mais relevantes revista científica do mundo.
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
Spelaeogammarus! Quem são? Onde encontramos? e por que são importantes?
Quem são os Spelaeogammarus?
Popularmente são conhecidos como "Pitu" das cavernas. Trata-se de um minúsculo crustáceo de água doce (parente distante dos camarões) estão incluídos dentro da ordem dos Amphipoda ou anfípodes. As espécies de Amphipoda tem grande variação de tamanho, ocupam uma diversidade de habitats incluindo ambientes marinhos, de água doce e até ambientes terrestres úmidos. Dentro dos Amphipoda existe um grupo chamado de Gammaridea que são praticamente exclusivos de água doce e que o gênero mais conhecido é o Gammarus.
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Comparação mostrando as diferenças entre um anfípoda de água doce (que mais parece uma pulga aquática) com o pitu verdadeiro (um camarão de água doce). |
O primeiro Gamaridea descrito em uma caverna brasileira ganhou o nome de Spelaeogammarus bahiensis; Spelaeo é o termo em latim para caverna. Iva Nilce da Silva Brum descreveu esse novo animal em 1973, e no trabalho é informado que o material (2 machos e três fêmeas) foram coletados em uma caverna procedente do Distrito de Matamuté (Sic), Município de Curaçá na Bahia. Na verdade no nome correto do distrito é Patamuté que é um termo da língua Cariri que significa "antas n'água. Não há registro de novas coletas do animal em Curaçá e fotos do espécime são desconhecidas, os trabalhos que citam o S. bahiensis repetem o erro de informar Matamuté ao invés de Patamuté.
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Desenho do artigo original que descreve o gênero. |
No meu trabalho de graduação identificamos esse espécime (S. trajanoae) para uma nova caverna em Campo Formoso: a Toca da Tiquara (ARAÚJO & PEIXOTO, 2014); Posteriormente, nos trabalhos do Mestrado o identificamos em uma nova caverna em Várzea Nova: A Toca do Carlito (ARAÚJO et al., 2017).
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Em C) coletando Amphipoda para o trabalho da graduação; D) tentativa de fotografar o minúsculo crustáceo em campo. E) Detalhe do S. trajanoae da Tiquara para a Dissertação do Mestrado. |
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Registro extraordinário de S. trajanoae feito pelo Erickson Batista na Toca do Carlito em Várzea Nova. |
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S. titan. Foto de Rodrigo L. Ferreira uma dos autores do trabalho de descrição. |
Rafaela Basto-Pereira & Rodrigo Lopes Ferreira (UFLA), descreveram recentemente mais 02 novas espécies: Spelaeogammarus sanctum para a conhecida e muito visitada caverna do Bom Jesus da Lapa e Spelaeogammarus uai coletado na Lapa d' água do Zezé em Itacarambi- MG. Sendo esse último o primeiro Spelaeogammarus registrado fora do Estado da Bahia; Embora a caverna faça parte da mesma unidade geológica (Grupo Bambuí) em que foram descritas as espécies S.santanensis, S. titan e S. sanctum.
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Nessa imagem pode-se observar a ocorrência de Spelaeogammarus por bacia no Estado da Bahia. |
No trabalho que desenvolvemos durante o Mestrado tentamos dar uma olhada nessa questão da distribuição, utilizando uma das bacias como modelo. Escolhemos a bacia do rio Salitre e observamos a ocorrência das populações de Spelaeogammarus trajanoae para pensar se migração ou efeito vicariante explicaria melhor essas populações estarem separadas dentro da bacia.
No entanto a grande preocupação é: Vamos ter tempo para responder? Isso por que a má utilização da água subterrânea para agricultura extensiva junto com a contaminação do lençol freático pelos mais diversos tipos de poluentes aliados a crise climática trazendo anos com cada vez menos chuvas pode levar a extinção dessas maravilhosas criaturas antes mesmo que eles possam nos ajudar a responder simultaneamente como evoluiu a espécie e o relevo.
Referencias
sábado, 30 de outubro de 2021
TOCA DO NONATO: Uma cavernada aleatória.
Enquanto
desempoeirava capacetes e lanternas me dei conta que precisava limpar a pior
espécie de poeira que vem se acumulando em tempos de pandemia, aquela que pano úmido nenhum pode afastar: A das histórias não contadas! Afinal de nada
vale os dias especiais se não forem compartilhados.
Esse é o relato de uma expedição que aconteceu em abril de 2019, e que rendeu belas fotografias ( o que por si só, já justifica a postagem).
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Registro de Erickson Batista na Toca do Nonato. 04/19 |
Escrevendo agora em 2021 posso ser traído pela memória em alguns
detalhes. O que lembro com razoável
certeza é que essa expedição não estava no nosso calendário oficial de
expedições. O que aconteceu foi que próximo a semana da expedição mensal, Ney
enviou no grupo de whats app uma foto e um áudio de algumas pessoas entrando em
uma caverna que diziam ser inexplorada. As fotos mostravam um bom potencial e a
caverna era na cidade de Cafarnaum na Bahia, essa cidade é próxima a Iraquara
que é amplamente conhecida pela quantidade de cavernas e dolinas! Valeria a pena mudar o planejamento e ir conferir.
O Ney que foi o cara que deu a ideia, nos avisou que não poderia viajar conosco naquele final de semana mas, deu a dica de um contato que encontraríamos na cidade Morro do Chapéu, o tal contato conhecia a caverna e poderia nos levar lá. E assim, pegamos a estrada saindo de Sr.do Bonfim: Alexandre, Thiago Mattos e eu. Paramos em Várzea Nova para encontrarmos nosso principal fotografo o Erickson Batista.
Equipe
completa, chegamos no Morro do Chapéu um pouco depois de meio dia, encontramos
o contato que o Ney tinha informado e ficamos sabendo que ele não poderia ir
conosco. O que ele poderia fazer era dar umas dicas de como chegar no povoado em
que fica a caverna, e o contato do seu Nonato que poderia nos ajudar.
Antes de nos desejar boa viagem nosso anfitrião do Morro ainda nos mostrou uns
vídeos que fez na caverna o que nos deu um ânimo maior para a chegar logo e cavernar antes de anoitecer.
Chegamos ao povoado, e encontramos Seu Nonato! Um senhor muito simpático, que nos contou vários causos e se prontificou
a mostrar a entrada da caverna e autorizou que acampássemos no seu quintal, pós cavernada.
Tudo arrumado chegou a hora de cavernar. De acordo com seu Nonato a caverna fica pouco mais de 300m a frente de sua propriedade, mas, precisaríamos passar pela propriedade de terceiros e, portanto, seria necessário uma ou outra conversa antes de chegar no afloramento. Feito isso, já era quase 16h quando chegamos ao ponto onde estaria a caverna. Seu Nonato teve um pouco de dificuldade de encontrar o local exato da entrada e assim que encontrou nos informou que não poderia entrar conosco devido o adiantar da hora. Perguntei qual que era o nome da caverna e ele respondeu que não tinha nome, era só "Toca". Normalmente, quando isso ocorre, costuma-se batizar a caverna com o nome da fazenda onde está entrada. Mas, pela simpatia, pelos causos e hospitalidade de seu Nonato, resolvemos que seria justo cadastrar a cavidade com o seu nome.
A
caverna tem uma entrada pequena seguida por um conduto estreito com forte
cheiro de guano e de animais em decomposição. Passando esse conduto abre um
pequeno salão terminando em um teto baixo logo a frente. Será que já acaba
aqui? Mas tá diferente do que nos mostraram nos vídeos. "Deve ter alguma outra
passagem que passou desapercebido".
Não demorou
para encontrarmos uma passagem lateral mas, que para nossa infelicidade terminava em um salão obstruído por
blocos; Não é possível que viemos de tão longe pra ver tão pouco!
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O salão obstruído e a cara de decepção da equipe. Foto: Erickson Batista. |
Já estávamos de saída da caverna, mas naquele ritmo sem pressa e sem preocupações! Uma parada para beber uma água e fazer um lanche. Aquele bom bate papo, despreocupado e antes que a maioria terminasse seu lanche eu indaguei: “ Desde quando deixamos um teto baixo para trás?
- " Vamos rastejar aqui. Obtive a seguinte resposta de Thiago:
- “Vai na frente. Se prosseguir, a gente te segue”.
- Ok!
Rastejei e
percebi que continuava. Avisei a turma! Aquela altura ainda não conseguia saber se prosseguia um pouco mais ou se
iríamos nos deparar novamente com um salão obstruído, mas, pelo menos era teto
alto; Usando aquela estratégia psicológica de dividir as preocupações por
etapas, insisti para que todos fizessem o rastejo e em seguida, pedi para que
Erickson fizesse um registro para nossos arquivos, então depois iriamos conferir o final do conduto.
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O conduto pós rastejo. |
A medida que progredíamos a caverna nos surpreendeu com condutos e salões completamente diferentes do que
tínhamos antes do rastejo, dentre as mudanças destaca-se a drástica mudança progressiva
da umidade, culminando em condutos com água e lama.
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Um dos sinais da mudança de umidade foi esse raro registro de uma Gminophiona em caverna. Esse é um anfíbio conhecido como "cobra-cega" e encontrado apenas em ambientes úmidos. |
Nesse ponto a caverna alterna curiosos condutos
de meia altura com morfologia retangular e grandes salões de teto alto. SIMPLESMENTE NÃO TEM LIMITE A IMAGINAÇÃO DA
ÁGUA QUE ESCULPE CAVERNA!
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Um dos belos salões encontrados. O desafio aqui é encontrar onde estão todos os 4 integrantes da expedição. Alguns estão bem camuflados. |
Encontramos duas ramificações laterais antes de chegar ao final da caverna. Exploramos uma das ramificações para perceber que ela dá uma volta e se conecta ao conduto principal de onde partimos. A exploração dessa ramificação rendeu um causo.
Enquanto estávamos no salão principal, pousando
para fotos, foi o Alexandre quem primeiro entrou na ramificação avisando que
iria ver até onde ela prosseguia. Depois de uns 10min, resolvemos seguir os
passos de Alexandre pela ramificação lateral. E aqui era literalmente seguir os
passos. Uma vez que, nesse local o piso estava forrado com uma lama viscosa e a nossa bota inevitavelmente afundava. Avançamos seguindo os rastros deixado por
Alexandre até que os rastros desapareceram do nada!!!!
Após alguns minutos gritando
o nome de Alexandre sem nenhum retorno,
finalmente ouvimos um barulho vindo de longe.
A explicação: Próximo ao local
onde o conduto fecha tem um nível superior que não tínhamos enxergado, aqui o
sedimento é mais fino e seco, Alexandre subiu sem deixar marcas, esse novo local desemboca em grandes salões e depois volta para
os condutos com lama de onde partimos.
Saímos da
caverna por volta de 20h e ficamos com uma boa sensação de dever cumprido. No
dia seguinte voltando para casa, ainda tivemos a oportunidade de contemplar o sítio da Cachoeira
do Ferro Doido, um conhecido ponto turístico da cidade de Morro do Chapéu.
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Da Esquerda para direita:Erickson Batista; André Vieira; Thiago Mattos e Alexandre Santos. |
Chegando em
casa, mostrando as fotos e contando os relatos para Ney, e a seu contato no Morro
do Chapéu descobrimos que exploramos a
caverna “errada” ou os condutos errados da caverna certa? Segundo eles (e os
registros fotográficos confirmam) não fomos nos locais onde eles foram. Questão que só poderá ser respondida no nosso
retorno a Cafarnaum e revisitar a misteriosa Toca do Nonato.
PARA QUE SERVE UMA CAVERNADA? SIMPLESMENTE PARA VOLTAR AO
PONTO DE PARTIDA! |
domingo, 29 de agosto de 2021
"A casa do capeta" - Crônica de Peter Tofte
